quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

A esperança não vem em latas



Não há luzes na rua, respondi-lhe, 
Mas temos luzinhas lá em casa. E teremos sempre luzinhas no nosso coração. E isso é o mais importante.

(Que treta, Constança. Que treta, grito silenciosamente a mim própria. 
Isto que estás a dizer à tua filha de cinco anos são tretas e tu sabes.)

Ela antecipou-se, e quase em eco com a minha voz interior, disse: 
Isso não faz sentido nenhum, mãe.

.............


Bom. A verdade é esta.

Em Dezembro de 2011 não houve luzes de Natal na nossa rua. Até podiam ser fiadas simples, aproveitadas das festas da terra, uns meses antes. Mas não houve. Nem uma. Como também não houve nas varandas das casas das pessoas que todos os anos ajudam a enfeitar a rua.
Nada.

Em Dezembro de 2011 por falta de dinheiro, ou de espírito, ou de ânimo ou, se calhar, por nada disto, mas apenas por vergonha de estar associado a qualquer coisa vagamente semelhante a uma comemoração ou festa, não houve uma única luzinha de Natal na minha rua.

Não entendam mal. Este texto não é um manifesto a favor das iluminações ou o que quer que seja. É só uma reflexão. Pensar ainda é gratuito, então eu acho que em alturas como esta, pensar é uma coisa que toda a gente devia fazer mais.

(como dar abraços e beijinhos e escrever bilhetinhos e dizer coisas parvas e rir à gargalhada. Isso também é tudo gratuito, mas compreendo que ninguém tenha grande vontade de o fazer. Só se fossemos tontinhos, dir-me-iam, se calhar, se eu o sugerisse neste texto.Não sabes a situação em que estamos?)

Como estamos em crise, as reacções que temos têm que ser mais pensadas, mais de acordo com “o manual de normas do comportamento aceitável em momentos de crise”.

Por exemplo. Não temos luzes de Natal nas ruas, mas depois, no dia de Natal, aparece um vídeo da Coca Cola a dizer que vai tudo correr bem. De repente temos vontade de abraçar toda a gente e distribuir beijos a eito. Vai correr tudo bem, mundo! 
Mas espera. 
Agora há um novo vídeo e este diz que temos é razões para odiar a Coca-Cola e os governos e que afinal há muito mais pessoas corruptas no mundo do que ursinhos de peluche e pronto, está tudo estragado outra vez. Que desânimo, para quê levantar da cama, estamos condenados, afinal. É aquela questão que sempre detestei: o copo está meio cheio ou meio vazio? E quem decide a perspectiva: somos nós ou quem segura o copo?

São assim os sentimentos enlatados. Trazem interesses escondidos, são de rápido consumo e pior, sejam bons ou maus, positivos ou negativos, não são nossos. Nós só somos ecos, arrastados na maré. 

Colaborantes, quase sempre. Algumas vezes mais inflamados. A encolher os ombros, na maior parte dos casos. Foi assim no final deste ano. Adivinha-se assim o próximo. A indiferença é mais gerível, afinal. Não cansa tanto.

No ano passado escrevi aqui uma história em que as crianças salvavam o mundo da indiferença.

Este ano não chamo os pássaros, e poupo nas metáforas. Vou dizê-lo claramente: são as crianças que vão salvar o mundo.

Porque não é preciso ensinar-lhes a esperança. Porque riem se estão felizes e choram se estão tristes. E o mundo pode mudar a cada dia, mas elas continuam a acreditar no Pai Natal e em fadas, e na magia em geral. E mais do que nunca, hoje, acreditar no Pai Natal e em fadas é absolutamente essencial.

Porque fazem perguntas, porque questionam, porque não desistem até terem resposta. E se a resposta não é satisfatória, elas perguntam outra e outra vez. Porque fazem birras, e porque o fazem em muitos casos, porque acham mesmo que têm toda a razão e que não é justo. E se não é justo, qual é o sentido de se calarem?

As crianças podiam salvar o mundo porque são corajosas. Porque enfrentam os adultos, quando estes têm duas vezes o seu tamanho. 

Mas acima de tudo, porque é na adversidade que pedem mais beijos, mais colo, mais amor. Porque quando estão tristes ou sozinhas, ou com medo do escuro no meio da noite, chamam por alguém.

E isto é o que todos devíamos fazer.


A tua pulseirinha está quase a romper-se, digo-lhe, para desviar o assunto das luzes,
Ainda te lembras do que desejaste?

Claro que sim, mãe.
Desejei um lindo arco-íris e duas borboletas.

….

segunda-feira, 25 de julho de 2011

sexta-feira, 15 de abril de 2011

As crianças e a crise



Por Deolinda Barata*

É uma realidade inquestionável que a “crise” também chegou ao universo das nossas crianças e para isso muito contribuiu a televisão que as bombardeia constantemente com a “crise financeira”, o “IVA”, o “FMI”, a “BOLSA”, o “Rating”. Descobrimos até que fazem arremedos a opinar sobre a política fiscal… «então mãe, não achas que o IVA não devia aumentar, porque assim as coisas ficam mais caras e é pior para toda a gente?»!


Este facto obriga-nos a estar redobradamente atentos não ocultando este registo às crianças para as poupar a preocupações e ansiedades!

Além disso os pais/família têm de assumir uma atitude equilibrada, sensata e ponderada para que a “ansiedade financeira” causada pelas medidas de austeridade, vivenciando um quotidiano, por vezes doloroso, de sobrevivência, não os coloque a si mesmos num estado de preocupação, ansiedade e mesmo de dramatismo que os torne muito menos disponíveis e despertos para as inquietações das suas crianças. É fundamental não esquecer que se deve dar sempre às crianças uma perspectiva de “saída”, de optimismo e positiva em relação ao futuro. Pois para se ter empenho e interesse em crescer com as potencialidades de desenvolvimento como pessoa, é necessário ter uma ideia de “futuro” e não de “beco sem saída”.

Esta atitude proactiva seguramente implica uma reformulação do modelo de vida vigente (baseado no consumo e no “quanto mais melhor”, mesmo que desnecessário), educando os nossas filhos, dando importância mais “ao ser” do que “ao ter”. É óbvio que é necessário aprender a viver em padrões de desenvolvimento diferentes, outras formas relacionais de vida, com maior enriquecimento pessoal, sem ser necessariamente à custa do consumo exagerado de bens materiais.

É necessário reformular hábitos, saber, em total partilha e envolvimento das crianças (explicando de maneira adaptada às suas idades, desdramatizando as arestas mais agudas) estabelecer um plano de despesas e gastos, estabelecendo prioridades e banindo o que é supérfluo. Esta atitude não significa um empobrecimento da vida relacional, afectiva, social e cultural, bem pelo contrário.

Por paradoxal que possa parecer, as “crises” em geral obrigam-nos a repensar os projectos de vida e a encontrar soluções mais criativas e eventualmente mais satisfatórias. Assim, é fundamental que os Pais/Famílias evitem dar uma dimensão catastrófica da vida, oferecendo sempre a ideia de que há um “futuro” para o qual há uma saída, reforçando o conceito que o ser humano é dotado de uma capacidade de adaptação às adversidades, ultrapassando-as. Deve ser dado relevo a que as pessoas/famílias podem sair destas crises (quando superadas com equilíbrio) com aumento das suas competências relacionais, sociais e culturais.

Contudo não deve ser esquecido que existem situações de extrema pobreza, degradantes sob o ponto de vista humano, que conduzem à exclusão social e que obrigam necessariamente a desencadear medidas concretas de ajuda, nomeadamente pelos órgãos de decisão (Estado/Governo), dotando as famílias de meios que lhes permitam sair desta situação humilhante socialmente. Além disso, deve ser fomentada uma cultura de cidadania, com sociedades solidárias e preocupadas com “o outro” que necessita de ajuda.

Como explicar a crise às crianças

A crise deve ser explicada às crianças com verdade, de uma maneira simples e perceptível para o seu grau de compreensão, sem dramatismos desnecessários ajudando a fazer opções, sempre com o seu envolvimento e partilha nas decisões. É fundamental explicar que a impossibilidade de comprar coisas que não são prioritárias não é uma catástrofe, pois há crianças que podem vivenciar estas opções angustiadas pela ameaça de “ruína” (todos nós já vivemos com menos bens de consumo e não nos angustiámos e envolvemo-nos com a vida com alegria!).

Obviamente que o “aperto” financeiro dos pais pode ser motivo de ansiedade entre os mais novos se os pais projectarem sobre os filhos as suas inquietações, angústias e a ansiedades.

Os pais com a vida pessoal e profissional tão intensa e exigente, a quem resta pouco tempo para partilhar com os filhos, é frequente que, numa atitude de desculpabilização e compensação “comprem” os filhos, oferecendo-lhes bens materiais, a maior parte das vezes desnecessários. Como nesta época de crise a capacidade de compra diminuirá consideravelmente, podem agora os pais explorar outras abordagens, encontrando maior disponibilidade de tempo para o envolvimento afectivo e emocional com os seus filhos.

*Deolinda Barata é pediatra e presidente da Secção de Pediatria Social da Sociedade Portuguesa de Pediatria. 


terça-feira, 22 de março de 2011

Super-mães

Por Cláudia Pinto*




Contar histórias… Conhecer pessoas… Sentir-me pequenina quando vejo que, por vezes, também eu reclamo de quando em quando de coisas que, pasme-se, não têm mesmo importância! Enquanto jornalista especializada na área da saúde, tenho o grande privilégio de me cruzar com pessoas que têm uma história para contar e que me dão as maiores lições de vida que se possa imaginar.

A experiência é tão enriquecedora que tento manter-me a par das novidades e saber como estão… O Facebook acaba por ser um excelente aliado para que me sinta perto de entrevistados que me marcaram, por um ou outro motivo, e com quem acabei por ficar com uma ligação especial. Porque só assim sei viver nesta profissão.

Ao longo deste percurso, conheci verdadeiras super mães. Sara, Patrícia e Cristina. Três nomes de grandes mulheres, mães ideais, cada uma com uma história para contar e pelas quais tenho a maior admiração. Todas elas mães coragem que não baixaram os braços com as adversidades e que são movidas pelo amor. Sempre.

Sara Melo, mãe de cinco filhas, quatro delas, quadrigémeas. Todas elas foram as protagonistas de um artigo intitulado “Em quatro minutos, quatro bebés”. Benfiquista de coração, programou uma segunda gravidez porque gostava muito de ter um menino (já imaginava o filhote a jogar no Glorioso) até que uma ecografia deixou todos os profissionais da clínica extasiados. Aos poucos, Sara apercebeu-se que esperava quatro filhos… Sem tratamentos de fertilidade. De forma natural. Como se a mãe natureza a tivesse escolhido devido à sua garra, forma de viver a vida e de enfrentar a responsabilidade. Parece que Sara nasceu para ser mãe. Só uma pessoa com a sua energia e maneira de ser consegue dedicar-se por inteiro à maternidade no seu esplendor sem nunca ter sentido necessidade de apoio psicológico e com uma recuperação fora do normal. A vida é hoje e há que enfrentá-la. Sem medos. Como Sara sabe fazer tão bem ainda que durma poucas horas e se desdobre em funções.
Miriam, Zaida, Alícia, Cíntia e Dânia fazem as delícias de Sara e de Edgar, o super pai. Um dia-a-dia pouco rotineiro e cheio de aventuras para contar. Se tiver curiosidade, acompanhe http://www.mimieasquadrigemeas.blogspot.com/ e conheça melhor esta grande família. 
Patrícia Cãmano é mãe de Leonardo. Também ela tem dias e noites fora do comum e muito agitadas. Trabalha muito, dorme pouco, move céus e montanhas e não desiste. Consegue com determinação, serenidade, muito cansaço e amor incondicional apoiar o seu “ratinho”, um bebé que sofre de uma doença rara denominada de Lisecenfalia, que significa, cérebro liso.

O Leonardo é um bebé muito bonito a quem foi dada uma esperança média de vida de dois anos… mas felizmente o segundo aniversário já foi comemorado e os papás continuam a viajar até ao estrangeiro e a pedir variadas opiniões médicas para garantirem que a sua qualidade de vida melhora e que o sofrimento provocado pela doença pode ser minimizado. Não desistem. Vão à luta. Não se resignam. O Leonardo tem “um atraso mental profundo, com uma idade mental equivalente a 3 ou 5 meses de idade”, epilepsias graves e uma reduzida esperança média de vida. Contei esta história numa das revistas para onde escrevo e mantenho contacto com Patrícia via Facebook… Sinto-me impotente por pouco poder fazer mas apelo a quem souber mais sobre esta doença e a quem consiga aconselhar um especialista ou apoiar esta família de qualquer forma, que o faça sem hesitar. Não deixe de aceder ao blog oficial deste lindo “ratinho” em http://cerebro-liso-lisencefalia.blogspot.com/

Cristina Gonçalves Ferreira, mãe de António. Tudo corria bem na gravidez até ao 5º mês. Uma infecção contraída na gestação fez com que o seu filhote tivesse pressa de nascer. E nasceu. Com apenas 674 gramas. 24 de Abril de 2008 foi a data de nascimento do pequeno António, um verdadeiro lutador. Nasceu cedo demais como a defender-se da infecção que perturbou precocemente a gravidez.
A mãe de apenas 27 anos teve de aprender a lidar com a realidade de ter um filho prematuro que passou dez meses na unidade de neonatologia do Hospital de São Francisco Xavier. Cristina passava entre 10 a 12 horas no hospital para acompanhar o crescimento do pequeno António que sempre demonstrou vontade de viver. Os pais babados acompanham passo a passo o seu crescimento. Felizmente, António nunca ficou com sequelas motoras ou psicológicas. Três anos depois, é um bebé enérgico, carinhoso, de sorriso encantador… 
A mãe Cristina teve de dedicar-se em pleno ao seu filhote e deixar de lado alguns projectos profissionais, apesar de ter voltado para o curso de arquitectura que ficou em segundo plano depois do nascimento. Cada pequeno passo de António transforma-se numa grande vitória para a família.

Três mães, três histórias, três realidades. Mulheres que tive o privilégio de conhecer e que transformam a minha profissão na nobre possibilidade de contar estas histórias e passar mensagens de coragem. Para mim, que ainda sou só jornalista, tia de dois sobrinhos (a caminho do terceiro) e ainda não me aventurei na maternidade, fica o exemplo da enorme coragem com que cada uma vive os dias imprevistos e a realidade desconhecida. Espero um dia ser uma mãe tão forte, dedicada e brilhante! Sara, Patrícia e Cristina são AS super mães. Indiscutivelmente. Merecem o respeito de todos e a admiração de quem se cruza com elas. 

Merecem que a vida as trate bem. Porque dão muito da sua energia à vida. 

*Cláudia Pinto é jornalista especializada na área da saúde, editora do Jornal do Centro de Saúde e colaboradora em várias publicações da área. Está actualmente a concluir o Mestrado em Comunicação em Saúde pela Faculdade de Medicina de Lisboa.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Post-útil #6: Os vencedores ganham chocolate!

A Ana Catarina Pereira está  oficialmente nomeada como nossa colaboradora para sugestões giras de actividades para fazer com as crianças. Espreitem lá mais esta!

Uma ideia para oferecer à criançada nas festinhas de aniversário e substituir o saquinho carregado de chocolates, rebuçados, gomas e afins.......Feito com a ajuda deles!

Derreti uma tablete de chocolate com um pouco de leite e manteiga em banho maria.
Depois de tudo derretido passei para forminhas de queques com a altura de 1 cm de chocolate.
Vai ao frigorifico solidificar.
Depois é só retirar com cuidado.
As crianças podem cortar o papel de aluminio em quadrados e ajudar a forrar o chocolate.
Por fim é  colar uma fitinha ( ter várias cores - em qualquer retrosaria há) para colocar à volta dos pescoços deles.

Olhem as medalhas aqui! Tão giras!

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Adopção

Na semana passada, o Bebé Filósofo foi convidado a estar no Programa Mais Tarde ou Mais Cedo na TSF.
O João Paulo Meneses, autor do programa, é também um pai que passou há uns anos pelo complexo processo de adoptar uma criança em Portugal. Porque nunca tínhamos falado deste tema no BF, pedimos ao João Paulo que nos desse as suas impressões sobre esta realidade, que sabemos ser muitas vezes semelhante a uma longa e frustrante gravidez. Aqui fica.


O que o levou a querer adoptar uma criança?
O desafio de pensar que podia contribuir para um futuro melhor de uma criança e o desejo de ter filhos;

Em traços gerais como foi o percurso?
Demasiado longo, desesperante mesmo, mas visto a esta distância recompensador. É uma prova de fogo que faz muitos desistirem. E acaba por, injsutamente, poder criar expectativas sobre a própria criança, sendo que ela não tem culpa dessa burocracia.

O que acha que está mal nos processos de adopção em Portugal?
A montante está um problema filosófico, o de que as crianças são, de alguma forma, propriedade dos pais. É esse conceito que prevalece na jurisprudência nacional e nas decisões, genericamente, dos senhores juízes. Esgotam-se todas as hipoteses e mais algumas para que as crianças não se desliguem dos pais, mesmo quando é por demais evidente que elas estariam melhor sem eles (ou alguns familiares). Por isso é que há tantas crianças à espera para serem adoptadas e é por isso que é muito raro conseguir adoptar um bebé (o que, felizmente, consegui). Em alternativa deveria prevalecer a ideia de que o mais importante é o interesse das crianças, que - em situações socialmente disruptivas - provavelmente não passará pelos pais biológicos, mas por quem tem amor e educação para lhes dar.

O que devem saber os casais que iniciam estes processos?
sobretudo saber esperar. Preparar-se para o 'pior cenário'; E saber lidar com a burocracia;

Que sentimentos ficam em quem passou por um processo destes?
Não gosto muito de recordar. Prefiro pensar no presente.

O JF chegou com 3 meses num dia 22 de Dezembro. 
Foi, de acordo com o João Paulo, "o melhor Natal das nossas vidas".

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O melhor presente do mundo

Por João Paulo Batalha*

É uma questão de marketing, suponho. Mudar a embalagem, dar-lhe um tom design. Pôr-lhe um daqueles selos tridimensionais com uma figurinha que muda de posição. Talvez ajudasse. É caso, seguramente, para contratar uma consultora estrangeira em marketing criativo que venha definir, a preço de ouro, a melhor maneira de vender a coisa. Porque é mesmo o melhor presente do mundo. A sério.

Várias vezes estive tentado a oferecê-lo aos meus irmãozinhos mais novos (e a cada oportunidade, sei que já viria mais tarde do que devia). Mas depois imagino o ar de desilusão que fatalmente lhes trespassaria a face e desisto – e eles já estão naquela idade em que sabem que é de bom tom fingirem que gostaram da prenda, mas ainda não estão naquela idade (e espero que nunca estejam) em que são bons no fingimento. Seria embaraçoso para todos. De modo que fica por oferecer, o melhor presente do mundo.

Senhores, o melhor presente do mundo: um cartão de biblioteca. Ridículo, não é? Um cartão de biblioteca, o melhor presente do mundo? Para crianças? Em que mundo?

Pois.

E no entanto, digo eu, oxalá fosse o mundo assim tão simples. Assim tão belo. Um cartão de biblioteca em vez de uma boneca esgotadíssima com uma câmara no pescoço (que mente doente se lembrou dessa?) ou um robot-transformer-destroyer para guerras a brincar que, se bem usado, leva o pequenito utilizador a um frenesim capaz de provocar guerras a sério – e ele que vá treinando, isto o mundo é uma selva.

Eis o problema: os tipos do marketing trabalham para o inimigo. Tal como um bom brinquedo – ensinam-nos eles – o amor é grande e brilhante e tem luzinhas e várias peças que se movem e dispara raios mortais pelos olhos e é capaz de destruir uma cidade e tirar vidas carregando no botãozinho (pilhas vendidas separadamente).

Além de que, na era do Google e da Wikipedia, ir à biblioteca para quê? Pior: ler para quê? É uma pergunta assassina nos tempos que correm, porque exige uma resposta longa e aborrecida – e isso já não se usa. Exige explicar que ao contrário de um filme ou um vídeo, que acontecem nos nossos olhos, a leitura acontece na nossa cabeça, na nossa imaginação. Ao ler um livro estamos a criá-lo, estamos a escrevê-lo na nossa mente, na nossa fantasia, com as palavras que tomamos emprestadas ao autor. Estamos a desenhar as feições das personagens, a arquitectar as cidades e os espaços na nossa imaginação.

Um filme é um filme, um jogo é um jogo. Estão ali à nossa frente e, bons ou maus, são o que são: os seus criadores construiram um universo visual, uma narrativa, e mostram-na tal como a imaginaram. Eles criaram, nós consumimos. Um livro não, porque um livro passa-se na nossa cabeça, porque não sendo visual obriga-nos a visualizá-lo na nossa imaginação. Um livro, o autor limita-se a escrevê-lo. É o leitor que o cria.

Ler por isto, digo eu. Ler porque não há substituto. Ler porque procurar uma coisa no Google não é aprender, é consultar. Ler porque das duas umas: ou alimentamos a nossa cabeça com produtos acabados – e aí somos consumidores – ou alimentamo-la com matéria-prima – e aí somos criadores.

As bibliotecas hoje, garanto-vos, existem em todos os cantinhos deste país e existem felizes e de portas abertas. E adoram crianças, e as crianças retribuem. Com espaços e programas especiais para o público infantil, com leituras de contos, com actividades, com descobertas. Porque também se aprende a leitura, e a relação com o livro, e a responsabilidade de levar um livro para casa e ter de devolvê-lo a tempo e em condições, porque ele pertence aos outros, aos nossos vizinhos, à comunidade, ao mundo. E aprende-se a solenidade saborosa de estar em silêncio numa sala de leitura – que é um ambiente que pode intimidar uma criança, “pouco barulho que há pessoas a ler”, mas que se aprende e que se adora (ou não me digam que o que se ama, o que verdadeiramente se ama nesta vida, não teve de ser aprendido?)

E é grátis. Digam-me lá, gurus do marketing, não se faz daqui uma campanha?

*Formado em História, João Paulo Batalha é jornalista e fundador da Storymakers, uma empresa dedicada à produção de exposições, eventos e produtos culturais para crianças. 

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O Bebé Filósofo à conversa na TSF

Esta terça-feira, das 15 às 16h00, o Bebé Filósofo vai estar no programa Mais Cedo ou Mais Tarde da TSF, à conversa com o João Paulo Menezes.

Tentar explicar o que nos levou a isto de tentar ser filósofo (e bebé) num mundo de gente grande.

O amor (aos 4 anos)

Amar é quando o coração bate muito depressa e a nossa cara fica vermelha quando olhamos para o namorado. Eu sei que é assim mas nunca senti, porque isso é só quando somos muito crescidos.


(ainda bem. ainda bem)

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Medicamentos manipulados comparticipados a 30%

Foi publicado no Diário da República, 2.ª série — N.º 242 — 16 de Dezembro de 2010 a nova tabela de medicamentos manipulados com comparticipação a 30%.

Esta publicação representa o culminar de um processo de quase quatro anos que contou com os esforços conjuntos da Comissão do Medicamento da Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP), do grupo do medicamento da Comissão Nacional da Saúde Materna, da Criança e do Adolescente, e a intervenção directa do Conselho Directivo da  ARSNorte, IP,  junto do Infarmed, para além do envolvimento de pais de crianças doentes. Estas entidades envidaram esforços conjuntos com entrevistas no Infarmed e entrega de processos organizados com base em  documentos e inquéritos  aos pediatras sobre os fármacos que, em sua opinião, deviam obter comparticipação do Estado.

Este apoio ainda não é o ideal, já que, de acordo com a responsável pela Comissão do Medicamento da SPP, Helena Jardim, o pretendido era a comparticipação de 50% do custo dos fármacos, mas, tendo em conta a conjuntura actual, “representa já uma grande ajuda para muitas crianças e famílias”. 

Os medicamentos manipulados são fármacos processados especialmente para crianças, em fórmulas adaptadas especialmente para a idade pediátrica (por não existirem em suspensões, soluções ou xaropes) e que, por serem processados manualmente nas farmácias e de forma individualizada para cada doente, são muito caros. Acresce a esta realidade o facto de que a  maior parte das crianças que exigem estes fármacos são as portadoras de doenças crónicas que necessitam, por vezes, de vários destes preparados, de forma prolongada e com frequentes reajustes das dosagens  pelo que os custos para as famílias são muitas vezes incomportáveis. É de realçar que a literatura científica sublinha que as doenças crónicas são significativamente mais prevalentes entre as classes mais desfavorecidas pelo que a não comparticipação destes medicamentos representava um acréscimo a este grave problema social.

A SPP reconhece a importância deste apoio para as crianças com doenças crónicas e suas  famílias e, de acordo com Helena Jardim, “Fica a sensação gratificante de que, em união e com objectivos válidos e bem identificados, se podem minorar  dificuldades”.


quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Aprender a criar (e a programar telemóveis)

Por João Paulo Batalha*



Às vezes sinto-me entalado pela História. Nascido em 1978, fui educado no séc. XX mas vou viver no séc. XXI. Quer dizer, a idade em que me diziam “tu não tens quereres” durou até mil nove e noventa e tal; as contas para pagar começaram a vir pela passagem do milénio. Bill Gates e Steve Jobs lançavam a revolução do computador pessoal mais ou menos pela altura em que eu entrava na escola. Tive de ir aprendendo a lidar com um mundo tecnológico ao mesmo tempo que ele ia sendo inventado. Nenhum primeiro-ministro me deu um magalhães para eu me entreter e, nos intervalos de me entreter, talvez aprender alguma coisa.

De modo que me sinto sempre ridículo a manusear um touch-screen. Hesito. No screen com que eu cresci, não era por pormos os dedos no ecrã que os actores da Globo iam para a direita em vez da esquerda. Só servia para a minha mãe se chatear porque tinha de limpar as dedadas. Acharei sempre natural que um touch-screen não funcione quando eu lhe toco (e não funciona mesmo; eles cheiram o medo) e que alguém que vá a passar perceba que eu sou apenas um idiota a tentar tocar um mundo que não é o meu.

Os miúdos de hoje não. Já nascem neste mundo tecnológico maduro. É por isso que quando um miúdo de dez anos me programa trinta tons de toque diferentes no telemóvel, consoante quem me ligue, o meu instinto é amuar. Raios, parece que já nascem ensinados! A questão é que não nascem. A tecnologia é-lhes intuitiva, sim, e isso abre-lhes imensas oportunidades, claro. Mas entre a oportunidade e a recompensa está a obra. O trabalhinho. E esse é mais importante hoje do que era no tempo dos meus pais, quando o emprego era mais certo e era para a vida.

Por isso não posso amuar. Tenho de me sentar ao lado do miúdo, eu que cresci com dois canais de televisão (mais o Tal Canal), e pedir-lhe que me ensine uma tecnologia que me irrita, que me faz sentir um homem lento num mundo rápido. Preciso das lições de um miúdo de dez anos para me manter um homem inovador (parece que isso hoje é a chave de todas as coisas), mas preciso sobretudo de lá estar para lhe pagar a lição.

Os gadgets têm vida curta e há sempre uma coisa nova para nos entretermos (juro que me parece que, literalmente de uma semana para a outra, toda a gente em Portugal arranjou um iPad). Entregarmos as crianças ao magalhães, à TV Cabo e à Internet e admirarmos a sua habilidade com as tecnologias não chega. No que toca a educação, sou um espartano: sou aquele tio que oferece prendas pedagógicas, mesmo que mais aborrecidas. Abre-se, não é tão divertido como a arma de brincar ou a consola de jogos, fica de lado. Tanto pior. Vai devagarinho. Insiste-se, puxa-se pela cabeça da criança – e na cabeça de uma criança livre cabe muito mais imaginação do que na de mil programadores de vídeojogos.

Porque o ponto é este: um jogo, um filme, um site – mesmo um brinquedo – são a imaginação de outra pessoa. São o ponto de vista de outro. Saber manuseá-los, consumi-los, é óptimo. É literacia tecnológica. Mas literacia não chega. Se formos pais conscientes, queremos que os nossos filhos aprendam a consumir, claro (melhor do que nós, de preferência, com mais inteligência e menos dívida acumulada). Mas, melhor do que consumir, queremos que os nossos filhos aprendam a criar.

É esse o negócio que tento fazer com um miúdo de dez anos que me programa os toques de telemóvel: maçá-lo com perguntas. Porquê assim? Porque não assado? Para que serve isto? E para que poderia servir? É este o negócio: ajuda-me a usar as ferramentas que alguém criou, e eu tento ajudar-te a criar as ferramentas que alguém há-de usar.

*Formado em História, João Paulo Batalha é jornalista e fundador da Storymakers, uma empresa dedicada à produção de exposições, eventos e produtos culturais para crianças

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Parabéns, Bebé!



Faz anos hoje o nosso Bebé Filósofo. Um ano certinho. E como em todos os primeiros aniversários, também neste se mistura uma sensação de orgulho, surpresa e vontade de recordar todas as conquistas e os bons momentos.

O Bebé nasceu no dia 1 de Fevereiro de 2010. Foi do Luís Januário o primeiro post. Dizia ele que,


E sim, foi com liberdade que resolvemos falar das coisas numa perspectiva diferente. 
Procurando nexos causais ou evitando-os, consoante os dias. Tivemos muitos autores convidados. 


Seguimos as pegadas do desenvolvimento infantil, como se de um verdadeiro Bebé nos tratássemos. 


Falámos de amamentação, de vinculação, dos perigos, das birras
Fizemos perguntas. Muitas. 


Contivémos as lágrimas para não chorar em público e dançámos sob o sol.



E dissemos que queremos crianças que brinquem mais e trabalhem menos.


Demos muitas dicas e falámos sobre o futuro.  



E vamos continuar por aqui, porque passou um ano mas ainda continuamos com tantas dúvidas. 
A infância é o local mais importante da vida.
Como poderia alguma vez deixar de ser tema para boas conversas?


sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Bichos e crianças

Por Sónia da Veiga*


Muita gente aconselha os casais jovens a ter um animal de estimação para treinarem a responsabilidade, capacidade de educar e paciências que, mais tarde, precisarão ao ter filhos.

Não foi por essa razão que o Bicho fez parte da nossa jovem família durante 6 anos dos seus 16 de vida - ele conquistou-nos com a sua personalidade fantástica; mas ajudou bastante! Infelizmente, ele faleceu 1 mês antes do nascimento do P. , deixando saudades e a certeza de que, durante uns tempos, nada de mais animais - ele é insubstituível!

Passado ano e meio, a vontade de que o P. aprendesse o que é ter um amigo de estimação, a brincar com ele, a crescer com ele, habituando-se desde cedo a outras espécies, a outro tipo de carinho, tornou-se maior que o receio da confusão e destabilização da recém-estabelecida rotina e eis que surgiu o Miau (sim, eu sei que o nome não é dos mais originais, mas foi o mais fácil para quem começa a aprender a falar!).

Ter um jovem gatinho na mesma casa que uma criança pequena é complicado, mas, graças ao (pouco) juízo que a idade traz, a rotina restabeleceu-se e, ao fim de um ano da chegada do Miau, o L. nasceu.

Tanto o  P. como o L. se dão bem com o Miau e há vários momentos de interacção fantásticos, mas o L., por  ter tido o gato presente desde sempre, tornou-se um perito na linguagem corporal felina (sabe quando continuar a brincar e quando chamar a mãe para afastar “a fera”), estando muito mais à vontade com animais de várias espécies que o irmão.

O que é que se ganha em ter um animal de estimação? Nada! Só se ganha alguma coisa se tivermos um “amigo de estimação”, um membro honorário da família.

Com os cuidados de saúde e maneio correctos (vacinas e desparasitação em dia, alimentação adequada, higiene correcta e consultas médico-veterinárias regulares), não só não há nenhum risco acrescido à saúde das crianças, como teremos companhia para 15-18 anos (o que implica que terei dois adolescentes diante de mim quando chegar a altura de explicar a perda de um “amigo”).

Até lá, eles ajudam a dar de comer, a escovar o gato e a dar-lhe a pasta para evitar os “ataques de bolas de pêlo”, sabem identificar os miados de “Chegou o dono”, “Quero comer” ou “Olha ali uma mosca”, reconhecem as poses de brincadeira e “de ataque” (brincadeira unilateral da parte felina terminada com um berro da parte materna…) e muito mais! Basta dizer que o P. escolheu o gato como o animal para o identificar nos cabides da escola e, quando fez a sua apresentação sobre ele, foi excelente!

Claro que, para nós pais, as tarefas são muitas até que as crianças tenham idade para ajudar mais (e, mesmo assim, certas tarefas nunca serão delegadas, como o limpar da areia), mas nada que uma sessão de festas ao som de um bom ronronanço não compense.

*Mãe de dois reguilaços, Médica Veterinária e defensora acérrima da teoria "Crescer não implica parar de sorrir e de sonhar; só temos que o fazer mais alto!

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Aleitamento Materno: Comunicado da Sociedade Portuguesa de Pediatria

Foi há dias publicada uma notícia no Jornal Público com o título “Cientistas contrariam recomendações de leite materno”. Tal notícia, pelo modo como foi apresentada, poderá suscitar interpretações erradas relativamente à prática do aleitamento materno. A divulgação da notícia pelo grande público merece por parte da Direcção da SPP algumas apreciações. Umas de ordem geral relativas ao aleitamento materno e outras específicas relativas ao conteúdo do artigo em questão. 

A recomendação da OMS aponta como desejável um aleitamento materno exclusivo ao longo do primeiro semestre de vida de modo a proporcionar um óptimo crescimento, desenvolvimento e estado de saúde. Essa recomendação é suportada numa revisão sistemática, publicada em 2004 e tendo em conta dados referentes ao crescimento estaturo-ponderal e do perímetro cefálico, morbilidade respiratória e gastrintestinal, eczema atópico, asma e desenvolvimento neuromotor entre outros parâmetros avaliados. Nova revisão sistemática mais recente permitiu a publicação das mesmas conclusões em 2009.

A OMS não refere que tais efeitos benéficos apenas ocorrem com a prática de aleitamento materno (AM) materno exclusivo durante os primeiros 6 meses de vida. O que a OMS refere é que o leite materno (LM) fornece potencialmente todos os nutrientes capazes de suprirem de modo adequado as necessidades do primeiro semestre de vida e que diminui a curto e longo prazo a prevalência de variada patologia.  

O reconhecimento deste efeito benéfico do AM exclusivo sobre o crescimento, desenvolvimento e saúde levou a OMS a publicar recentemente novas curvas de crescimento para a infância que foram construídas com base em avaliações de populações infantis de todos os continentes, tendo como critério de inclusão no estudo, entre outros, a prática do AM exclusivo nos primeiros 4 a 6 meses de vida, dado o reconhecimento consensual de que o melhor alimento é o LM (o melhor alimento de cada espécie é nos primeiro tempos de vida o leite da própria espécie). A OMS não impôs como critério de inclusão no estudo a duração de AM exclusivo durante 6 meses. Tal meta, embora desejável, não é possível ser atingida pela maioria das populações. A mãe aumenta a sua produção de leite ao longo dos primeiros meses de vida como resposta às necessidades crescentes do lactente que evidencia nesse período a maior taxa de crescimento ocorrida em todo o ciclo de vida pediátrico. Se a mama não corresponder a essas necessidades crescentes com um aumento da produção de leite a partir de um qualquer período do 1º semestre de vida (o que pode acontecer por vários factores), então o lactente não receberá um suprimento energético (e em nutrientes) adequado e haverá, nessas situações, necessidade de complementar o LM com outro alimento (fórmula láctea ou outros alimentos, na dependência da idade do lactente). E é consensualmente aceite pelas principais Sociedades cientificas pediátricas, nomeadamente pelos Comités de Nutrição da Academia Americana de Pediatria e da Sociedade Europeia de Gastrenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (ESPGHAN) que o LM deverá ser exclusivo nos primeiros 4 – 6 meses de vida, devendo ser complementado com outros alimentos (para além do leite) se necessário, mas nunca antes das 17 semanas de vida. Se a idade for inferior, o complemento deverá ser feito com um leite industrial especialmente adequado para aquela idade.

Todos estes procedimentos de conduta relativa à alimentação do lactente dependem de situações especificas, mas tendo sempre por base que o alimento mais desejável é leite materno que deve ser usado de modo exclusivo e se possível até aos seis meses. Só a partir desta idade é que não é possível suprir adequadamente as necessidades do lactente em macro e micronutrientes e é por isso que o início da diversificação alimentar não deve ocorrer depois das 26 semanas de vida como recomenda o Comité de Nutrição da ESPGHAN.
Um dos grandes efeitos benéficos que se associa ao LM tem que ver com o seu baixo teor proteico que não é possível manter quando se recorre a outros alimentos alternativos. É actualmente muito forte a evidência científica de que um dos factores que tem contribuído para o aumento da prevalência do sobrepeso e obesidade logo desde a 1ª infância se relaciona com o regime alimentar hiperproteico que invariavelmente ocorre logo desde os primeiros meses de vida quando o lactente não é alimentado com LM de modo exclusivo.
Valerá também a pena sublinhar que parte do efeito benéfico para a saúde atribuído ao LM se perde quando se associa outro alimento (como suplemento ao LM), já que dessa atitude resulta uma clara interferência na biodisponibilidade de nutrientes e de outros componentes, com importantes acções biológicas, presentes no leite materno.
Ainda relativamente aos benefícios para a saúde associados ao AM, são desde há muito conhecidos os efeitos benéficos a curto prazo. Mais recentemente, revisões sistemáticas e meta-análises têm mostrado também efeitos benéficos a longo prazo (idade adulta). Por exemplo, é muito forte a evidência de que o aleitamento materno diminui o risco de sobrepeso e obesidade, (actualmente um dos principais problemas de saúde pública) quer ao longo da idade pediátrica, quer mesmo na idade adulta. E é interessante verificar que esse efeito é dose-dependente, isto é, o risco de obesidade será menor quanto maior tiver sido a duração do aleitamento materno ao longo da 1ª infância. Outras revisões têm mostrado também um efeito protector a longo prazo relativamente a outras patologias, como é o caso de alguma patologia metabólica e cardiovascular.

Em resumo poderemos citar a Agency for Healthcare Research and Quality dos Estados Unidos, que tendo por base 29 revisões sistemáticas ou meta-análises reportadas a cerca de 400 estudos verificou que o aleitamento materno se associa a uma redução do risco de otite, gastrenterite não-específica, infecções severas do tracto respiratório inferior, dermatite atópica, asma, obesidade, diabetes de tipo 1 e 2, leucemia na criança e síndrome de morte súbita do lactente entre outras situações.

Relativamente ao artigo em questão, valerá a pena referir que os autores são reputados investigadores, com inúmeras publicações na área da nutrição infantil. Refira-se aliás que a sua produção científica tem mostrado inclusivamente efeitos benéficos a longo prazo para a saúde resultantes da prática do AM.
Como a primeira autora do artigo aponta, não é feita pelos autores nenhuma recomendação quanto à idade de início da diversificação alimentar, mas apenas referido que a introdução de novos alimentos pode ser feita entre os 4 e os 6 meses, mantendo o AM. Os argumentos do artigo do BMJ vão no sentido de uma introdução sistemática de novos alimentos a partir dos 4 meses, tendo em conta um maior risco de anemia e uma maior incidência de alergia alimentar e de doença celíaca associado ao aleitamento materno exclusivo nos primeiros 6 meses de vida. Sem pôr em causa os resultados de alguns estudos apontados pelos autores, a verdade é que a evidência científica actual está longe de ser suficientemente robusta para que se possa recomendar a diversificação alimentar sistemática a partir dos 4 meses de vida em todos os lactentes até então alimentados com LM exclusivo. Sublinhe-se ainda o facto de que quanto mais precoce é a introdução de novos alimentos mais rapidamente diminui a duração do AM.
Não deixa de ser curioso que a autora sugira que a recomendação de AM exclusivo por 6 meses seja defensável nos países pobres tendo em conta as elevadas taxas de morbilidade e mortalidade por infecções. Sabemos que nos países mais desfavorecidos, onde a taxa de desnutrição global nas populações é elevada, as mães não conseguem corresponder às necessidades crescentes do lactente com um aumento suficiente da produção de leite e por isso o recurso a outros alimentos ocorre em geral antes dos seis meses. 

Em conclusão, julgamos que o título na notícia no Público é manifestamente infeliz, já que deixa transparecer uma posição global, dos autores do artigo, contrária ao AM, quando o que está em causa são apenas alguns aspectos específicos ligados à duração de AM exclusivo.
Assim, os lactentes devem continuar a ser alimentados de modo exclusivo com leite materno, se possível até aos 6 meses de vida. Se tal não for possível então devem receber um complemento alimentar (adequado à idade), mantendo o LM pelo menos ao longo do segundo semestre de vida, como refere a OMS.

A Direcção da Sociedade Portuguesa de Pediatria
17 de Janeiro de 2011

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

O Amor em tempos de crise

Por João Paulo Batalha*

foto: Edouard Boubat


Desta vez quero falar de economia. Eu sei que é um tema sumamente aborrecido, com pouco lugar num blogue sobre o que é sermos crianças e sermos pais e educadores. Mas quero falar disso porque já me aconteceu várias vezes ouvir os meus pais pedirem-me desculpa pelos falhanços, dizem eles, da sua geração.

Os meus pais eram pouco mais do que adolescentes quando eu e os meus irmãos nascemos. Pensando bem, eram pais ao mesmo tempo que estavam a aprender a ser adultos e, vendo as coisas assim, é um pequeno milagre que se tenham safado tão bem como safaram (e não estou a dizer com isto que criaram filhos espectaculares; estou só a admitir que as minhas falhas, que as tenho e várias, são culpa inteiramente minha; não tenho traumas nem álibis que comodamente desviem as culpas).

Tenho a agradecer-lhes isso. Mas os meus pais olham o estado geral das coisas e acham que devem um pedido de desculpas à minha geração. Eles, que tinham vinte ou vinte e poucos anos quando em Portugal se fez uma revolução que nos livrou de uma ditadura e de três guerras simultâneas, olham para o que fizeram e pedem desculpa.

Os meus pais distribuíam propaganda contra o regime no liceu, antes do 25 de Abril. Escreviam slogans contra a guerra nas paredes, pela calada da noite. Mas não foram eles que fizeram o 25 de Abril, dizem-me. E têm razão. Os chefes militares eram da geração anterior, como os chefes políticos. Os miúdos, como os meus pais, faziam barulho, protestavam (os que protestavam), foram participantes, não protagonistas.

Hoje olham, olhamos todos, para o estado do país e sentimos o desânimo. Habitamos a cidade da poeira cinzenta e fininha da resignação triste de que falava a Constança. Os pais pedem desculpa aos filhos porque temem estar a legar-lhes uma vida pior do que a que eles tiveram. Devia ser ao contrário, sentem os pais. Os filhos merecem melhor do que os pais, porque é isso que é justo. É assim que devia ser.

Eu não sei o que responda. Eu sinto-me mal representado na elite portuguesa, nos políticos, nos empresários, nos líderes em geral. Eu sei que a crise é séria, é grave e que nos vai fazer doer. Sei que vivemos durante anos numa tolice irresponsável em que nos ensinaram que tudo era fácil e imediato, e que a modernidade estava em exibir o grande carro, em vez de o grande carácter. E sim, este clima foi criado pela geração anterior à minha.

Devem-me um pedido de desculpas? E será que os jovens pais de hoje, que lutam para pagar infantários (ou apenas os livros escolares, ou apenas uma refeição quente por dia) devem um pedido de desculpas aos filhos? Nada nos resta então, senão a penitência e melancolia triste do fracasso?

Eu lembro-me de uma dedicatória num livro de poesia. A Sophia de Mello Breyner dedicava poemas ao marido, Francisco Sousa Tavares, “que me ensinou a alegria do combate desigual”. A poesia, tecnicamente, só começava na página seguinte, mas aqui já estava tudo. O combate desigual, naquele tempo, era contra a ditadura. A ditadura contra a qual os meus pais colavam cartazes – acção inconsequente, talvez, mas parte desse combate desigual, e da alegria desse combate desigual.

Hoje, sim, acabaram-se as certezas. O mundo é incerto e dá luta. Temos de inventar o nosso lugar dentro dele, já não há prateleiras onde nos podemos arrumar em bom e surdo sossego. O mundo é incerto e dá luta. Temos de desbravar o caminho nele; e temos de aprender o gozo disso, o prazer do inseguro, tentar, falhar e recomeçar. Reinventar tudo porque podemos. Construir-nos, descobrir-nos – e mudarmos de rumo porque sim, porque nos puxa a curiosidade de saber o que está para lá da outra colina.

Roubaram-nos as certezas? As seguranças? As deduções fiscais? Roubaram, sim senhor, ou deixaram-nas morrer de velhas e de podres. Mas se em troca nos ensinarem esta liberdade livre, esta liberdade clara e real e sem conforto, esta liberdade sem fundo e sem limites, então, digo eu, durmam descansados. Estamos quites.
  
*Formado em História, João Paulo Batalha é jornalista e fundador da Storymakers, uma empresa dedicada à produção de exposições, eventos e produtos culturais para crianças

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Mãe de sobrinhos

Por Cláudia Pinto*

Ouve-se por aí que “não há amor como o de mãe” e esta é uma frase que me deixa a pensar em diversos momentos. 

Como costumo dizer aos amigos, conhecidos e pessoas com quem me cruzo, “sou mãe de sobrinhos”. E sinto mesmo o que digo. Apesar de já ter 31 anos e de ainda não ter passado pelo prazer da maternidade, tenho uma relação de grande proximidade com os meus dois sobrinhos, Gonçalo, de 34 meses e David, de 32. Os meus dois irmãos mais velhos foram pais com apenas dois meses de diferença para contentamento de toda a família. Apesar de ter sonhado com os brincos, as saias, os vestidos cor-de-rosa, rapidamente aprendi que jogar futebol é muito giro e brincar com carros pode ser uma autêntica aventura! Em 2011, aguarda-me mais um nascimento e imagine-se. É rapaz! Dois irmãos e três sobrinhos… A menina ficou mais uma vez em lista de espera.

O amor que sinto pelos meus sobrinhos é enorme. Costumo dizer que faço tudo por eles a menos que a minha agenda pessoal / profissional não permita. Mudo fraldas, levo-os a passear, vou buscá-los ao infantário, dou-lhes “papinha”e tento ser uma presença assídua. Já me disseram que o comportamento mudará no dia em que for mãe mas enquanto me deixarem, serei uma tia muito babada e presente. Na minha opinião, os tios podem desempenhar tarefas muito úteis aos pais e desenvolver um relacionamento próximo com os petizes, conciliando a sua própria vida com as exigências das crianças que crescem demasiado depressa e nos ensinam tanto!

O amor que sinto por eles é tão grande que me questiono onde caberá o tal amor superior e único que só se sente por um filho quando tiver o privilégio de ser mãe? Bom, saberei dosear os sentimentos e “dividi-los” adequadamente.

Não consigo compreender os tios que não estão presentes em cada momento importante dos seus sobrinhos: a primeira ida à praia; a primeira vez que viu o mar; o primeiro dia na escola; a primeira ida ao Oceanário ou ao Jardim Zoológico. São estes pequenos momentos que não se repetem como as representações teatrais que o Gonçalo e o David, no alto dos seus – quase - três anos proporcionaram recentemente. Delicioso. Brilhante. Emotivo.

Por mais problemas que tenhamos e mesmo que a vida nos apareça em tons de cinzento, eis que os sobrinhos nos enchem a alma e o arco-íris aparece! É como se de uma injecção de energia se tratasse. Mesmo quando não sou totalmente acarinhada (eu bem tento o tal beijo que demora a chegar quando não lhes apetece), saio de perto deles com energia extra para os afazeres profissionais. Sou uma apaixonada. De facto. Sem vergonhas. 

Um conselho a todos os tios ausentes? Há momentos, frases, gestos, expressões que não se repetem e que se perdem... Mais do que oferecer presentes no dia de aniversário e no Natal, é no crescimento e desenvolvimento dos seus sobrinhos que estão as pequenas grandes coisas. Regularmente. Aproveite os momentos. Não os desperdice. Não se repetirão!

*Cláudia Pinto é jornalista especializada na área da saúde, editora do Jornal do Centro de Saúde e colaboradora em várias publicações da área. Está actualmente a concluir o Mestrado em Comunicação em Saúde pela Faculdade de Medicina de Lisboa.