segunda-feira, 31 de maio de 2010

Contracepção, consulta de ginecologia e adolescentes...Qual é a altura certa?

Por Filomena Sousa*

Ser médica-ginecologista e lidar com as filhas dos outros é quase sempre fácil, basta aplicar os conhecimentos teóricos e algum jeito para falar com adolescentes. Mas ser mãe e lidar com a própria filha adolescente é completamente diferente…

É como ginecologista-mãe de uma adolescente que vou tentar expor o meu ponto de vista:

Os adolescentes em geral gostam de ser ouvidos com atenção e detestam o chamado “sermão”. Claro que às vezes faz falta um sermão, mas também temos que lhes dar ouvidos e tentar ver as coisas pelos olhos deles, para melhor os compreendermos.

Cada família tem valores que deve transmitir aos filhos, para que eles os utilizem como entenderem. Não podemos mandar na cabeça deles mas podemos dar-lhes uma orientação.

Depois é necessário ficar atento para ir percebendo o que pode estar a acontecer, sem invadir a privacidade dos filhos.

O “boletim de saúde infantil e juvenil” (aquele livrinho cor-de-rosa que nos deram na maternidade há 14 ou 15 anos), tem algumas orientações que considero úteis.

Cada adolescente amadurece ao seu ritmo e não se pode dizer qual é a altura certa para falar de contracepção ou para levar a filha a uma consulta de ginecologia.

A maioria das adolescentes sabe perfeitamente como é que se engravida (daahh!)… e que ao ter relações sexuais pode ficar grávida ou apanhar uma doença… e que existem métodos para evitar estas consequências… E portanto não me parece que seja preciso “ensinar a missa ao padre”…

O que acho importante é partir do princípio que já sabem estas coisas e orientá-las pela positiva, para que utilizem os conhecimentos quando chegar a altura. Podemos pegar no exemplo de uma adolescente da telenovela ou de uma colega da escola que tenha ficado grávida e transmitir a convicção (mesmo que tenhamos sérias dúvidas…) de que acreditamos que a adolescente que temos à frente vai ser capaz de só ter relações sexuais se estiver preparada para o fazer e de se proteger, se for caso disso. É mais provável que se proteja se souber que estamos à espera que o faça do que se constantemente ouvir dizer: “Agora vê lá o que é que vais fazer, irresponsável como és, é bem possível que não tomes a pílula correctamente, nem uses preservativo…”.

O ser humano tem tendência a tentar corresponder às expectativas dos outros, por isso é bom que as filhas percebam que esperamos que sejam responsáveis e tomem a atitude certa.

Se os pais não se sentirem à vontade para falar sobre este tema, podem sempre comprar lá para casa uns livros sobre Educação Sexual para adolescentes. “Como quem não quer a coisa”, se a adolescente tiver curiosidade, vai acabar por folhear o livro ou até ler as partes que lhe interessam.

Se a adolescente referir queixas do foro ginecológico, ou os pais se aperceberem de que algo não está bem, então talvez seja prudente marcar uma consulta no Centro de Saúde ou mesmo no ginecologista.

É frequente as menstruações serem irregulares ou acompanhadas de dores abdominais, e na maior parte dos casos, isso não significa que se passa algo de grave. No entanto, algumas adolescentes já sabem que a pílula, além de ser contraceptiva, também alivia a dor menstrual e regulariza os ciclos, e alegam um motivo mais aceitável pelos pais para pedir uma consulta e eventualmente começar a tomar a pílula. Neste caso, os pais devem providenciar uma consulta para a filha e admitir que já não devem assistir a essa consulta, pelo menos na totalidade. Se a filha sair da consulta com uma receita de pílula isso também não significa que já tenha iniciado a vida sexual, nem que a vá iniciar em breve, e devemos respeitar a sua intimidade.

No caso de a adolescente ter necessidades especiais, por ter problemas de saúde, físicos ou psicológicos, então talvez devam ser os pais, ou os educadores, a tomar a iniciativa de ouvir a opinião de um especialista.

Se a adolescente não referir queixas e existir uma boa comunicação com os pais, não me parece obrigatório a jovem ser observada do ponto de vista ginecológico a partir de determinada idade, mas sim aquando do início da vida sexual.

Claro que não é fácil perceber se está na altura de levar a filha adolescente ao médico de família ou ao ginecologista, mas uma boa dose de afecto e compreensão podem ajudar a manter a comunicação e assim talvez consigamos espreitar pela janela do mundo da nossa filha, mesmo não podendo ficar à espera que ela nos abra a porta e nos convide a entrar… (com muita pena nossa, não é?).

*Filomena Sousa é médica, especialista em ginecologia/obstetrícia, trabalha em exclusividade no Hospital D.Estefânia onde se dedica à área da ginecologia da adolescência e do planeamento familiar.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Bebés (e verdades universais?)




Quatro bebés, em quatro cantos do mundo, seguidos por uma câmara durante o primeiro ano de vida. Nos Estados Unidos, onde já estreou, tem sido um sucesso e alvo de discussões na Internet: os pais americanos parecem um bocadinho "geeky" comparados com os outros, e o excesso de parafernálias infantis parece não ter relação directa com o nível de felicidade.

Análises à parte, é sempre maravilhoso ver bebés.
(... chegarão a Portugal?)

terça-feira, 25 de maio de 2010

Brincar é um assunto sério



Por Inês Torrado*


Vou focar apenas alguns apontamentos sobre a importância de brincar, como jogo livre, espontâneo, que se vai inventando, só ou acompanhado, ao longo do tempo.

O saber brincar é uma das actividades mais sérias desempenhadas pelas crianças. Na Carta dos Direitos da Criança, o direito a brincar é o VII Príncipio, tão essencial como o direito à saúde, à educação e à segurança.

E brincar ensina-se... brincando.

Os prazeres partilhados com os pais na brincadeira, são momentos únicos, por si e pelo valor que os pais dão ao jogo dos filhos. Não é um passatempo e muito menos uma perda de tempo.Ao partilhar um jogo com a criança, possibilitamos-lhe poder reproduzir essa brincadeira e depois reinventá-la a partir daí, sózinha ou com outros companheiros.

O jogo é o motor de todo o desenvolvimento psico-motor da criança.

A sua primeira parceira de jogo será a mãe (ou o pai...), depois as suas mãos, os seus pés... A criança descobre o mundo progressivamente, interagindo com ele.

Com o jogo do "cu-cu" (esconder a cara e voltar a aparecer), o bebé cria a noção de permanência do objecto. Diverte-se e ultrapassa a angústia da separação. Pouco a pouco, através do prazer que lhe proporciona o brincar, vai progredindo nas suas aquisições, ganhando cada vez mais segurança e autonomia.

Adora explorar os objectos da casa, que "pertencem aos pais". Mais tarde imita os pais e depois já só precisa de fazer de conta que é grande.

Este período riquíssimo do jogo simbólico irá permitir à criança resolver a nível inconsciente os seus problemas, adquirindo um sentimento de controlo dele próprio, que está longe de possuir na realidade. Nessa altura, já é capaz brincar com os outros, interiorizando as regras sociais, o ganhar e o perder, o esperar e o partilhar... Também nesta fase, o jogo ajuda a desenvolver a perseverança e o esforço perante a dificuldade, que tanta falta faz na escola e pela vida fora.

O brinquedo deve estimular a fantasia. Não pode ser demasiado perfeito para deixar lugar à criatividade. Também o excesso de prendas dispersa a atenção, leva à desvalorização e ao desinteresse. É necessário ter tempo para desejar, para explorar e inventar.

Hoje o tempo acelerou, entra-se para a escola mais cedo e por demasiado tempo em cada dia. Algumas crianças têm agendas preenchidas de actividades, onde se tentam desenvolver tarefas e talentos. Será que sobra tempo para se aborrecer e para se perder?

O espaço para se mexer é cada vez mais diminuto e controlado, sobretudo nas cidades. As ruas são perigosas, as escolas sem recreio, os apartamentos pequenos, a natureza longe, e é mais difícil expandir energias, explorar o potencial físico e psíquico das crianças.O isolamento também é maior.

Os ecrãs (televisão, computador, consolas...) mantêm as crianças sossegadas, mas tempo demais... distraem-nos deles próprios, tornando-os passivos, dependentes de fantasias pré-fabricadas, ficando cada vez mais dependentes dos adultos ou das máquinas para organizar os seus tempos.

O prazer que se tira da brincadeira prolonga-se no prazer de viver ao longo da vida. Fortalece a nossa capacidade de adaptação às dificuldades e dá entusiasmo.

Um autor alemão lembra- nos que "o homem não é verdadeiramente homem, senão quando brinca".


*Inês Torrado é pediatra.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Noites em Claro

Por Gabriela Pereira*


imagem: Corbis/Tomek Olbinski




Passas em claro as noites a chorar;

Dia a dia, teu rosto empalidece...

Faze tu, pobre Mãe, por serenar,

Santa Resignação sobre ela desce!



Rochedo que a penumbra desvanece,

Tu, por acaso, não lhe podes dar

Um pouco d'esse frio que entorpece

O coração e o deixa descançar?...

Jamais! Não ha remedio! Nem as horas

Que passam! Toda a fria noite choras;

Tua sombra, no chão, é mais escura.

Soffres! E sinto bem que a tua dôr,

Como se fôra um beijo, acêso amôr,
Vae-lhe aquecer, ao longe, a sepultura.

Teixeira de Pascoaes, in 'Elegias'


O assunto da morte em Medicina é sempre difícil de abordar. Nenhum profissional de saúde foi preparado para se deparar com a impotência, a incapacidade de salvar uma vida.

Esta vivência é, se possível, ainda mais dramática em Pediatria – quem está no início do ciclo de vida não deve morrer.

Penso que quase todos os pediatras já passaram noites em claro a recordar todas as crianças que morreram nas suas mãos, vendo com uma nitidez que julgamos precisa, a sua imagem e o desespero espelhado nos familiares. Como muitos dizem, todos temos os nossos cemitérios...

Há que preparar os mais jovens para esta realidade com que se irão deparar mais tarde ou mais cedo. É importante que saibam o que fazer e, talvez ainda mais, o que não dizer ou fazer nessas circunstâncias. E também como “sobreviver” com a consciência de que não somos infalíveis.



*Gabriela Pereira é pediatra, especialista em Cuidados Intensivos.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Planeta Tangerina


Esta revelação não tem interesse nenhum. É daquelas coisas que uma menina diz aos pais, como se fosse importante, e a que ninguém liga. Eu não gosto de tangerinas. Não gosto do nome, designando uma habitante de uma cidade árabe onde nos perdemos e o acolhimento oculta uma armadilha. Não gosto do cheiro, que perdura, e se agarra à pele e indica que ali esteve alguém a comer. Não gosto das cascas, nem da palavra casca. Nem de gomo ou da ideia de gomo. Nem dos fios brancos que os separam. Nem das sementes, tão abundantes, esse desperdício de embriões excedentários.
Dito isto, que releva da psicologia das profundidades, devo confessar que há uma Tangerina especial. Uma que nunca me enganou. Ouvi falar dela numas sessões literárias que se organizavam uma vez por mês, na cidade onde vivo, e acabaram, como quase tudo acaba na cidade onde vivo. E gostei logo dela, da Planeta Tangerina, a editora dos livros bonitos, para ler às crianças. Livros especiais. Delicados, diferentes. O livro do pai, o livro da mãe. O livro que ensina aritmética, porque tudo o que nos rodeia é contável e de muitas maneiras. O livro da autoestrada e da EN. Do avô e do neto. Do mesmo minuto nas várias partes do nosso mesmo mundo. Das palavras com que tomamos conta dos dias deles: depressa devagar.
Os mais velhos diziam: são bonitos mas as crianças não lhes vão ligar. Experimentei: as crianças ligam-lhes. Como os adultos na sessão literária.
Diziam: são livros bons para os pais. E é verdade. São livros para os meninos e meninas que há nos pais e nas mães. Que é onde os filhos olham e se espantam. E ronronam de prazer. E ficam quietinhos a escutar. E querem contar também, à sua maneira.
A Isabel Minhós Martins, a Madalena Matoso, a Yara Kono, o Bernardo Carvalho, a Carolina Cordeiro e a Cristina Lopes são os talentos do Planeta Tangerina. Fazem tudo bonito e com cores fascinantes. Até os selos, os timbres que se colam nos envelopes a dizer CONTÉM LIVRO. E estes envelopes contêm livros do Planeta Tangerina.
Também fazem agendas. A agenda azul de 2010 do Sr. Rufino, da Rufino & Filhos desde 1948, Drogaria, Ferragens, Bricolage, que é um senhor muito melhor que o senhor Moleskino e nunca se há-de vulgarizar, porque as pessoas importantes não hão-de querer os dias assinalados por canhões de sanita ou bichas de chuveiro.


Planeta Tangerina
www.planetatangerina.com

Já imediatamente!

Por João Paulo Batalha*


O meu avô adorava birras. Homem austero e disciplinado, como a época exigia a qualquer bom chefe de família, perdia-se por uma boa birra (por boa birra entenda-se “quanto pior melhor”, sábio critério).


Para nós, miúdos, era desconcertante:

- Mãe, quero água!

- Como é que se diz?

E antes que nós, com a resignação da derrota, lhe recitássemos o “sefáxavor” logo interrompia o meu avô:

- Já, imediatamente!


Nunca soube reagir a isso. Que diabo, eu bem sabia, mesmo que nem sempre me apetecesse, que os meninos bem comportados dizem se faz favor, não dizem já imediatamente! De modo que este incitamento à subsersão, ainda para mais vindo do avô distante que não brincava connosco nem oferecia prendinhas, era bastante assustador.

Este apelo ao descaminho denunciava um mundo em que, afinal, as regras nunca são absolutas. Agora ensinem isto a uma criança habituada a ouvir (e muito bem) “não porque não!” e “porque eu sou a mãe e eu é que mando!” e é todo um horizonte de perversas liberdades que se abre. De hipóteses alternativas, de argumentação (a argumentação possível a uma criança, claro). De livre-pensamento se quisermos ser pretensiosos. De birra, para sermos justos.

Uma vez, não muito antes de morrer (já eu era crescidinho), o meu avô descartou a minha imagem de moço pacato e ordeiro acusando-me uma costela anarquista. Ele lá sabia. E disse-o com certo orgulho. Para um homem que viveu tanto de regras, a possibilidade do desgoverno era atraente. Atraente nas crianças, insuportável nos adultos. Quando crescemos, que remédio, temos obrigação de saber o que é a vida, engolir os sapos e seguir em frente. Quem não o faz não é sério. Mas se somos miúdos, a birra é a autonomia. É a individualidade, é a nossa independência.

De modo que eu partilho com o meu avô este defeito: sou mau pedagogo. Com crianças à volta gosto de provocar e desencaminhar. Quando ensino alguma coisa é meio por acidente. Estou demasiado ocupado a provocar birras, a convocar alternativas. Demasiado ocupado a aprender com essa desordem criativa que tira as coisas dos lugares onde as arrumámos e as reinventa – essa desordem brilhante que nos reensina, se a ouvirmos, o sentido de tudo. Estou demasiado ocupado a divertir-me.

*Formado em História, João Paulo Batalha é jornalista e fundador da Storymakers, uma empresa dedicada à produção de exposições, eventos e produtos culturais para crianças.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Post útil #2

Dica para fazer menina de 4 anos beber a sopa toda sem pestanejar:




Ameaçá-la com um vegetal que ela ache ainda mais horroroso.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

O pediatra tem que atender sempre o telefone?

Por António Brito Avô*


Nesta sociedade da impaciência (como lhe chamou outro dia o Gonçalo) vive-se a ânsia do “já” “aqui” e “agora”… como se as coisas e as pessoas não tivessem um tempo e um espaço necessários para acontecer, para ser e para estar.

Não se aceita a imprevisibilidade, nem a diferença, nem o desconforto da ignorância.

Não se acredita no instinto, nem na intuição, nem nos saberes herdados de geração em geração.

Tudo tem que ser antecipado, programado e resolvido no exacto momento em que é detectado ou sentido – apenas porque nesta “sociedade do conhecimento” o medo e a ansiedade do desconhecido se tornou completamente insuportável.

As dúvidas e os receios assumem carácter de urgência – para resolver tudo “já, aqui e agora” corre-se para a net, para as redes sociais, para sites e revistas de duvidosa credibilidade, e disparam-se chamadas telefónicas, SMS’s, e-mails em todas as direcções em busca de um apaziguamento interior.

Vem este arrazoado a propósito do difícil convívio com o meu telemóvel, instrumento execrável, que destruiu a minha intimidade, que invadiu o meu tempo e o meu espaço, e que tem um toque necessariamente incomodativo.

Não nego as inúmeras vantagens comunicacionais deste sinistro invasor.

Em inúmeras situações de emergência, ele tem permitido que um aconselhamento atempado contribua para a solução de problemas de muitas crianças ou para facilitar o seu encaminhamento adequado. Por essa razão tenho permitido que os pais dos meus pacientes utilizem a facilidade desta via, quando a situação lhes causa extrema preocupação.

Tem sido um auxiliar insubstituível e precioso.

A ansiedade dos pais é compreensível e a troca de algumas palavras com o pediatra pode ajudar a aliviar as tensões e beneficiar as crianças – para isso estarei sempre disponível.

Mas (há sempre um …mas) confesso-me parcialmente arrependido de não ser um pouco mais selectivo e mais pedagógico…

Nalguns casos (felizmente poucos) o uso do telemóvel é levado ao extremo, no limite do conveniente.

Incomoda-se o pediatra a horas impensáveis por motivos despudoradamente irrelevantes - “de que côr acha que devo mandar pintar o quarto do Pedro?”; “ posso comprar uma tartaruga à Francisca?” ; “pode passar-me uma declaração para a natação?”.

Há gente que, por banalidades e questões sem qualquer relevância, têm o irritante hábito de ligar 6-7 vezes seguidas, quando não me é possível atender (seja porque estou ocupado com doentes, seja porque tenho o azar de ser humano e fisiologicamente imprevisível).

Era suposto que estas manifestações de suposta emergência, que não se confirmam quando devolvo a chamada, deixassem os seus autores embaraçados. Mas surpreendentemente isso não acontece!

Será o sinal dos tempos da impaciência e da intolerância?

É bom para todos que haja bom senso na utilização desta ferramenta preciosa, sem a qual já não conseguimos sobreviver.

Caso contrário, tal como na fábula, “pagará o justo pelo pecador” e uma situação verdadeiramente urgente poderá ficar por atender!


*António Brito Avô – Médico Pediatra

quarta-feira, 12 de maio de 2010

A escola ideal




Por Bárbara Wong*

A pedido do Bebé Filósofo escrevi este post. Aqui vai:

Sabendo que escrevo sobre educação, colegas de profissão, leitores do PÚBLICO e amigos perguntam constantemente: “Conheces a escola x? O que te parece a escola y?”. Por isso, em 2008 decidi escrever "A Escola Ideal: como escolher a escola para o seu filho dos 0 aos 18".

Há escolas com equipamentos de topo, com chãos amortecedores de quedas, escorregas e câmaras de filmar (o que para mim é assustador! Há quem pense que a câmara o ajuda a proteger o filho e não pensa que está a invadir privacidade da criança)... MAS, com um corpo docente fraquinho, que muda anualmente, que não desafia as crianças, pouco comprometido.

Há escolas que parece que pararam no tempo, com mesas com ângulos afiados, com demasiados degraus, que quebram algumas regras de segurança... MAS com um corpo docente espectacular, familiar e profissional.

Há escolas novas com bons profissionais e escolas velhas onde tudo é mau... MAS não há escolas ideais porque, por muito boa que a escola seja não é como nós realmente idealizamos, porque as escolas são feitas de/por pessoas.

No livro, além de calendários para planificar todo o processo de procura, visitas e tomadas de decisão, proponho um gráfico para os pais preencherem à medida que vão conhecendo as escolas em que estão interessados, este depois de preenchido pode ajudá-los a escolher. Além de conselhos objectivos, acrescentei informação prática sobre matrículas, calendarização das mesmas e afins. Sem esquecer as crianças com necessidades educativas especiais ou situações como mudar de escola a meio de um ciclo.

Em resumo: O que é que os pais devem ter em conta na hora de escolher a escola? O corpo docente, o projecto educativo, as instalações e nunca, mas nunca escolher sem fazer uma visita. Se a direcção não abrir as portas, esqueçam, não vale a pena. As escolas não devem ter segredos para os pais.

No dia do lançamento de A Escola Ideal, a mãe de uns amigos dos meus filhos veio dizer-me que estava satisfeitíssima porque tínhamos os filhos na mesma escola, logo, aquela só podia ser a melhor do país! Eu não tenho dúvidas, MAS conheço pais que tiraram de lá os filhos para os por noutras ainda melhores! O que é que isto significa? Que nem todos procuramos a mesma coisa!

*Bárbara Wong é jornalista no "Público" há 13 anos, especializada em temas de Educação, Ensino Superior e Família. Em 2005 ganhou o prémio de jornalismo "A Família e a Comunicação Social", com um texto sobre os pais que partilham tarefas com as mães, intitulado “Um homem na sala e na cozinha”.



Em 2008 publicou o livro "A Escola Ideal: Como escolher a escola do seu filho dos 0 aos 18 anos". É co-autora, com a professora Ana Soares, do blogue Educar em Portugues. É casada e mãe de um rapaz e de uma rapariga.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Nutrir o futuro

A importância do desenvolvimento cerebral nos primeiros anos de vida

Por Ana Rita Monteiro*
O desenvolvimento cerebral observado nos primeiros anos de vida da criança é preponderante para o seu futuro a nível físico, cognitivo, emocional e social.

No passado, alguns cientistas pensavam que o desenvolvimento do cérebro seguia um padrão biologicamente predeterminado. Hoje sabe-se que as experiências têm uma vasta influência na forma como os circuitos cerebrais são activados. Elas permitem que as cerca de 100 biliões de células nervosas, denominadas neurónios, realizem as conexões dotando a criança de mais e melhores meios para comunicar e interagir com a realidade que a rodeia. O cérebro desenvolve-se numa base genética enriquecida pela experiência, pelas relações interpessoais e pela saúde e nutrição adequadas. Assim, a qualidade das relações nos primeiros 3 anos de vida tem um impacto profundo e duradouro na evolução do cérebro e consequentemente na forma como a criança aprende, lida com o stress e regula as emoções. Após os 3 anos, período crítico que coincide com a vulnerabilidade cerebral à ausência de estimulação, a janela de oportunidade começa a decrescer. Assim, é desejável oferecer um ambiente seguro, uma comunicação eficaz que se inicia ao nascimento e se prolonga por toda a vida, relações consistentes e seguras e uma interacção pautada pelo toque, troca verbal e musical. Ao demonstrarem sensibilidade às pistas dos bebés, ao responderem às suas dificuldades e ao aproveitarem as actividades simples e corriqueiras no intuito de estimular a aprendizagem os pais tornam-se os melhores aliados dos filhos.

Sabemos a importância dos cinco sentidos, através deles a criança descortina os encantos da realidade. A experiência multissensorial é a chave para um desenvolvimento cerebral pleno: falar como o bebé, ler todos os dias, cantarolar e repetir lenga-lengas são óptimas estratégias que intuitivamente muitos pais colocam em prática.

A melhor aprendizagem é aquela que se desenvolve pela sintonia com os estímulos humanos, pela troca de olhares, sons e toques. Os bebés são extremamente responsivos ao movimento – o embalar, o balancear e o ser apenas pegado são actividades muito enriquecedoras e prazerosas por muito simples que possam parecer.

Nunca é demais lembrar: falar, cantar, brincar e ler são as actividades chave para edificar um cérebro infantil!

O desenvolvimento cerebral é de extrema importância. Poderá pensar que o cérebro adulto é bastante mais activo do que o de uma criança, mas este é apenas um de muitos mitos nesta área. O cérebro de uma criança de 3 anos é duas vezes mais activo e forma triliões de conexões. Aos 2 já atingiu cerca de 80% do tamanho adulto… Como muitos autores referem: “The first years last forever”.

*Ana Rita Monteiro é psicóloga clínica.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Olhar para o céu

Uma ideia para o fim de semana: sair à procura de pássaros.
Parece mentira mas belezas como estas podem ser encontradas.

As fotografias são do pediatra António José Guerra.


                                                                        Alvéola Amarela


                                                                    Chasco Cinzento



                                                                   Escrevedeira Amarela



                                                                          Guarda-rios

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Quero-te mostrar uma coisa!

Por João Paulo Batalha*

- Anda cá!


- Para quê?


- Vá lá!


- Mas para quê?


- Quero-te mostrar uma coisa!


Este diálogo é muito frequente na minha vida, nos dias que correm. Não tenho filhos mas estou naquela posição muito confortável de ter acesso permanente aos filhos dos outros – entre sobrinhos, filhos de amigos, irmãozinhos pequenos e primos (muito) mais novos. É uma posição muito confortável, digo eu e outros na mesma situação, porque podemos brincar com eles à nossa boa vontade, ensinar-lhes coisas que não se fazem – e passá-los para os braços da mãe na hora de mudar a fralda.

Por isso mesmo este diálogo é muito frequente na minha vida. Passá-lo a escrito tem um efeito estranho (já repararam que as crianças falam em exclamações e os adultos em interrogações?). Em primeiro lugar, “quero-te mostrar” não se diz. “Quero mostrar-te”, se faz favor – embora, em boa verdade, acho que nunca corrigi uma criança que me tenha dito isto. E não planeio corrigir. Há coisas mais importante em jogo.

As crianças nunca querem conversar connosco, mesmo quando acabam conversando. Querem sempre mostrar-nos alguma coisa. Ou contar-nos um segredo (o que, reconheça-se, não é propriamente conversar). Cada vez que um diálogo como este me interrompe a leitura do jornal ou a conversa com os crescidos lembro-me de outra coisa boa em ser criança: palavras leva-as o vento e não há como pôr a mão na massa.

Para mim, que trabalho a planear experiências para crianças, é uma lição valiosa. A mentalidade das mentes crescidinhas é demasiado verbal. Assenta demasiado nas palavras que lemos nos livros e nos artigos de jornal, ou nas palavras que ouvimos nas conversas que temos ou nos comentadores da rádio e da televisão. Ao ponto de nos fartar, quase irritar, tanta palavra atirada à rua. “A falar é que a gente se entende”. Sim, claro. Mas é a viver que a gente... vive! (bendito La Palisse!)

Tudo isto para dizer isto: porquê explicar se podemos experimentar? Porquê falar de uma coisa se podemos vivê-la? Palavras leva-os o vento. O desafio por isso, para mim que trabalho em contar às crianças histórias de gente crescida, é sempre o mesmo: sair da segurança escrita dos livros e saber criar, a partir desses indispensáveis livros, histórias que se possam tocar, onde se possa entrar – entrar fisicamente – mexer e descobrir. Contar histórias, sim, mas histórias que nos deixem puxar pelo braço dos miúdos e dizer-lhes: “Quero-te mostrar uma coisa!”.

*Formado em História, João Paulo Batalha é jornalista e fundador da Storymakers, uma empresa dedicada à produção de exposições, eventos e produtos culturais para crianças.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

As curvas de crescimento da criança

Por António José Guerra*

Os boletins individuais de saúde incluem tabelas de percentis referentes ao peso, comprimento/estatura (0 aos 20 anos), perímetro cefálico (0 a 36 meses) e índice de massa corporal (2 a 20 anos). A evolução da curva de crescimento estaturo-ponderal é um bom indicador do estado de nutrição e saúde da criança. No entanto, o modo como a curva progride ao longo da idade é por vezes gerador de ansiedade nos pais que gostariam de ver as curvas dos seus filhos evoluírem de preferência em percentis mais elevados do que aqueles em que ocorrem. Há alguns aspectos que vale a pena conhecer e que poderão tranquilizar os pais na maioria das situações.

Em primeiro lugar as curvas de percentis não são mais do que o modo como uma determinada população de crianças cresceu (no caso dos nossos boletins individuais de saúde as curvas foram construídas com base na avaliação de crianças norte-americanas avaliadas em vários inquéritos nacionais realizados entre as décadas de 70 e 90). As curvas representam assim, a distribuição percentual de valores referentes a parâmetros corporais (peso e estatura) de uma determinada população de crianças. Dizer que uma criança tem um comprimento no percentil 25, significa que na população usada como referência, 75 em cada 100 são mais altas que a criança em causa.

O segundo aspecto que importa conhecer é que o crescimento é um processo dinâmico e é portanto imprescindível ter uma ideia da evolução da curva, ou seja do modo como ela progride ao longo do tempo. Uma progressão estável (sensivelmente paralela às curvas de percentis) traduz um crescimento normal. Isso significa que uma criança no percentil 25 ou mesmo inferior pode não levantar qualquer problema, ao contrário de outra criança num percentil superior, por exemplo 75, mas que está a evoluir num sentido de cruzamento superior ou inferior das curvas de percentis.

O terceiro ponto é que as curvas tem o aspecto liso e quase que traçado a compasso porque tal resulta de manipulação matemática. Em boa verdade cada criança evolui geralmente ao longo do crescimento com uma curva em forma de linha quebrada, o que é normal, desde que a tendência seja no sentido grosseiramente paralelo às curvas de percentis como referi (isto é, desde que a tendência não seja no sentido do cruzamento de percentis).

Em quarto lugar, deve haver uma harmonia entre o crescimento do peso e da estatura. Como é de todos conhecido, a obesidade (com uma prevalência crescente também em Portugal) não é mais do que uma situação resultante da existência de um peso excessivo para a estatura. A sua prevenção é a melhor atitude, daí a grande relevância de os boletins de saúde infantil incluírem agora as curvas de percentis referentes ao índice de massa coropral, que não é mais do que uma relação peso para a estatura, (neste caso peso em Kg sobre estatura em metros2). O que importa é que a criança cresça proporcionalmente relativamente ao peso e estatura em percentis próximos, sendo sempre desejável que quando uma dos parâmetros tem ascendente sobre o outro, seja a estatura a situar-se num percentil superior relativamente ao peso.

O quinto aspecto que importa alertar relaciona-se com uma variação de amplitude das curvas de crescimento, superior à distância entre dois canais de percentis contíguos (ex, 25 e 50). Se essa oscilação é negativa (desaceleração de crescimento) poderá haver uma situação de ingestão alimentar insuficiente ou, o que será mais frequente, alguma situação de patologia (mesmo na ausência de sintomas). Se pelo contrário a variação é positiva, o que ocorre entre nós frequentemente com o peso, o que estará em causa será um suprimento alimentar que ultrapassa as necessidades energéticas da criança. É apenas nessas situações que será necessário identificar a causa da alteração do crescimento e intervir de modo a corrigir o mais precocemente possível o desvio encontado.

Sexto e último, as necessidades alimentares são uma característica específica e exclusiva de cada criança, ou seja para duas crianças da mesma idade crescerem de modo idêntico (mesmo peso, mesma estatura e mesma composição corporal), as suas necessidades alimentares são diferentes. Quer isto dizer que mesmo que os pais entendam que a criança come muito pouco, mas se as curvas de crescimento evoluirem a uma velocidade normal, não haverá seguramente nenhum problema. Mas se a criança comer muito e as curvas evoluirem inadequadamente, por defeito ou por excesso, então é aí que se tornará necessário intervir.

Em resumo as curvas de crescimento são uma ferramenta muito importante que nos permite apreciar o estado de nutrição e crescimento das crianças e que devem ser sempre avaliadas e interpretadas ao longo de todo o ciclo de vida pediátrico.

* António José Guerra é pediatra, especialista em nutrição infantil, e Professor da Faculdade de Medicina do Porto.