sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Pinceladas sobre a situação da criança em África

Por Brígida Rocha Brito*



África é um continente grande, imenso, marcado pela diversidade de paisagens, espécies, oportunidades e níveis de desenvolvimento. Cada caso é um caso e não é, de todo, correcto fazer generalizações que resultam numa mera simplificação de características por tipificação. A pobreza e a vulnerabilidade imperam, mas há, pelo menos, dois aspectos que tenho encontrado em todos os países africanos onde vivi ou que visitei: a beleza natural e a alegria das crianças.


Em África, a contemplação da natureza transmite, muitas vezes, a sensação de dureza em resultado da seca ou da indisponibilidade de água doce: percorrem-se quilómetros, que parecem infinitos, na companhia de paisagens que alternam entre a relativa densidade e a profunda aridez. De quando em vez, encontram-se comunidades que dão cor e vida aos espaços como se de um quadro animado se tratasse. E, uma vez ali, novas sensações nos enchem a alma: o tempo parece ter parado fazendo-nos viajar até outras formas de vida, mas sentimo-nos rejuvenescidos pela multidão de crianças chegando de todos os lados só para ver quem acabou de entrar na aldeia.

África é um continente de contrastes, o mais velho do Mundo, que identificamos com a origem da humanidade, e um dos mais jovens do ponto de vista demográfico, já que cerca de 40% da população tem idade inferior a 15 anos. Os dados sócio-demográficos levam-nos a pensar que é um continente de esperança porque as crianças representam o futuro, porque quando olhamos para elas vemos dois olhos enormes, imensos, repletos de curiosidade e um sorriso tão grande quanto as pequenas fisionomias permitem. Estas são crianças pobres que não têm quase nada, só comem uma refeição por dia, estudam e trabalham para ajudar as famílias na aquisição de alimento e de outros recursos, dentro das suas possibilidades e do que consideramos impensável para os nossos. São crianças vulneráveis que crescem demasiado depressa porque não brincam, estudam pouco porque não podem seguir mais à frente, são responsabilizadas pelas tarefas domésticas, pelo acompanhamento de outras crianças e pela continuidade da família. Casam antes de tempo sem se aperceberem do que é o amor, têm filhos a correr, uns atrás dos outros, porque, apesar de nos parecer que o tempo ali não passa, para eles o envelhecimento vem quase a seguir à infância.

E ao olhar nos olhos destas crianças, quase adultas, cheios de curiosidade e de ver os seus sorrisos abertos, genuínos e cheios de pureza, questiono-me: no meio de tudo, onde fica a esperança? A sensação com que fico é que estas crianças estão a viver da mesma forma que os pais, os avós e todos os que viveram antes deles. E que os filhos e os netos viverão da mesma forma...



*Brígida Rocha Brito é socióloga, Doutorada em Estudos Africanos, Investigadora (CEA/ISCTE-IUL) e docente da Universidade Autónoma de Lisboa (Licenciatura em Relações Internacionais)

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Sensibilização precoce à língua estrangeira

Por Mafalda Napierala*



Olá! Sou Educadora de Infância e dou aulas de Inglês há dois anos em Jardins de Infância. Não gosto de dizer “dou aulas”, prefiro antes dizer “sensibilizo para a existência de outra língua - inglês”.

Levo, às crianças dos Jardins, recursos materiais, muitos jogos e canções em inglês para nos divertirmos todos juntos a conhecer outra língua.

Na realidade, também não gosto da ideia de ir uma pessoa de fora do Jardim de Infância “dar inglês”, quando defendo que nesta idade são os educadores, os pais e os irmãos, os melhores, e certamente mais interessantes para a criança, meios de fazer “o mundo” chegar até ela.

Mas é o que estou a fazer no momento, tentando ser o mais próxima possível do dia-a-dia das crianças e das equipas dos Jardins, nas 2/ 3 horas por semana que passo em cada Jardim, e adoro o que faço! Falar-vos-ei um bocadinho dos porquês da importância de ter um contacto intencional com a língua inglesa (ou outra língua) em idade pré-escolar e nalgumas formas muitíssimo acessíveis de proporcionar o mesmo.

O contacto intencional na infância com a Língua Inglesa vai alargar na criança a compreensão do mundo. Vai permitir também “aproveitar” a idade em que somos naturalmente “esponjas” de tudo o que nos rodeia para aprender inglês e desenvolver competências comunicativas na criança.

Regularmente as crianças ouvem inglês, contactam com crianças que falam outras línguas, e têm naturalmente curiosidade. É importante contactarem desde cedo com a realidade de que existem outros países, outras culturas, outras caras e diferentes formas de viver. Outros sons, possíveis de serem reproduzidos.

Vivemos num mundo multicultural e não estamos sozinhos no nosso cantinho.

Quanto mais novas, mais receptivas estão as crianças a novas aprendizagens, nomeadamente de uma língua. Gostam de experimentar, arriscam sem medo. Quem é que nunca “cantou” em inglês “a fingir”?

Mais tarde, quando aprenderem inglês “formalmente”, já não existem tantos receios e medo de errar pois já foi construída confiança na produção de palavras, e a criança desenvolve a sua auto-estima. E assim será até mais fácil a aprendizagem de uma terceira língua.

O contacto com o inglês, os seus sons, entoações e ritmos, permite o desenvolvimento de competências comunicativas. Educa o ouvido, a percepção, a concentração e a capacidade articulatória.

O contacto com o inglês pode-se fazer diariamente através da repetição de frases, do contacto com recursos em inglês e de situações de jogo.

A repetição de frases como “Good morning”, “How are you?”, “Let’s play”, “Let’s go”, “Sleep well”, etc., é uma forma muito acessível e possível de se tornar rotineira, de permitir o contacto com o inglês. Associando um momento que já conhecem a uma palavra ou expressão dita em inglês, apercebem-se facilmente dos significados, e não é nunca preciso traduzir, apenas repetir regularmente e até ajudar gesticulando. Quando menos esperamos, já são eles que nos respondem em inglês!

A convivência com livros, CDs, desenhos animados e sites para a infância em inglês (todos monitorizados), é outra forma de contactar naturalmente com a língua. Principalmente se os recursos materiais tiverem personagens já conhecidas, como o Noddy, o Bob o Construtor, ou o Ruca.

Os jogos, lenga-lengas e canções são um óptimo aliciante para se entrar no mundo do inglês a brincar. Assim como a canção do “Happy Birthday” quando alguém faz anos, lenga-lengas (ver no fim do texto), o vestir enquanto dizemos as peças de roupa ou partes do corpo em inglês, contar as escadas a subir/ descer, a comida ou dizer as partes da casa à medida que vamos entrando.

O objectivo não é então ensinar vocábulos às crianças, mas permitir-lhes sentirem-se bem a experimentar falar inglês, divertirem-se e assim aprenderem naturalmente. A repetição é essencial. É importante não corrigir a expressão ou palavra proferida pela criança, mas ir repetindo correctamente até a própria criança se inteirar da forma como as palavras são pronunciadas.

“One, two
I love you.
Three, four
Let’s count some more.
Five, six
Get your sticks.
Seven, eight
Counting is great.

Nine, ten
Numbers are friends.
Let’s count them all again!”


Alguns sites úteis:
 http://www.noddy.com/uk
 http://www.bobthebuilder.com/uk/index.asp
 http://www.thomasandfriends.com/uk/


*Mafalda Napierala é educadora de infância e viveu dois anos nos Estados Unidos onde trabalhou como au pair. Actualmente é responsável pela implementação de um projecto itinerante de sensibilização precoce à língua inglesa em jardins de infância. Dá também formação nesta área.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

A Gripe A, a vacina e o regresso dos papões



Orgulhamo-nos da taxa de vacinação. Praticamente universal. Os grupos anti-vacinas nunca prosperaram em Portugal. As razões para este sucesso são discutidas: o Plano Nacional de Vacinas surgiu em 1965 com as características que hoje lhe conhecemos: gratuito, universal, fornecido por Centros de saúde sem necessidade de consulta. Embora não seja obrigatório, conquistou os portugueses. Enquanto a visita a um Centro onde se administrem vacinas é vista , em alguns dos países mais desenvolvidos do hemisfério norte, como uma oportunidade a não desperdiçar, em Portugal entrou-se, silenciosamente, numa onda eufórica que tem permitido aos Centros de Saúde marcar arrogantemente horários especiais para vacinação, fazendo perder dias de trabalho às famílias submissas, adiando por motivos fúteis ( inventando falsas contra-indicações), recusando vacinas simultâneas, criando intervalos entre vacinas não exigíveis por nenhuma racionalidade.
Alguns enfermeiros vêem , na administração da vacina, um momento de poder. E se muitos aprofundam o tema e aproveitam o momento para preciosa intervenção pedagógica de vigilância ou ensino de saúde, outros exercem esse poder da pior maneira.
Seja como for, o mito de que, na disciplina do PNV somos excepcionais, prosperou.
Até à gripe A. Até à vacina da gripe A.

Peço desculpa pela incomodidade do tema. A saturação dos leitores é imaginável. Se algum, porventura me seguiu até este momento, é seguro que aqui me abandonou. Não importa. Este blogue não existe para ter 5 000 amigos, nem nenhum dos bloguers é candidato a cargos da República.
Mas a gripe A, os planos de contingência e a vacinação decorreram com tal mediatização , e foi tal o enfado subsequente, que nos arriscamos a que não haja avaliação, nem discussão das experiências, por desistência dos responsáveis e enfado dos intervenientes possíveis.
No que respeita à vacinação os objectivos não foram atingidos: não se vacinaram os designados grupos de risco, os Centros de Saúde não perceberam o carácter de "campanha" da vacina, ignoraram as directivas da DGS, criaram obstáculos, mantiveram uma atitude que os utentes interpretaram correctamente como de distanciamento, quando não de discordância .
As principais características das campanhas anti-vacinas estiveram presentes e mostraram como, afinal, somos iguais aos piores. Ignorância disfarçada – toda a gente falava de "adjuvante"; alarmismo injustificado - ressuscitaram- se quase todos os ancestrais inimigos das vacinas entre as quais pontificam o Síndrome de Guillain Barré e o Autismo ; o comportamento de médicos e enfermeiros foi deplorável, contrariando surdamente o esforço das autoridades. Os médicos, incluindo o seu Bastonário , evidenciaram a proverbial impreparação para as questões ligadas à vacinação.
A confusão continua e a postura de avestruz não facilita o esclarecimento das posições. Alguns médicos atribuem à vacina, mesmo quando a relação temporal é longínqua, toda a casta de sintomas. Em vez de reportarem esses efeitos e de os apresentarem às reuniões de pares ou de os submeterem a publicação em revistas de mérito reconhecido, comentam com os doentes.
A indústria farmacêutica devia igualmente perceber que a sua imagem na opinião pública está ferida. Cidadãos que nunca leram o Fiel Jardineiro nem ouviram falar da Freira de Montjuich nem da falsa ex-Ministra da Saúde da Carélia, desenvolvem as teorias conspirativas sobre a gripe, a declaração de pandemia e a compra de vacinas pelo Estado. E a OMS, remeteu-se a uma estratégia defensiva que, pelo menos nos seus aspectos mediáticos, se tem revelado decepcionante.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O rato vai nu

*Por Filipe Froes e António Diniz


Os últimos dias têm sido férteis em notícias sobre a pretensa farsa da pandemia de gripe A, agora reduzida a uma bem urdida campanha de manipulação e influência da indústria farmacêutica junto da Organização Mundial de Saúde (OMS) que, por sua vez, condicionou os governos das nações a comprarem medicamentos antivíricos e vacinas de utilidade e segurança duvidosas para uma doença banal, que se poderia tratar com um simples antipirético.

Passados mais de 7 meses da declaração de pandemia, a 11 de Junho de 2009, convém esclarecer que estas críticas são falsas, não fundamentadas e irresponsáveis.

Criticar, à luz dos conhecimentos actuais, as decisões tomadas há muitos meses atrás é o mais fácil, mas o menos útil e efectuar “prognósticos no fim do jogo” não é equivalente a competência científica. O que não significa que, construtivamente, se não deva avaliar o que foi feito em toda a sua extensão. Quando a OMS declarou a pandemia, ouviu os representantes da maioria dos países e a decisão foi unânime. Não se ouviram, nessa altura, as vozes agora discordantes. Estávamos perante uma nova estirpe de vírus influenza, desconhecida para o sistema imunológico dos humanos. Esta estirpe estava disseminada por todos os continentes e era capaz de provocar doença, havendo registo de dezenas de casos mortais por pneumonia grave no México e nos EUA, atingindo crianças e adultos jovens. Só por ignorância, imprudência ou neglicência se não declararia a pandemia. Esteve bem a OMS!

De imediato, foram activadas várias medidas, tais como a disponibilização dos fármacos das reservas estratégicas e a aceleração dos mecanismos que conduziriam à manufactura de uma vacina. Os países melhor preparados, entre os quais Portugal, com reservas previamente constituídas de fármacos estratégicos, incluindo os antivíricos, beneficiaram deste esforço de previdência e responsabilidade. Questionou-se, então, a eficácia e a segurança das vacinas por o seu desenvolvimento ter demorado poucos meses.

Mais uma vez, os conhecimentos actuais vieram corroborar a eficácia e a segurança da vacina. Esteve bem a OMS!

Porém, a polémica instalada acabou por contribuir para uma baixa taxa de vacinação, em especial num grupo de elevado risco como as grávidas.

E, finalmente, passou-se a criticar os resultados. Agora, a pandemia é uma farsa porque morreram menos pessoas do que o previsto. A montanha, que a OMS ajudou a “construir”, pariu um rato. Mas muitos, incluindo alguns profissionais de saúde, continuam a não querer ver e a confundir opinião pessoal com evidência científica. Porque o rato que a montanha pariu é muito real e reflecte o sofrimento de milhões de pessoas e o desespero de dezenas de milhares de famílias enlutadas. O trabalho de parto ainda não terminou e se a montanha não pariu um tigre devemo-lo aos recursos agora existentes e, em grande parte, ao esforço de informação e preparação. Pela organização e coordenação deste esforço a nível mundial, devemos um agradecimento à OMS.

(Artigo de opinião publicado na edição de 1 de Fevereiro de 2010 do Jornal PÚBLICO e enviado também para O Bebé Filósofo)

*Filipe Froes e António Diniz são Pneumologistas e Consultores da Direcção-Geral da Saúde

Fala o pai; fala a filha: o uso do telemóvel

*Por António Tavares e Joana Barata Tavares

Um estudo em Portugal sobre o uso do telemóvel concluiu que este equipamento é utilizado cada vez mais precocemente. A criança mais nova que recebeu um telemóvel tinha 2 anos!

fala o pai

Quando a minha filha tinha 2 anos não havia telemóveis, mas se lhe desse uma prenda com um lá dentro, ela ficaria feliz a brincar com o papel, desinteressada do aparelho. Se começasse a mexer nele eu até ficaria receoso que o estragasse.

Agora, quando sou eu a mexer no computador dela, ouço “Ó pai, sai daí! Estragas-me isso”. Sempre duvidei se a questão era eu não ter jeito para aquilo ou se era a preocupação de que eu visse o e-mail do namorado, “um rapaz vil e viperino" que existe na minha imaginação desde que ela completou 13 anos!”


Decidi fazer um curso sobre Internet. Mas ela insiste em relembrar-me, do alto dos seus 24 anos, “Não mexas no meu portátil, não percebes nada disso!”

Ela tem um PDA, que serviu para, um Natal, eu gastar 250 € e fazer-lhe uma surpresa. Ela disse-me “Ó pai, podes dar-me este presente! Pagou a mãe.” Era como dizer: “pagaste tu, sem teres autorizado que os 250 € voassem da tua conta.”

O PDA vinha num embrulho com papel colorido e laço vistoso. Ela adorou a “minha ideia em lhe ter comprado aquele presente, como é que eu sabia que era aquilo que ela desejava!”
Eu estava feliz por “lhe” ter comprado o que ela queria! “Sempre fui muito perspicaz a avaliar as suas pretensões!...”


Enquanto ela dissertava sobre a próxima prenda que eu “lhe” iria dar, o iPod, eu acabei a guardar o embrulho, tão giro que até serviria para uma próxima prenda.

Provavelmente foi isto que fez a criança de 2 anos ao receber o telemóvel. Brincou com o embrulho e não ligou ao aparelho.


Fala a filha


O meu pai ainda não percebeu que o iPod foi comprado antes do PDA.

De facto, o que “ele me comprou” primeiro foi um telemóvel, quando fiz 13 anos e comecei a andar com o tal namorado “vil e viperino”, cuja existência ele imagina e só agora, do alto dos meus 24 anos, assumo ter existido.

Acrescento que o tal curso sobre Internet nunca chegou a ser concluído…


Falam ambos

Actualmente não está estabelecida uma relação de causalidade entre os campos electromagnéticos dos telemóveis e algumas doenças. Mas, devido aos possíveis efeitos cumulativos de um elevado tempo de exposição, podemos assumir que ter um telemóvel aos 2 anos é muito cedo.

Há queixas sobre eventuais efeitos dos campos electromagnéticos na saúde. Mas quem nunca poderá reclamar sobre isso é quem ofereceu o telemóvel a uma criança de 2 anos.


António Tavares – Médico Especialista e Doutorado em Saúde Pública. Director do Departamento de Saúde Pública e Delegado de Saúde Regional da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo. Professor Convidado de Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa.


Joana Barata Tavares – Médica Interna do Ano Comum no Centro Hospitalar Lisboa Ocidental.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

A caixa.. ou a importância do Porque Não?

Corbis/Sandra Seckinger


Falava há alguns dias a Bárbara, prezada contribuidora deste blog, sobre a importância do não. Dizia que nem sempre o não tem que vir acompanhado de uma explicação, que às vezes é não e pronto, acabou.

Eu cresci a perceber que havia "nãos" que até eram negociáveis, enquanto outros eram "nãos" a sério, incontornáveis e finais. "Nãos" que quando eu perguntava "porquê" tinham como complemento "porque eu sou a mãe/pai e digo que não". E eu aceitava. Parecia-me lógico. Parece-me lógico ainda e, embora não tenham sido muitas as vezes, já usei este argumento do "eu sou a mãe e digo que não" numa ou outra situação.

Há uma tendência actual para se falar disto. Reflexo de inversão, suponho eu, face ao surgimento dos tais "pequenos tiranos" com honras mediáticas. Os tais que, dizem, estão a crescer com ausência total de regras. Fala-se muito da importância da autoridade, das regras firmes, das balizas que as crianças devem ter, de forma a não crescerem desaustinados e verdadeiras pestes endemoínhadas que nunca serão felizes na vida, simplesmente porque assumem que tudo lhes é devido.


Certo.


Mas eu deparo-me com uma curiosa dicotomia. Na minha profissão, que atravessa o marketing, comunicação e afins, usa-se muito, cada vez mais de há uns anos para cá, o conceito de "thinking outside the box". Esta expressão, que nem sequer é recente, nem inicialmente aplicada a estas áreas, sintetiza algo que é cada vez mais valorizado: o pensamento criativo na procura de soluções alternativas. Imaginemos uma reunião de briefing criativo, um brainstorming para uma campanha, numa agência de comunicação. Ao fim de duas horas de banalidades, alguém sugere algo inesperado como soltar 70 lémures selvagens no metro em plena hora de ponta, vestidos com t-shirts estampadas com o logotipo do cliente. E pronto. É considerado um génio.

A verdade é que nós, adultos, estamos a valorizar cada vez mais esse bem raro que se tornou a criatividade. Estamos a perceber a sua importância, a sua necessidade imprescindível face a uma vida, que por mais que não aceitemos ou antecipemos, é em si mesma…imprevisível. Já percebemos, por fim, que quando A não leva a B, teremos que inventar um C para lá chegar.

Mas… ao mesmo tempo, esquecemos que os verdadeiros “thinkers outside the box” estão mesmo aqui ao lado. Sim, estão ao nosso lado. Mas temos que olhar para baixo para os ver...As crianças são reservatórios natos de criatividade. De uma imaginação que não conhece limites. A não ser aqueles que nos encarregamos afincadamente de lhes impor.


Mãe, posso ir de pónei para a escola?

Mãe, podemos jantar no chão da sala?

Mãe, porque é que não faltas ao trabalho e ficamos em casa a brincar?

Mãe, o jantar hoje pode ser cocó?


Todas as perguntas são verídicas, a todas elas a resposta foi “não”. Mas dou por mim a pensar: “Porque não?”. (excepto a última, e por motivos óbvios…).Porque é que nos sai tão mais rapidamente o "não"…? Não, quase sempre "não", a tudo o que sai do normal, da rotina, do convencionado. Dizemos muitas vezes “Não” para bem deles, claro, da sua saúde, da sua estabilidade. Para bem até da articulação entre afazeres e responsabilidades, para bem da nossa própria subsistência. É verdade: temos que trabalhar, viver, conviver com a sociedade, as suas regras. As regras são importantes.

Mas também nos sufocam, coarctam… A rotina inexorável mata a criatividade. E o “porque não?” pode ser um grito de liberdade em dias cinzentos.


Assumo como compromisso férreo responder mais vezes “Porque não?” a todas as propostas inocentes e deliciosamente disparatadas que ela me fizer. E aceitar onde quer que isso nos leve. Um dia, gosto de acreditar, o “porque não” pode levá-la longe, mundo fora à descoberta, sem medo de deixar raízes ou de arriscar. Pode fazê-la largar tudo por amor ou viver aventuras imprevistas.


Ou pode, simplesmente, levá-la a soltar lémures selvagens em hora de ponta no metro.


Qualquer uma das opções será com certeza… bastante divertida.

A prevenção da gravidez na adolescência

Por Filomena Sousa*

Muito se fala da prevenção da gravidez na adolescência e muito se tem feito, mas por vezes parece que os esforços vão todos no sentido de uma maior divulgação e acessibilidade aos métodos contraceptivos.


Na minha opinião, estas iniciativas são úteis mas são a última etapa na prevenção da gravidez na adolescência, porque antes de iniciarem a vida sexual precocemente, muitas adolescentes já tiveram falta de afecto em famílias desmembradas, ocupação pouco saudável dos tempos livres, insucesso escolar e baixa auto-estima.

Uma adolescente que se sente acarinhada no seio de uma família, tradicional ou não,

uma adolescente a quem são incutidos hábitos de vida saudáveis, incluindo a prática de actividades extra-curriculares como o desporto ou a música,

uma adolescente de quem é esperado sucesso escolar e estimulada a construção de um projecto de vida,

dificilmente sente necessidade de se envolver em comportamentos de risco ou de iniciar a vida sexual.

Claro que, ao entrar na adolescência, a sexualidade desponta e leva a procurar contactos íntimos e novas sensações, que os adolescentes podem e até devem experimentar, mas sempre com responsabilidade e noção dos limites que querem, ou não, ultrapassar.

Tenho vigiado muitas grávidas adolescentes e não encontro mais riscos para a saúde física da mãe e/ou do feto, desde que a gravidez seja assumida, vigiada e apoiada pela família. Parece que a natureza nos preparou para ter filhos novas, mas a sociedade nos exige que os tenhamos mais “velhas”.

Partindo do princípio que vivemos numa sociedade que pede cada vez maior diferenciação profissional para se poder ter alguma estabilidade económica, de modo a criar os filhos sem ter que pedir ajuda, não há dúvida que na adolescência não estão reunidas todas as condições para ter um filho. Então há que prevenir, mas não basta investir na educação sexual nas escolas e na distribuição gratuita dos métodos contraceptivos. A prevenção da gravidez na adolescência tem que começar muito antes… ainda na infância.

*Filomena Sousa é médica, especialista em ginecologia/obstetrícia, trabalha em exclusividade no Hospital D.Estefânia onde se dedica à área da ginecologia da adolescência e do planeamento familiar.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Compreender o desenvolvimento

Por Mónica Pinto *

O desenvolvimento infantil, as suas etapas, as idades em que determinadas aprendizagens se realizam e como ajudar a criança a optimizar o seu potencial são preocupações crescentes dos pais. No entanto há muitas questões que ficam por esclarecer e alguma informação pode estar errada. É importante compreender porque acontecem estas etapas…


Para perceber o desenvolvimento temos de nos situar em termos evolutivos e ter em conta as particularidades na nossa espécie que é diferente dos restantes primatas.

Os primatas têm uma selecção K reprodutora, ou seja produzem uma cria, geralmente única, fruto de uma gestação prolongada, muito bem adaptada e que nasce com capacidade de sobrevivência. Outros mamíferos menos evoluídos como por exemplo os coelhos ou os ratos, têm gestações curtas, com ninhadas de crias, mal adaptadas em que umas sobrevivem e outras são eliminadas por selecção natural

A espécie humana, devido à evolução do sistema nervoso central e aumento de dimensões do cérebro, teve de encontrar estratégias para garantir a sua sobrevivência já que seria impossível a criança completar a maturação dentro da barriga da mãe.

A solução foi antecipar o trabalho de parto, gerando uma cria ainda incompleta, dependente e mal adaptada, continuando a sua maturidade fora do ventre materno. Assim, a gravidez humana tem 9 meses dentro da barriga e completa os restantes 12 meses “extra-uterino”. Este período em que a criança ainda não deveria ter nascido é um período de enorme vulnerabilidade e dependência. Enquanto o veado ao nascer sabe comer, deslocar-se e comunicar, o nosso bebé é muito mais frágil e imaturo e só completa o mesmo nível de autonomia a partir dos 12 meses, quando o bebé começa a andar, a falar e a ser capaz de se auto-alimentar.

Isto tem implicações físicas mas também emocionais e percebe-se assim que seja fundamental a proximidade da mãe (e daqui se percebe que nos países desenvolvidos a licença de maternidade não seja inferior aos 12 meses…) e que a pressão das sociedades ocidentais de estimular precocemente a separação das crias e das mães e a “independência” do bebé (como ter o seu quarto, querer que se entretenha sozinho, iniciar creche,…) pode ser contraproducente e levar a maior insegurança e dificuldades emocionais e mesmo físicas (cólicas, problemas de sono, birras, ansiedade,…).

Se o bebé não pode estar esses 12 meses na barriga da mãe deverá pelo menos estar o mais próximo dela possível! A proximidade física e emocional da mãe ajuda a promover melhores cuidados alimentares, confere protecção física, regulação térmica, regulação emocional, e a interacção continuada promove um desenvolvimento completo e harmonioso.

* Mónica Pinto é pediatra do Desenvolvimento, presentemente no Centro de Desenvolvimento do Hospital D Estefânia, na Clínica Gerações e Centro Diferenças. Tem 40 anos e é mãe de dois filhos, com 7 e 5 anos.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Lactente persistente


John Currin, Nice

Em cem anos a nossa espécie mudou. No hemisfério norte a agricultura, como existira nos séculos anteriores, acabou. As populações acumularam-se nas cidades. As doenças infecciosas foram parcialmente controladas. A mortalidade infantil baixou e aumentou a longevidade. A nova demografia dos países desenvolvidas é agora constituída por famílias onde há apenas uma criança- abaixo da taxa de substituição. A morte desapareceu do quotidiano, atirada para os hospitais. Deixou de ser natural. Há sempre um culpado - geralmente um médico incompetente ou o Serviço de Saúde. Gastam-se milhões com medicamentos inúteis. Num mundo irreconhecível, governado por funcionários cinzentos e ambiciosos filhos da classe média alcandorados a chefes de quadrilha, desapareceram os sinais das nossas baixas origens. É incrível como as crianças ainda mamam. Depois de um parto cirúrgico, em ambiente hospitalar, os bebés humanos mamam. É verdade que o fazem em mamas envergonhadas, mais ocultas que nas esplanadas. Mas mamam, os infelizes, no seu breve estádio pré-cultural, quase iguais aos seus antepassados pleistocénicos. Mamam em mamas provisórias, todas a caminho da futura copa D comum. Mamam inocentes, na obscuridade de um quarto. Se o fizessem em público as mães seriam multadas. Em público só leite em pó, só biberão, mamadeira. Biberão de tetina anatómica - como os fabricantes imaginam que era o mamilo humano abocanhado.
A lactação é tolerada, enquanto o bebé é inocente. Depois torna-se indecente. Um miúdo que mete as mãos no decote materno é um cigano. O lactente persistente não é o errante navegante que o Caetano cantou. É um animal que arrasta a mãe para a lama da biologia. Um ser neolítico. Um reliquat das berças. Uma versão reduzida do Professor do José Rodrigues dos Santos, tratando a mãe como uma Sueca. E a lactante demorada só pode ser uma neo hippie tardia, de compridas saias patchwork, fraldas de pano e falta de desodorizante.
Por cada criança, um enxoval de roupa de marca, uma cama de grades à medida, uma cadeira de transporte modelo A, um carrinho de rodas, uma saca de nécessaires, uma espreguiçadeira, uma banheira, a gama completa da linha de beleza infantil, o cartão do cidadão, o cartão de saúde, o cartão das vacinas. Não se vê a criança? Que importa. O que interessa é a ideia de criança. O sentimento de paz e de tranquilidade que a ideia de criança transporta e que a parafernália, mesmo ocultando a criança real, só por si desencadeia. A criança real é a cólica, a tortura das mamas, a insónia, a prisão doméstica. Felizmente que é rara e que passamos bem sem ela.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Dez boas notícias... difíceis de encontrar

*Por Maria Moreira

“Ó mãe, mas acha mesmo que não sabemos fazer nada bem?” – desabafava o meu filho de 16 anos há uns dias, no meio de uma negociação sobre horas de chegar a casa depois de uma saída à noite, misturada com conselhos de segurança e alertas sobre consumos de álcool e drogas.

Fiquei a pensar no que ele disse. Quando trabalhamos mais com os números do que com as pessoas, como é o meu caso, tendemos a pintar um quadro negro da realidade. As minorias facilmente se transformam em maiorias e as estatísticas parecem ter uma tendência intrínseca para compensar qualquer notícia positiva com um alerta ainda mais negativo. Preocupamo-nos com os nossos filhos e preocupamo-nos pelos nossos filhos.

Até porque nos lembramos que quando tínhamos a idade deles acreditávamos mesmo que não havia nada de mal que nos pudesse acontecer…

E mesmo que tenhamos a melhor opinião possível acerca dos jovens, a verdade é que quando falamos com eles tantas vezes acentuamos o pior em vez do melhor.

Porque fiquei a pensar no que o meu filho me disse, tentei encontrar 10 notícias positivas e relativamente recentes sobre jovens em Portugal, através de uma pesquisa na Internet.


Pensei que seria fácil. Tenho tido o privilégio de acompanhar nos meus tempos livres, crianças e jovens entre os 6 e os 20 anos e conheço bem a sua dedicação, generosidade, energia e capacidade de mobilização.

Enganei-me. Como li num dos sites que visitei “Os jovens não são invisíveis na comunicação social, mas a maior parte das notícias sobre os mais novos são negativas”. E esta imagem dos jovens que assim nos chega frequentemente com certeza contribui para o pessimismo com que às vezes os olhamos mas também, o que é muito mais importante, para a imagem que eles próprios têm deles.


De qualquer forma, com mais esforço do que imaginara, encontrei as minhas 10 notícias. Não segui nenhum critério de pesquisa especial. São todas notícias de 2009 ou 2010, sobre jovens portugueses entre os 12 e os 20 e poucos anos e sobre temas tão diferentes como desporto, ciência, solidariedade e empreendedorismo.

Aqui ficam, com os respectivos links para onde estão publicadas, e como resposta ao meu filho e a todos os jovens que fazem tantas coisas tão bem:



1. Jovens ajudam países pobres

2. Alunos da Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa apoiam a Associação Nacional de Futebol de Rua

3. Jovens ajudam bombeiros de Mangualde

4. Quatro estudantes portugueses de Medicina ajudam sobreviventes

5. Jovem covilhanense no Campeonato do Mundo de esqui alpino

6. Alunos criam marca de roupa

7. Jovens portugueses entre os mais interessados em notícias de ciência

8. Jovem esquiadora caldense em grande plano

9. Olimpíadas Ibero-Americanas de Matemática - equipa conquista duas medalhas de prata, uma de bronze e uma menção honrosa

10. Jovem Realizador de Carnaxide conquista prémio de animação



*Maria Moreira é mãe, gestora de informação e sonhadora inveterada

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Expectativas e bengalas

Por Cristina Brito*

Há dias ouvi de um pediatra que as crianças se habituaram a ter bengalas para a vida e que vão crescendo demasiado apoiadas, sem se esforçarem por conseguir ultrapassar as dificuldades que vão surgindo. As próprias brincadeiras, que forçavam à descoberta, à imaginação e à criatividade, foram sendo gradualmente substituídas por jogos em que as crianças se limitam a carregar passivamente em botões de consolas de jogos ou em teclas de computadores. As crianças crescem como espectadores, esperando que alguém se substitua ao seu esforço e ao natural desenvolvimento e autonomia que deveriam adquirir para se tornarem adultos responsáveis e cidadãos participativos.


Não deixará de ser verdade que nós, pais, somos co-responsáveis por esta situação. As bengalas que vamos dando aos nossos filhos, ao longo do caminho que percorrem durante o crescimento, revelam-se uma forma de pressão para que consigam ir mais longe, explorando todas as capacidades que têm. Apoiamos aguardando, ainda que inconscientemente, que o nosso apoio se transforme em boas notas, quadros de honra, troféus desportivos, aceitação social e outras vitórias que vão conseguindo somar.

O amor que indiscutivelmente pomos nesse apoio, procurando que vinguem em tudo em que se envolvem, não pode ser dissociado das nossas expectativas de adultos, seres humanos demasiadas vezes limitados nos nossos próprios êxitos. As pequenas vitórias dos filhos acabam também por ser nossas, precisamente porque lhes fomos dando bengalas durante o percurso; somos parte do sucesso. E temos dificuldade em aceitar quando, mesmo com bengalas, os troféus não são os que esperámos. Porque aí, somos parte do insucesso…

Fica, em certos momentos de introspecção, a certeza de que as nossas melhores intenções são, ao mesmo tempo, uma forma de concretizar expectativas que temos, fazendo das crianças um prolongamento da nossa vontade. Exigimos o que não conseguimos, justificando a nossa atitude com o facto do mundo ser competitivo e dos filhos precisarem de ser ajudados e preparados para essa guerra que se avizinha.

Talvez seja tempo de reorientarmos as nossas expectativas de pais e os deixarmos livres para, acompanhados à distância, encontrarem o seu equilíbrio, ainda que por caminhos que não conduzam ao sucesso e à excelência.

Mas depois, poderemos nós viver com isso?

*Cristina Brito é socióloga de formação e mãe

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Falar sobre crianças

Por João Farela Neves*

Falar de crianças é falar sobre o mundo, os seus maiores encantos e angústias. Vivemos todos os dias para as recordarmos e fazermos felizes. As crianças não serão nunca pequenos adultos, são antes meninos e meninas com o seu lugar perfeitamente definido junto de nós.


Fernando Pessoa ilustrava com mestria a sua inocência e pragmatismo:

A CRIANÇA que pensa em fadas e acredita nas fadas.

Age como um deus doente, mas como um deus.

Porque embora afirme que existe o que não existe

Sabe como é que as cousas existem, que é existindo,

Sabe que existir existe e não se explica,

Sabe que não há razão nenhuma para nada existir,

Sabe que ser é estar em algum ponto

Só não sabe que o pensamento não é um ponto qualquer.

“A criança que pensa em fadas”
Fernando Pessoa, Alberto Caeiro

Todos nós criámos mentalmente o que é ser uma criança. Quais as suas capacidades, funções, desígnios e direitos. Gostaria de recordar a visão de sete reconhecidos directores de cinema que filmaram curtas metragens sobre crianças, criando uma obra fantástica. Em Cidades Invisíveis cada um deles ilustra possíveis infâncias da região do globo de onde são originários, recriando cenários dantescos e inimagináveis. Apesar da dificuldade que sinto nesta selecção, gostaria de vos remeter para as curtas metragens de Chafer, Spike Lee, Katia Lund e John Woo. O primeiro transporta-nos para um cenário de terror no meio da Guerra civil de um qualquer país Africano. Spike Lee faz um retrato soberbo e devastador de uma criança HIV-positiva que sofre a imensa crueldade dos seus pares. A perspectiva brasileira de Kátia Lund angustia-nos com permanente luta pela sobrevivência de duas crianças. John Woo encanta-nos com a história emocionante de duas crianças diametralmente oposta nas suas condições de vida mas unidas na sua fantasia.

A recordação deste filme desperta certamente em todos aqueles que vivem e trabalham com crianças um sentimento de dever inacabado. Temos, todos, um enorme caminho para andar. Nada melhor que percorrê-lo harmoniosamente em conjunto pela felicidade das crianças.

* João Farela Neves é pediatra na Consulta de Imunodeficiências Primárias do Hospital D. Estefânia

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

A importância do "não"

*Por Bárbara Wong

Eles estão na pré-adolescência, os seus rostos estão a mudar, as bochechas-gordas-que-apetece-comer desapareceram e na linha T começam a aparecer as primeiras borbulhas. Mas, de manhã, ainda não acordaram e as suas faces continuam a cheirar a bebé. Espreguiçam-se e esticam o corpo, tal e qual como quando eram recém-nascidos, e nós, os pais, ficávamos a olhar para eles, embevecidos.

Hoje, continuamos a olhar para eles embevecidos não porque se espreguicem, riem ou balbuciem, mas porque estão grandes, porque começam a ser autónomos e responsáveis.

Só que nem todos os dias são de embevecimento! Há dias de arrelias, de confronto porque estão a crescer, porque têm as suas opiniões e fazem questão de as defender. Mas é assim desde pequenos, os motivos de confronto é que vão mudando: primeiro, não querem comer a sopa e determinados fecham a boca; depois, não querem ir para a cama mais cedo...

Para todos estes momentos, a psicóloga espanhola María Jesús Álava Reyes, autora de vários manuais de auto-ajuda, publicados pela Esfera dos Livros, recomenda que os pais sejam coerentes. Nada de dizer primeiro que “não”, mas ao mínimo confronto fazermos a vontade à criança. As regras são fundamentais para que a criança tenha estabilidade e segurança.

"O não também ajuda a crescer", recém-publicado, é um livro muito prático que acompanha o crescimento da criança desde o momento que nasce até à idade adulta e é arrepiante quando se lê, lá mais para o fim, o que é que os filhos crescidos e com problemas dizem aos pais: Porque é que me deixaste fazer tudo o queria? Porque é que nunca me disseste que não?

No final de Janeiro, María Jesús Álava Reyes esteve em Lisboa e conversei com ela. Dizia-me que as crianças são muito diferentes e mudaram muito nos últimos 30 anos. Sabem mais, mais cedo; mas adquirem maturidade mais tarde. A culpa é dos pais, diz claramente. Somos nós que os superprotegemos, que lhes damos tudo, seja a comida favorita, seja o jogo que todos os outros têm.

No livro, María Jesús Álava Reyes explica: “Os pais têm de ser pais, não colegas, têm de assumir o seu papel e as suas funções, embora por vezes lhes custe; têm de ser capazes de orientar os seus filhos, favorecer o seu pensamento, o seu raciocínio, a sua sensibilidade, a sua sociabilidade, o seu auto-controlo, o seu afecto; ainda que por vezes pressuponha um esforço importante da sua parte; ainda que por vezes as crianças pareçam fechar-se nos seus argumentos; ainda que emocionalmente lhes seja muito difícil; mas têm de consegui-lo e para isso comportar-se-ão como adultos, falarão como adultos, estabelecerão as normas como adultos e, se necessário, reforçá-los-ão ou dir-lhes-ão “não” como adultos.”

Com María Jesús Álava Reyes não aprendi a dizer “não” porque essa é a palavra que os miúdos mais ouvem desde que nascem; mas aprendi que o “não” nem sempre precisa de ser explicado, que é o que sempre faço. Por exemplo: Se nos pedem para ir para a cama mais tarde e nós dizemos “não”, nada de ficar meia hora a justificar aquela decisão. Foi meia-hora que as crianças perderam de sono e ganharam com a sua teimosia. Basta dizer-lhe: “Já sabes que tens que ir para a cama cedo” e acabou!

No dia seguinte, lá estarei, embevecida, a vê-los acordar.

*Bárbara Wong é jornalista no "Público" há 13 anos, especializada em temas de Educação, Ensino Superior e Família.
Em 2005 ganhou o prémio de jornalismo "A Família e a Comunicação Social", com um texto sobre os pais que partilham tarefas com as mães, intitulado “Um homem na sala e na cozinha”.
Em 2008 publicou o livro "A Escola Ideal: Como escolher a escola do seu filho dos 0 aos 18 anos". É co-autora, com a professora Ana Soares, do blogue Educar em Portugues.
É casada e mãe de um rapaz e de uma rapariga.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Carnaval em segurança: um alerta da APSI

As férias de Carnaval na neve são cada vez mais frequentes. Tanto em Portugal, como no estrangeiro, os desportos de Inverno são muito procurados e, todos sem excepção, aproveitam para aprender a esquiar, patinar no gelo ou outras actividades.

Em todos estes desportos, mas também em simples brincadeiras na neve ou no gelo, é fundamental relembrar que uma queda pode ter consequências graves.

Apesar de não ser obrigatório por lei, a APSI alerta para a importância da utilização de capacete, a par com todo o restante equipamento de protecção. O capacete deve ser adequado ao tamanho da cabeça e usado sempre bem apertado, para evitar traumatismos cranianos com sequelas graves em caso de queda, pois a neve e o gelo são muito duros.

Também nas longas viagens para chegar aos destinos de neve, a APSI relembra que um Sistema de Retenção para Crianças (cadeirinha) só protege se for utilizado correctamente, de acordo com as instruções do fabricante. Os mais pequenos devem viajar de costas, pelo menos até aos 18 meses de idade. As cargas devem ser bem acondicionadas. E lembre-se de fazer paragens frequentes para que todos possam descansar.

E, como habitualmente, a APSI alerta para alguns cuidados com os disfarces e máscaras usados no Carnaval:

- comprar disfarces com a marcação CE (norma dos brinquedos) e indicações em português;

- preferir fatos e acessórios adaptados ao tamanho da criança e não inflamáveis; evitar cordões e fios à volta do pescoço, capas e saias muito compridas, chinelos, sapatos largos ou com saltos muito altos, calças ou mangas muito largas…

- as máscaras devem ter aberturas que permitam ver e respirar bem; prender com cuidado chapéus e lenços para que não tapem a visão, provocando quedas ou embates em obstáculos;

- escolher espadas, facas e outros acessórios em material macio e flexível.


Uma palavra final para os “estalinhos”, que podem rebentar nos bolsos das calças provocando queimaduras e para as bombas de Carnaval que não são brinquedos e todos os anos provocam acidentes graves.


Todos queremos brincar muito; mas sem acidentes que deixem marcas para sempre!


A APSI organiza acções de formação para profissionais de diversas áreas e outras dirigidas a famílias.
No dia 11 de Fevereiro, realiza-se em Lisboa uma acção de formação “Prevenção de Acidentes no 1º Ano de Vida” dirigida a casais à espera de bebé, pais, mães, avós e outros familiares de crianças até 1 ano, amas e babysitters.
Mais informações no site da APSI – www.apsi.org.pt, através do telefone 21 88 44 100 ou do endereço rferreira@apsi.org.pt
*A APSI (Associação para a Promoção da Segurança Infantil) é uma associação privada sem fins lucrativos, com o estatuto de utilidade pública, que tem como objectivo promover a união e o desenvolvimento de esforços para a redução do número e da gravidade dos acidentes e das suas consequências nas crianças e jovens em Portugal. Regularmente irá colaborar com O Bebé Filósofo disponibilizando informação que ajude a informar todos os que contactam com a criança, no sentido de prevenir acidentes.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Porque é que um homem não chora (fora de casa)




Judith Harris é uma psicóloga americana que em 1998, quando tinha 60 anos publicou simultaneamente um artigo na prestigiada revista Psychological Review, e um livro com o mesmo tema, que intitulou The Nurture Assumption. A sua investigação foi realizada fora da Universidade. No final dos anos 90, Harries recebeu o Prémio George A. Miller, da Associação Americana de Psicologia e recordou que a honra que lhe era concedida trazia o nome da pessoa que, 20 anos antes recusara o seu projecto de doutoramento.
A tese principal de Harris é a de que a personalidade que as crianças constroem é produto do contacto com os pares, muito mais do que das experiências com o núcleo familiar. Aos dois anos, diz Harris a criança reconhece a sua categoria social (menino ou menina, pequeno ou grande). Aos 4 anos os rapazes formam grupos de rapazes e comportam-se como rapazes: duros, não choram, escondem as fraquezas. A personalidade de adulto é, para Harris, como o sotaque e o domínio da lingua: o resultado da aprendizagem e do confronto social com os pares. A personalidade domestica fica em casa, como um esqueleto no armário.
Isto explica porque algumas crianças são apontadas como modelos no infantário e tiranizam os pais quando chegam a casa. E como as crianças com comportamento de oposição desafiante podem ser, na escola, completamente ajustadas às regras e normas em vigor.
Se as teses de Harris são verdadeiras- e ela coligiu uma consideravel soma de evidencias que expôs admiravelmente nos seus livros e artigos- os pais podem respirar mais fundo. Eles só são secundariamente responsáveis pelo adulto que está a crescer em sua casa. E devem preocupar-se mais com a escolha da creche e perguntar muitas vezes pelos coleguinhas.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Um link para o fim de semana

Todos os fins de semana, o Bebé Filósofo sugere algo para fazer, ler, ouvir, contemplar ou pensar.
Para concordar ou discordar.

"Idle parenting means happy children"
(algo como "Parentalidade ociosa para crianças felizes"),
um artigo de 2008, irónico e controverso, escrito por Tom Hudgkinson para o Daily Telegraph:

Um excerto:


Manifesto of the idle parent


We reject the idea that parenting requires hard work
We pledge to leave our children alone
That should mean that they leave us alone, too
We reject the rampant consumerism that invades children from the moment they are born
We read them poetry and fantastic stories without morals
We drink alcohol without guilt
We reject the inner Puritan
We fill the house with music and laughter
We don't waste money on family days out and holidays
We lie in bed for as long as possible
We try not to interfere
We push them into the garden and shut the door so that we can clean the house
We both work as little as possible, particularly when the kids are small
Time is more important than money
Happy mess is better than miserable tidiness
Down with school
We fill the house with music and merriment

Será?

O novo Ronaldo

Por Luís Milhano*

Quando era miúdo, lembro-me – claro que me lembro, pois essa criança ainda vive em mim – que o meu pai, como tantos outros, proibia-me de jogar à bola.
Fazer umas futeboladas na rua sim, mas nada de mais sério.

E o mais sério começava por ser a participação num qualquer treino de captação que os clubes organizavam para os jovens aspirantes a futebolistas.

Nessa altura, ser futebolista não era profissão, era uma brincadeira e só servia para distrair das verdadeiras prioridades da vida: estudar, tirar um curso e arranjar emprego para a vida.

Mas os tempos mudam e as vontades também. Os cursos deixaram de garantir empregos, os empregos já não eram eternos e, acima de tudo, o futebol começou a gerar milhões.
Foi então que os pais passaram a incentivar os filhos, ofereceram-lhes equipamentos completos e até os começaram a levar, com as devidas comodidades, aos treinos do clube mais próximo (muitos por troca com a escola).
Todos queriam ter em casa o novo Eusébio ou o novo Maradona e, com isso salvaguardar o futuro. Deles e dos filhos.

Mas no futebol, como em tudo na vida, só vingam os melhores e, no processo, perdeu-se muita gente que abdicou de estudar, desperdiçou oportunidades e falhou no sonho de ser um jogador mundialmente reconhecido. Ou melhor, um jogador principescamente remunerado.

Mas o processo – devidamente alicerçado numa comunicação social sedenta de novos ídolos – não parou e, hoje, os clubes já contratam pequenas vedetas de 12/13 anos e falam mesmo em descobrir o novo Cristiano Ronaldo. “O novo Cristiano Ronaldo” imagine-se! Já se fala em descobrir a nova versão de um jogador que tem apenas... 24 anos! Sinceramente não sei quem estava certo, se o meu pai super-protector, se os outros super-liberais.

Mas a virtude talvez esteja no meio. Como quase sempre.

* Luís Milhano, tem 42 anos, é formado em Antropologia e ocupa o cargo de editor-executivo do diário desportivo “Record”. Foi professor do ensino secundário antes de iniciar a carreira de jornalista no Diário de Notícias.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Mais má que todos os maus

imagem: Eva Armisén



Quando a minha filha mais velha nasceu, o que me surpreendeu verdadeiramente foi a sua independência. Constatei-a separada de mim, um ser autónomo, com uma individualidade própria que nunca imaginei que pudesse ser tão clara num bebé recém-nascido. Olhando para ela, senti-a destemida, corajosa, independente.

O prenúncio revelou-se acertado. A falta de medo dela chegava a assustar, não especialmente a mim, mas muitas vezes aos que nos rodeavam. Aos 18 meses, no café, o bêbedo da terra estendeu-lhe a mão e ela, sem hesitar, saiu porta fora com ele. Sem olhar para trás, enquanto eu, de boca aberta, assistia à cena e aos gritos dos presentes: "Vá atrás dela!", "Olhe que ele leva a menina!". Com 2 anos, entrava destemida pelo parque infantil, abraçava na rua pitbulls que passeavam com coleiras de picos, chamava a atenção de qualquer adulto, em qualquer situação ou local, sempre que entendia que uma injustiça social estava a ser praticada.

Inconsciência, dirão uns. Falta de noção do perigo. Têm toda a razão, com certeza. Mas para mim, quando um ser tão pequeno enfrenta assim um mundo bem maior que ela, não é só falta de conhecimento. É também uma coragem do caraças.

Há pouco tempo, já a caminho dos três anos e meio, começou o medo "dos maus". O medo do escuro, os pesadelos. Calculei que fosse normal nesta fase. Ela olhava para mim em busca de tranquilização e eu tive vontade de lhe garantir que não há maus nenhuns, que podia dormir descansada, ir às escuras pelo corredor até ao quarto. Porque os maus não existem. É tudo imaginação.

Mas poderia fazê-lo, em consciência?

A minha filha tem três anos e meio e já percebeu que o mundo está carregado de “maus”.

Ela vai contactar com eles durante a vida, não com os “mais maus” de todos, os verdadeiros “maus”, espero eu, mas provavelmente com uma variedade ampla de “mini-maus” que todos nós enfrentamos no dia a dia.

(os mauzinhos, os egoístas, os mesquinhos, os invejosos, os mentirosos… oh senhores, a lista de maus do quotidiano pode mesmo ser infindável e o grau de danos que nos podem inflingir varia, não só em gravidade, mas também no nível de influência que lhes permitimos.. mas isso será assunto para outro post).

Não. Eu mãe, que preparo a minha filha para a vida, não posso garantir-lhe que os maus não existem. Suponho que esta percepção adquirida seja até uma forma de auto-protecção que lhe vá ser útil. Mas também não quero contagiá-la com medos.

Com os meus medos. Tantos, tantos mais, desde o dia em que ela nasceu e eu me tornei mãe.

Num espaço habitado por psicólogos e pediatras sinto-me uma herege ao terminar o relato. Mas confrontada com as perguntas em catadupa,

“Há maus no meu quarto, mãe? E lá fora na rua? E os maus entram em casa quando estamos a dormir? E se me apanham?”.

Não, não dá para pensar em respostas pedagógicas ou estruturadas.

Sigo o instinto, e a cada pergunta com o coração mais apertado, disparo e resolvo o assunto:

“Não te preocupes porque os maus não entram cá em casa.
Tentaram uma vez e a mãe agarrou num pau e bateu-lhes tanto que eles fugiram a correr.
Deitaram sangue e tudo. Bati-lhes com toda a força.
Tanta, que esses maus avisaram os outros maus que tinham ficado em casa que aqui vivia uma maluca que batia nos maus com toda a força.
Agora todos os maus têm medo de aparecer aqui.”

Ela sorriu, condescendente, mas (mais) tranquila.
Confio que saberá conciliar isto com outros ensinamentos, nomeadamente de que os problemas da vida não se resolvem à cacetada.

Eu preciso de ter presente em mim esta confiança de que, para defender um filho, somos capazes de tudo. Se o devemos fazer e quais são os limites, essa será outra conversa.

Para já, assunto resolvido.
Dorme descansada, minha querida, que o perímetro está seguro.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Impaciência

Por Gonçalo Cordeiro Ferreira*


"The time has come," the Walrus said,"To talk of many things:

Of shoes—and ships—and sealing-wax—

Of cabbages—and kings—

And why the sea is boiling hot—

And whether pigs have wings."


Lewis Carroll ; Through the looking glass


Nunca como hoje a perspectiva da duração da vida foi tão longa.
Seria pois de esperar que de uma forma geral todos fôssemos mais pacientes, para não dizer contemplativos.  Afinal, nos séculos anteriores em que a esperança de vida era bem mais curta , não havia a pressa actual de fazer tudo em menos tempo.

Esperava-se.

Com as doenças das crianças passa-se o mesmo. As doenças, sobretudo as agudas e simples, têm uma história natural própria, usualmente com bom prognóstico, em que a intervenção médica pouco vai adiantar no sentido de a encurtar e, por vezes, até pode indirectamente prolongá-la.

Tomemos como exemplo dois sintomas muito comuns nas crianças: a tosse e a febre.

Nestes casos, na maioria das vezes, a quantidade dos mesmos não tem directamente a ver com a gravidade da doença.

Os médicos sabem isso.

Os pais não, e preocupam-se.

Mas, quer a febre, quer a tosse, correspondem geralmente, sobretudo quando juntas, a processos infecciosos de origem viral das vias respiratórias altas.

Na maioria dos casos benignos, mas com uma história natural bem definida, em que a febre dura habitualmente dois a quatro dias e a tosse pode arrastar-se, antes e depois da febre, por uma a duas semanas.

E por mais que se faça, por mais antis que se dêem (antibióticos, antitússicos, antialérgicos, antipiréticos) não vamos modificar, no sentido de encurtar (quando muito modulamos) esta situação.

E aqui começa a impaciência.
Impaciência dos pais porque a criança tosse a noite toda (às vezes nem acordando) e não conseguem dormir, ou porque a criança vomita com a tosse ou porque lá têm de a ir buscar novamente ao infantário. Ou porque estão verdadeiramente preocupados com o sintoma e acham que pode ser indício de doença mais séria.

Impaciência dos médicos, cansados de explicar vezes sem conta a benignidade da situação,  às vezes esquecendo-se que essas inúmeras explicações não são sempre dirigidas aos mesmos pais, e sentindo-se impotentes para atalhar o sintoma (sobretudo a famigerada tosse).


Impaciência dos professores ou educadores quando as crianças tossem na escola, telefonando imediatamente aos pais para as virem buscar, pois temem que possam ter uma doença que contagie todos os outros.
Este cruzar de impaciências aumenta a escalada terapêutica de resposta , numa panóplia que faz a felicidade de produtores de xaropes, aparelhos de aerossóis e outros, que podem inclusivamente perenizar os sintomas (o uso prolongado de expectorantes prolonga a tosse) e leva às vezes a gastos em análises completamente supérfluos.
(sobretudo quando se faz a ligação fácil entre muita tosse ou muitas tosses e “alergia”, esquecendo-se que as causas mais frequentes para a manutenção da mesma é a exposição da criança a irritantes das vias aéreas, nomeadamente ao fumo ou ao cheiro-até nas roupas- do tabaco).

Noutro nível, é esta mesma impaciência, o não saber aceitar a evolução habitual das doenças ou a variabilidade dos seres humanos, que faz nos hospitais os médicos mudarem de antibióticos quando a febre não passa logo, ou que faz com que os professores levantem logo a suspeita de perturbação do comportamento numa criança mais imatura ou distraída.

As crianças pequenas, sobretudo quando em contacto com outras crianças no infantário ou em casa com irmãos que os frequentam, estão expostas a múltiplos agentes infecciosos (vírus na maioria) e adoecem. Quando estimuladas, há células das vias aéreas superiores que produzem muco (mecanismo de defesa – que pode “embrulhar” os vírus) e depois leva à tosse,  expelindo esse muco e esses vírus.

A febre e a tosse devem pois ser entendidas como um mecanismo de defesa e não como uma ameaça, e a doença aguda, sobretudo na criança pequena, como um facto normal, uma espécie de vacinas naturais sucessivas.

O problema não está tanto na criança adoecer, mas sim numa sociedade em que ambos os pais trabalham, e que não está preparada para acolher, na sua casa, tantas vezes e por quanto tempo seja necessário, a criança doente.

Uma sociedade que não está preparada para a pausa. Uma sociedade da impaciência.

O bebé filósofo, que também sofre dos mesmos tiques civilizacionais, comenta: “não há paciência para tanta impaciência!"

*Gonçalo Cordeiro Ferreira, 53 anos,  pediatra e pai de 5 filhos.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Ter filhos faz bem ao coração

Por Sónia Morais Santos*

Perguntam-me: o quê??! Tens três filhos?! E uns arqueiam o sobrolho, horrorizados, como se tivesse três quistos, coisas feias e dolorosas e importunas. Outros, espantam-se, admiram-me a valentia, ah! Isso é que é coragem! E repetem, num suspiro cansado: três…


Às vezes, quando digo que gostava de ter outro, há quem dê gritos, cruzes, credo, valha-te Deus, então não chega já? então já tens dois rapazes, uma menina, vais agora meter-te noutra, para quê? Para quê?

Para quê. Eu sei lá para que é que temos filhos. Nuns casos pode ser porque sim, porque fomos como que programados para isso, desde tenríssima idade. Noutros casos pode ser porque o desejamos profundamente, porque queremos um bebé, porque chegou a hora, porque queremos prolongar a nossa vida noutras vidas, porque queremos ter um fruto de um grande amor, porque ansiamos por educar, por ver crescer. Temos filhos por uma destas razões, por todas estas razões, por nenhuma delas.

No meu caso, o primeiro filho chegou porque sim. Porque queríamos um bebé nas nossas vidas, porque nos amávamos e tinha chegado a hora.

O segundo veio, naturalmente. Mas aí, receei que o amor pelo segundo não chegasse aos calcanhares do primeiro. Estava tão apalermada com o primeiro que julguei ser impossível a repetição daquele sentimento. Impossível. Temi. Pior: acreditei nisso e culpabilizei-me. Apesar disso, afeiçoei-me à barriga, ao feto, conversei com ele, amei-o. Terei pedido desculpas pelas minhas dúvidas. Mas depois… depois quando nasceu percebi a dimensão do meu equívoco. Chorei tanto quando o segundo nasceu, quando chorou pela primeira vez, acabado de sair para o mundo. Chorei de paixão, porque percebi imediatamente, de modo visceral, brutal, animal, que esta coisa de amar os filhos não é dada a divisões mas antes a multiplicações. Ou seja: não há um coração que tem de se repartir. Há um coração que aumenta, a cada nascimento. E assim, ao segundo filho, o meu coração ficou maior.

E depois veio a necessidade do terceiro. Como se fosse um vício. O vício de gostar arrebatadamente. O vício de sentir o coração crescer. Como se já não soubesse viver de outra maneira, sem ser assim, com o coração dilatado dentro do peito. Quando a Madalena nasceu eu já não chorei porque já sabia o quanto gostava dela, o quanto ia gostar dela, já sabia que o amor pelos filhos não se divide, multiplica-se.

Por isso, quando me perguntam “o quê??! tens três filhos?!”, como se em vez de filhos falassem de quistos, coisas feias e dolorosas e importunas, eu sorrio. Limito-me a sorrir. Eles não sabem nem sonham mas o meu coração é maior que o deles. E a felicidade que carrega é enorme, é imensa, é desmesurada. E é por isso, também, que se calhar um dia destes ainda tenho outro. Só não estou segura de que, então, o coração me caiba todo dentro do peito.

* Sónia Morais Santos é mãe e jornalista. Autora e apresentadora do programa "Portugal dos Pequeninos" na Antena 1, assina ainda o blog "Cocó na Fralda".

Olá Bebé Mentiroso




Nós, humanos, temos cérebros grandes de mais para o nosso corpo. O que os fez assim foi o crescimento de áreas do neocórtex afectas a competências cognitivas e sociais a que , em 1988, Richard Byrne e Andrew Whiten, professores de Psicologia da Universidade de St. Andrews, na Escócia, chamaram de inteligência maquiavélica. Estas capacidades permitem a adaptação social num contexto de grupos alargados e asseguram poder e sucesso reprodutivo. Quando perguntamos aos psicólogos evolutivos, aos antropólogos e aos primatologistas, que género de competências são estas, a resposta é: manipular os outros através de estratégias de mentira, e de engano. E obviamente, o outro lado da questão: suspeitar dos outros, detectar a mentira e o logro.
Esta é a má notícia: tornámo-nos humanos, a espécie ecologicamente dominante dos últimos 50.000 anos, à custa de uma expansão do cérebro que serviu para formar alianças, explorar a nosso favor as qualidades dos outros e utilizar a projecção de visões igualitárias do futuro para favorecer a nossa posição de privilégio no presente.
A boa notícia é que este cérebro poderoso pode servir para outros objectivos: relativamente à natureza, à tecnologia, ao conhecimento de si-próprio, à vida em comum.
A inteligência maquiavélica pressupõe igualmente uma capacidade que tem a designação um pouco confusa de “teoria da mente”. Temos uma ideia (teoria) sobre a consciência do outro. Sabemos que eles pensam e tentamos perceber os conteúdos do seu pensamento.

Mais dois palavrões ainda para dizer quem somos: altriciais e neoténicos. O primeiro caracteriza os seres que nascem imaturos. O segundo é a qualidade de reter características jovens na idade adulta, mas também de viver fascinado com a a juventude e os juvenis.

Este blog é sobre isto tudo: o bebé humano visto como um fantástico produto evolutivo. Imaturo mas com equipamento surpreendente. Com uma carga pesada: os genes de primata. Mas uma possível vantagem: um cérebro que, ao querer compreender e procurar nexos de causalidade, ao estabelecer mapas cognitivos e inventar a fantasia, descobriu a liberdade.