quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

A alegria da quadra, que remédio

*Por João Paulo Batalha

Faz parte de crescermos a constatação de que o Natal é quando o homem quiser, sim senhor, mas o homem acaba por só o querer uma vez por ano e por alguma razão será.

Na minha família alargada, entre irmãos e primos em vários graus, éramos uma ninhada numerosa. O Natal era uma ocasião (mais uma) em que se reunia a criançada toda, em que os embrulhos e os brinquedos se multiplicavam pela casa dos meus avós, em sacrifício do orçamento familiar e para júbilo sazonal da confederação do comércio.

Com a maioridade, pais e tios suspiram de alívio: passam a dar presentes mais comedidos – ou libertam-se com toda a justiça do encargo – e resignamos-nos todos à constatação de que o Natal com crianças é que vale a pena.

Pois vale. O Natal com crianças é a concretização do impossível. Num mundo em que nada é de graça (e num país ao qual “os mercados” ralham por gastar o que não tem), o Natal com crianças à volta é aquilo, exactamente, que lhes luz nos olhos frente a um embrulho invicto: é a magia de ter à frente algo estranho e desconhecido, ali posto para nosso usufruto sem custo nem esforço, pela única razão de que o mundo é um sítio bonito onde coisas mágicas geralmente acontecem. É um logro, sim, mas é como a paixão desenfreada ou o amor cego: um logro indispensável.

O meu primo mais velho percebeu que eu acreditava no Pai Natal numa idade em que, achava ele, já não devia acreditar. Matou-me o mito com uma troça impiedosa (expulsando aí, sabe-se lá, o amargo da sua própria descoberta). Eu, não querendo dar parte de fraco, fingi que era natural que afinal não houvesse um homenzinho modesto que passasse o ano todo no Pólo Norte a fabricar brinquedos para os distribuir numa única noite pelas chaminés do mundo inteiro. Fingi que era natural mas a lógica da coisa demorou a vencer-me.

Venceu-me. Chateia-me fazer compras de Natal. Embirro ver as lojas decoradas no início de Novembro. Preciso de ganhar balanço para a coisa – e ganhando, quando não vou demasiado em cima da hora, até acabo por gostar de escolher as coisas certas para as pessoas certas. É um carinho elementar que me agrada. E gosto de abrir as prendas lentamente, apreciar bem uma antes de abrir a outra. E dar, mais até do que receber.

Mas já não é a mesma coisa. Aliás, é exactamente o contrário do que fazia em miúdo, quando as prendas eram fáceis, grátis e corriqueiras, porque a própria magia era fácil, grátis e corriqueira. Aí rasgavam-se os embrulhos a correr e galopávamos de um para o outro. Três dias depois estava tudo destruído e tudo bem. Não custava a ganhar – que é uma expressão que a vida nos ensina a atirar aos outros com amargura e desprezo, depois de nos ter ensinado, às nossas custas, o que as coisas custam.

Afinal, raio de coisa, nada nos cai pela chaminé, temos de nos esforçar. E a magia não é automática e tudo exige trabalho e tudo se complica. A dificuldade dá outro sabor às coisas, claro. Um sabor maduro, que me faz abrir as prendas devagar e com cuidado, e estudá-las demoradamente, apreciar o carinho elementar de quem mas deu. 

Mas custa-me concentrar-me, porque o meu sobrinho de três anos está a resgatar com alarido um carrinho de brincar do embrulho que o oprime. O Natal com crianças é que vale a pena.

*Formado em História, João Paulo Batalha é jornalista e fundador da Storymakers, uma empresa dedicada à produção de exposições, eventos e produtos culturais para crianças. 


segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Das cidades e dos pássaros



Esta história não começa com “era uma vez”. E a razão porque esta história não começa assim é porque essa é a forma como se começa uma história que já aconteceu há muito tempo – há tanto tempo, que já nem nos lembramos de quando foi – e então dizemos “era uma vez”.

Não é esse o caso. Esta história aconteceu há pouco tempo, há bocadinho, ou está a acontecer agora, pode até estar ainda a começar ou não ter virado sequer a esquina. Mas nós já a sabemos. E então podemos contá-la.

Era então uma cidade igual a todas as outras. Como todas as cidades, tinha cores esta cidade. Era amarela e cor de rosa nas casas, vermelha nos telhados, tinha verdes inesperados, às vezes raros, e ruas escuras, que ficavam ainda mais escuras quando chovia. Mudavam as cores da cidade, consoante os dias, consoante o tempo. Mas ninguém se importava porque a seguir à chuva vinha o sol, depois da noite chegava o dia e as pessoas sabiam disso. Como sabiam disso, sabiam também que não havia nada de errado em rir e que também estava certo chorar. Porque as coisas só existem com os seus opostos e não há umas coisas mais certas que as outras.

E vivia assim esta cidade. Tinha dias bons e dias maus, pessoas boas e pessoas assim-assim, algumas pessoas más, outras simplesmente de mal com a vida. Mas vivia, a cidade, ia vivendo.

Nessa cidade, governada pelos adultos, havia também crianças.
Foram elas as primeiras a aperceber-se da mudança.

Ela veio devagarinho, talvez de noite, enquanto a cidade dormia. Chegou sem fazer barulho e começou a pintar as ruas, os prédios, os sorrisos, pintou tudo de cinzento. Era uma poeira fininha, quase imperceptível no início, mas que foi ganhando balanço, e assim, sem quase se aperceberem os habitantes da cidade, cobriu os dias, os gestos e as vozes.

Passou despercebida aos adultos, no início, mas não às crianças. Elas repararam logo no primeiro dia que as cores estavam mais baças e que os adultos tinham amanhecido com menos paciência, menos vontade de rir. Os gestos menos soltos, o coração menos livre.

Não tinham um nome para dar ao que se passava, as crianças. Mas os adultos, que precisam de nomes para todas as coisas, começaram a chamar-lhe muitas coisas. Crise, diziam alguns. Tempos difíceis, chamavam-lhe outros. Recessão, instabilidade, medo, insegurança. Havia sempre nomes para dar à onda de cinzento que atingiu a cidade. E quando os nomes não chegavam, arranjavam-se outros. Mais complicados, mas que diziam as mesmas coisas.

Só as crianças não entendiam porque se perdia tanto tempo a discutir a mesma coisa. Afinal, a vida tinha que seguir, bem ou mal. A roupa na corda tinha que ser apanhada senão vinha a chuva e havia outras coisas inadiáveis como o Natal ou os aniversários ou a vida.

E tentavam explicar isto, as crianças. Tentavam, mas às vezes saía-lhes mal. Saía em forma de birra. Ou então abriam a boca para pedir aos adultos que sorrissem mais, que tudo ia resolver-se e, enquanto resolve e não resolve, passam os dias e são dias perdidos, e era isto que queriam dizer as crianças, mas saíam-lhes trocadas as palavras.

Entre o que as crianças diziam e o que ouviam os adultos havia um desfasamento. Elas queriam dizer isto, falar da música e da alegria, pedir sorrisos e tempo. Eles ouviam pedidos de brinquedos caros e roupas de marca e DVDs e telemóveis. Não se entendiam, adultos e crianças.

E a culpa era daquela poeira cinzenta, com muitos nomes, todos feios.

Lembraram-se então as crianças de pedir ajuda aos pássaros. É uma coisa que se esquece quando se cresce, mas um talento que têm os meninos pequenos. Uma telepatia especial entre as crianças e os pássaros. Não comunicam por palavras, é tudo através do coração. Porque o coração dos meninos e dos pássaros é parecido: É pequenino, bate acelerado e sonha em voar.

Em segredo, as crianças pediram aos pássaros que furassem a poeira cinzenta e voltassem à cidade. Era Inverno e os pássaros não gostam de viajar com o frio. Mas não conseguiram ignorar o pedido das crianças. Chegaram já de noite e esperaram pela alvorada. E quando o sol raiou, cantaram. Cantaram à chuva, com as penas molhadas, enquanto a cidade acordava.

E os adultos apressados, como de costume, pararam e sorriram por uns instantes. Pelo inesperado dos pássaros pendurados nas árvores, a cantar fora de tempo, meses antes da Primavera. Sorriram um sorriso pequenino e surpreendido. Depois voltaram às preocupações habituais, porque às vezes é difícil deixar de vestir o casaco velho que pomos todas as manhãs e sair à rua com roupa nova. Mas sorriram.

Foram só uns instantes.

Mas o suficiente para as crianças ficarem mais descansadas por perceberem que os adultos não tinham esquecido como se fazia isso, de sorrir e ser feliz. Mesmo que só por um dia, ou até só por um instante.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Anos Incríveis: novidades em Janeiro!

Em Janeiro iniciam-se novos grupos de pais. Se tem uma criança com 3 a 6 anos e sente dificuldades em lidar com os seus comportamentos de desafio e/ou a sua enorme actividade motora, contacte:
anosincriveis.coimbra@gmail.com


Andreia Azevedo e Tatiana Carvalho Homem– Psicólogas, Doutorandas e Investigadoras
Maria João Seabra Santos e Maria Filomena Gaspar– Professoras da FPCEUC e Coordenadoras Científicas do Projecto

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Uma árvore de Natal enfeitada com boas ideias

Na véspera do 1 de Dezembro, inauguramos a época das festas n'O Bebé Filósofo.
E queremos abrir a porta a tantos quantos queiram entrar!

É enviarem então as vossas ideias, sugestões, pensamentos e reflexões, histórias e tudo o que entenderem que pode dar um bom post aqui no BF. Tudo para o mail e o Bebé Filósofo pendurará cuidadosamente na árvore, para que todos possam apreciar.

Porque os melhores presentes podem muito bem ser tão simples como... as boas ideias. 

E o melhor exemplo vem da Ana Catarina Pereira, uma mãe cheia de boas ideias, que já antes nos tinha enviado uma sugestão maravilhosa. Ora vejam agora esta:


"Junto envio-vos sugestão para divulgarem no vosso blog.....algo para fazermos com a nossa criançada.

Muito simples...rolos de papel higiénico pintados com guaches, meias velhas, partituras retiradas da net....e voilá um coro delicioso, na minha opinião."
 
 
Não é só na sua opinião, Ana Catarina. Nós também achamos delicioso!
Obrigado!






quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Síndrome de Sansão



Os meninos não deixam cortar as unhas dos pés porque acreditam, no íntimo acreditam, que toda a força lhes vem das unhas dos dedos dos pés. Os dedos dos pés dos meninos não são os dedos dos pés dos adultos (portugueses). Se assim fosse teriam um nome próprio, como gardias ou formias, que quisesse dizer unhas, mas dos pés, dos dedos dos pés. Os meninos são fortes e sobem escadas e dão saltos mortais, vão mais depressa do que o som, correm como o cavalo das asas, leves, rápidos, cheios de energia. Num livro de conselhos aos pais, desses que sai grátis com o sabão da máquina ou com as fraldas, estava escrito, naquela linguagem insuportável do PsicoSá, que as unhas dos pés se cortam a direito, de preferência quando o bebé dorme. Para abreviar era isto que estava escrito. Assim o menino acordou quando a mãe lhe cortava os pés. Isto é os dedos dos pés. As unhas dos dedos dos pés. A direito, enquanto dormia.
O menino nunca mais dormiu e a mãe não percebe porquê.
Tive que lhe contar a história de Sansão e Dalila. Sansão era muito forte e tinha uma longa cabeleira como a do pai do menino. Toda a força lhe vinha dos cabelos longos. Dalila dormia com Sansão. Incapaz de vencer Sansão pela força, o Império seduziu Dalila com a promessa de um lugar na próxima longa metragem. E durante a noite Dalila cortou os longos cabelos do amante adormecido, assim lhe tirando a força e a graça.
Acho que percebeu. Ainda não encontrei nenhuma mulher que não percebesse a desgraça de Sansão. Mas continuam a cortar os pés das crianças, rente às unhas, na calada da noite.


(Para o Planeta Tangerina)

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Eu, eles e os heróis!

Por Bárbara Wong*


Quando era pequena sonhava ser como a Super-Mulher! Igual! Rodar sobre mim mesma, dar duas voltas e transformar-me! Ter um fato elegante e patriótico (igualzinho ao dela, que isto de termos uma bandeira vermelha e verde, faria o fato perder toda a graça!), uma cintura de vespa e peito!

Mas, por mais voltas que desse, ficava tudo na mesma, as mesmas tranças, a mesma saia, as mesmas sabrinas e o mesmo ar de menina pequena, sem peito, sem rabo, sem nada… Ainda assim, a imaginação dá para muito, por isso, imaginava-me de olhos azuis, cabelo longo e encaracolado e pronta para combater as injustiças. E ele era pontapés, corridas e saltos!

Hoje, eles têm outros heróis, vibram e imaginam tudo tal e qual como nós quando tínhamos a sua idade e dão uns pontapés e uns socos valentes, também correm dos inimigos ou com eles e fazem os mesmos gestos que os seus heróis, sejam o Ben 10, o Homem Aranha ou outro. As meninas não têm a Super-Mulher, mas têm outras heroínas, sejam cantoras como a Hannah Montana (um bocadinho pateta, mas há sempre uma liçãozinha de moral a tirar) ou as Winx (que também lutam contra o mal, transformam-se e voam! Muito melhor do que a antiquada Super-Mulher que só corria e saltava…).

Os heróis fazem parte do nosso crescimento. São figuras de referência e o que nos fica da infância não são os pontapés, mas a ideia que lutam pelo bem e pela justiça, valores que queremos que eles tenham. Depois, é educá-los, é dizer-lhes que os problemas não se resolvem com pontapés, mas com diálogo. E eles aprendem, uns levam mais tempo do que outros, mas aprendem!

Confesso que ainda hoje gostava de ser a Super-Mulher, sobretudo ter os seus olhos azuis e a cintura de vespa! Mas mesmo sem estes requisitos, eu sou uma Super-Mulher: quem senão uma Super-Mulher faz, em duas horas, pequenos-almoços, lanches, prepara os miúdos para sair para a escola; faz o almoço, um bolo, deixa a mesa posta, prepara-se para sair e toma o seu pequeno-almoço? Só uma Super-Mulher! Porque, de seguida, há um dia de trabalho pela frente, sem fato patriótico, mas na procura de fazer a justiça e praticar o bem!

*Bárbara Wong é jornalista do Público, especializada em assuntos da Educação.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Estudar e fazer trabalhos de casa é a mesma coisa?

Por Maria José Araújo*

Há uma diferença muito grande entre fazer trabalhos de casa (TPC) e estudar.

Estudar tem de ter a adesão voluntária das crianças. Deve ser algo que elas percebam e por que se interessem. Perceber que conhecer, aprender e ter a possibilidade de participar no mundo de uma forma informada é algo estimulante, e as crianças gostam deste sentimento. Estudar é perceber mais e melhor... O conceito de estudar é muito confuso para as crianças e elas só o vão percebendo com o decorrer da escolaridade e à medida que se vão confrontando com outras situações – como, por exemplo, estudar a tabuada, estudar para um teste – e, mesmo assim, tudo isso depende delas. A função de estudar, não sendo uma operação muito concreta, é algo que não é muito claro para as crianças nem, provavelmente, para os adultos com quem convivem. Ou será ?

As crianças têm múltiplos interesses que são desprezados em função da “matéria escolar”. Todos sabemos disto – o que muitas vezes não sabemos é o que fazer para corrigir esta desatenção. Se se confundir TPC com estudar, estamos a dizer às crianças que estudar é aquele trabalho repetitivo, cansativo e mecânico que é proposto na maior parte dos TPC. É muito importante que se entenda isto, senão para alem de uns bons momentos de convívio ao fim do dia em casa com os filhos, é o conhecimento e a própria Escola que estamos a desvalorizar.

A maior parte das crianças não gosta de fazer “trabalhos de casa”, mas aceita a obrigatoriedade da tarefa mais ou menos pacificamente. Outras, contudo, manifestam-se. Apesar das dificuldades (não sabem fazer ou estão cansadas após um dia na escola), os “trabalhos de casa” aparecem sempre como alguma coisa que faz parte dos seus quotidianos, que está naturalizada e que, portanto, não se questiona - (...) temos de fazer todos os dias e muitos... Ou cuja realização é condicionada pelo medo – se não fizer a minha professora ralha-me (...).

Há, como sabemos, muitas formas de aprender e de ensinar, como há muitas de estudar. O acto de estudar, como de ler, não é de fácil de ensino. Para ajudarmos as crianças a perceber o que significa estudar, qual o significado de estudar, é preciso respeitar algumas regras que se prendem com o ritmo de cada criança e com a forma que cada um arranja para satisfazer a sua curiosidade. As crianças são todas diferentes e, portanto, têm formas diferentes de se adaptar e se interessar.

Precisamos de compreender que as propostas de trabalho que exigem estudo e esforço têm de ser sentidas pelas crianças como verdadeiramente importantes e suficientemente interessantes para que a elas adiram com vontade e para que as valorizem, para que as trabalhem com gosto. Caso contrário, mal comecem a ter alguma autonomia, deixam o estudo aprofundado de lado e fazem somente o mínimo necessário para passar de ano. É neste sentido, que não se pode confundir TPC e estudo. Quando se obriga a memorizar e repetir, estamos a impor uma concepção já programada e raramente as crianças aprendem a pensar, a pôr em causa, e isso não as ajuda a perceber e ficar com vontade de continuar.

* Maria José Araújo é investigadora da Universidade do Porto e autora especializada em tempos livres.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Este post é longo (mas fala de sexo)

O teu corpo O meu corpo E em vez dos corpos
que somados seriam nossos corpos
implantam-se no espaço novos corpos
ora mais ora menos que dois corpos


Que escorpião de súbito estes corpos
quando um espelho reflecte os nossos corpos
e num só corpo feitos os dois corpos
ao mesmo tempo somos quatro corpos


Não indagues agora se o meu corpo
se contenta só corpo no teu corpo
ou se busca atingir todos os corpos
 que no fundo residem num só corpo
Mas indaga sem pausa além do corpo
o finito infinito destes corpos


David Mourão-Ferreira

Eram seis da tarde e eu tinha oito anos quando dei o meu primeiro beijo na boca. No campo de futebol da quarta classe, à porta das casas de banho, jogava-se ao bate-pé. Eu e uma amiguinha da mesma idade emparelhávamos com dois rapazes mais velhos (nós éramos da segunda, eles eram da quarta). Aquilo não estava fácil para o meu lado.


A minha amiga já tinha entrado na casa de banho duas ou três vezes, sem bater o pé aos números que correspondiam ao beijo na boca com e sem língua e a variações mais elaboradas que incluíam apalpões fortuitos e consentidos. Eu dizia que sim ao abraço, beijinho na cara e pouco mais. O resto, tudo o que passava do número 3, obtinha, lá está, um bate-pé determinado da minha parte.


Ora, diziam as regras que só se podia bater o pé três vezes até se ser expulso do jogo e a minha amiga começava a fulminar-me com os olhos. Afinal, ela queria continuar a jogar e eu não podia sair de jogo assim, já que o meu par era irmão dela e, haja limites, ela não ia jogar com o próprio irmão e o coleguinha. Não, eu tinha que continuar. Portanto, assim estávamos nós, às seis da tarde. Mais uma nega minha e o jogo estaria arruinado (bem como a minha vida social no recreio da primária, concluí eu, prudentemente). Foi assim que ao novo pedido de beijo na boca (sem língua, não te preocupes) enchi o peito de ar e entrei na casa de banho com o meu experiente companheiro. Fechei os olhos com força, cerrei os lábios e preparei-me. Pronto, foi rápido, está despachado. Dificilmente se poderá chamar beijo ao que se passou, mas por qualquer razão, o rapaz gostou e destemido volta a agarrar-me para pedir “mais um, só mais um”. Para mim foi o limite.


Um pontapé certeiro, a porta aberta em par e eu atravesso a correr o campo da quarta para entrar esbaforida na sala de estudo onde se faziam os trabalhos de casa e de onde eu me baldava diligentemente todos os finais de tarde.


No dia seguinte, e contrariamente ao que eu pensava, o grupinho do bate-pé não tinha desistido de mim. Não houve grandes jogos, mas por alguma razão, acharam que eu merecia o investimento e então dedicaram-se a explicar-me os factos da vida. Não fizeram um grande trabalho, diga-se de passagem. Mas eu estava abismada. Tanto que resolvi dizer à minha mãe que ela que não se preocupasse, pois eu já sabia o que era “f….”. E para confirmar: “Já sei que o homem e a mulher ficam todos nus à frente um do outro e depois a mulher engravida”. A minha mãe estava virada de costas a fazer o jantar. Lembro-me que ficou suspensa por um instante e se virou lentamente enquanto dizia: “Não se usa essa palavra porque é muito feia. E falta aí uma parte…”. Minutos depois, como qualquer criança de oito anos, eu estava completamente horrorizada e enojada.


(eu nunca, nunca, vou fazer isso, jurei a mim própria).


Avancemos vinte anos. Eu estou grávida. É domingo e estou na ronha no sofá com a minha filha de dois anos. Tenho uma barriga de cinco meses e contei-lhe há pouco tempo que vai ter um mano ou uma mana. Estamos a ver televisão e oportunamente vejo que vai dar o documentário da National Geographic, “A Vida no Ventre”. Parece-me uma boa ideia, vê-lo com ela, assim pode perceber melhor o que se passa dentro da barriga da mãe.


Começam as imagens e dou conta da esparrela onde caí - raio, mas como é que me fui esquecer da concepção?- o ecrã mostra a explosão de espermatozóides em correria desenfreada por ali acima e a menina delira: Que é aquilo, mãe? Que é aquilo?!Hesito. E decido despejar tudo de uma vez. “Olha que boa ideia, assim ficamos despachadas”, ela fica a saber como se fazem as coisas e se crescer a saber isto nem lhe vai fazer confusão nenhuma.

Comecei a explicar, mas ela bloqueou na palavra espermatozóide “Diz outra vez o nome daquelas minhocas, mãe!”, e ria, ria, ria…


Eu continuava estoicamente, tentando ser científica, mas pedagógica, num mix infrutífero. Tão infrutífero que se passaram dois anos deste episódio e ainda há poucos dias ela me pediu “Ó mãe, não fiques outra vez grávida sem falarmos com a senhora das sementes... É que eu desta vez quero mesmo uma mana”. Eu engoli em seco e balbuciei qualquer coisa como “não peças à senhora das sementes (?!), tens que pedir ao teu pai”. E fugi a sete pés.


Haverá uma razão para eu estar aqui a partilhar estes episódios bastante humilhantes. Na época da pedagogia e da ciência, fala-se da importância da informação para uma sexualidade consciente. Certo. Isto não é assim tão novo. Eu estudei 15 anos num colégio católico e em meados do 8ºano nós já sabíamos que havia sessão pedagógica sobre sexo. Meninas para um lado com a directora de turma “É normal que os rapazes tenham curiosidade sobre as vossas maminhas”, e nós aos risinhos (stôra, têm mais curiosidade pelas suas) e depois a garantia de que estávamos elucidadas para podermos sair mais cedo e ouvir à porta da sala onde estavam os rapazes com um padre velhote: “Agora que começais a sentir o sabor dos primeiros beijos na boca..”. E nós a correr pelo corredor fora, aos gritos e a rir.


Eram tentativas honestas dos adultos. Bem intencionadas. De cuja eficácia eu duvido, tal como duvido dos conteúdos assépticos e politicamente correctos, leccionados na sala de aula.

Dizemos que as crianças de hoje são mais avançadas, mais precoces. Não são. Elas têm é mais acesso a conteúdos que os adultos lhes fornecem.


Em muitos casos, o objectivo desses conteúdos é vender qualquer coisa. Noutros casos, mais raros, o objectivo é informar ou formar. Em ambos os casos, são coloridos, apetecíveis e têm uma boa dose de marketing. E usam orgulhosamente expressões como “sem papas na língua” ou “sem tabus” para justificarem o seu vanguardismo e ausência de preconceitos. Que interessa se os miúdos querem ou estão preparados para tanta informação. Se a sabem digerir. Como esta exposição que eu não vou comentar porque não vi. A Bárbara foi e diz que está bem feita. Eu confio. Mas comento esta reportagem, após a qual fiquei em choque.


Ele é bonecos com línguas articuladas, preservativos insufláveis, perguntas insistentes aos meninos que não sabem o que dizer. Que modernos e desempoeirados. (e desculpem-me, é de mim ou esta luta do sexo “sem preconceitos”, não é tão anos 90?). Horroriza-me o ar dos miúdos nesta reportagem. Tão incomodados, e a jornalista a perguntar “mas achas que dói?” e eles lívidos sem saber bem o que dizer. E mais de uma vez ouve-se “não sei nem me interessa”.


Parece-me uma súplica: mas porque me trouxeram aqui se eu só queria jogar à bola?

E fico a pensar. Nada contra explicarem às crianças de onde vêm os bebés. De forma informada e correcta. Está tudo muito bem. Mas arrepiam-me estes títulos “Sexo?.. e então?”.

Porque então… tudo.

Fica a faltar tudo.

Eu guardo para os meus filhos aquilo que acho que as crianças deviam saber. Quando perguntarem. Não antes disso. Que pressa temos nós de os encharcar em informação! Não sei se eles quererão ouvi-lo da minha boca, mas deixo na net. Pode ser que daqui a uns anos quando procurarem “sexo” no Google aqui venham dar e corem de vergonha com as palavras da mãe, mas qualquer coisa fique lá dentro.

É que eu não sei se confio nesta Educação Sexual politicamente correcta, com cheiro a desinfectante e látex.


E então falo para eles:



Eu tenho a certeza de que não é preciso veres exposições com bonecos articulados para saberes dar um bom beijo de língua. E não, não é nojento. Pode ser mesmo bom. Às vezes não é bom, mas isso é sinal que estás com a pessoa errada. Ou que és tu a pessoa errada para aquela pessoa. Às vezes só percebemos isso no dia seguinte. É confuso, mas assim são as coisas boas da vida… confusas, difusas. E sim, é bom teres toda a informação. Protege e respeita o teu corpo e o da outra pessoa. No momento decisivo o critério será o teu. Não te ponhas em situações de risco. Não vale mesmo a pena. E também não dói, necessariamente, lá está, se estiveres com a pessoa certa e estiveres preparada. Mas vai haver momentos em que não tens a certeza se é a pessoa certa. A verdade é que ninguém sabe bem, mas a maneira como o corpo se comporta é um bom indício. Vale a pena esperar porque há coisas que se calhar não vais compreender aos 14, mesmo que os Morangos com Açucar te pareçam tão adultos e conhecedores (são actores mais velhos a fingir ter a tua idade, sabias? e as palavras que dizem foram escritas por adultos).


Acima de tudo espero que descubras a poesia. Porque nas palavras inspiradas vemos como pode vir da carne o desejo, a paixão, o amor. É assim que deve ser. A vontade de agarrar e ser agarrado. Os dedos que queimam quando tocamos em quem amamos. As noites passadas acordado a pensar na outra pessoa, a música deprimente. O não querer adormecer só para ficar a olhá-lo mais um bocadinho. E um dia, anos depois da avalanche de hormonas, dás por ti a trocar fraldas, mas já não tens tempo de trocar poesia. És adulto, de repente. E fazes um ar entendido e falas sobre a importância da sexualidade consciente e alertas os adolescentes e as crianças de forma pedagógica. E crias exposições interactivas onde se leva os meninos ao fim de semana. E decides tu o timing em que se deve falar de sexo e como. E falas muito mas não fazes assim tanto. Porque em casa, já te esqueceste do fogo e agarras-te à ciência porque já não sabes dissertar sobre os mistérios do amor e da paixão. E usas a desculpa de que as emoções são subjectivas e é muito complicado e os meninos precisam de mensagens simples.


Mas isso é porque os adultos não sabem tudo. Porque se soubessem, arranjavam tempo e espaço. E se calhar descobriam que eles próprios também precisavam de alguma Educação Sexual ao longo da vida. Ou de ler um poema do David Mourão Ferreira de vez em quando, e de ter vontade de namorar mais.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Começar a estudar, desde já!

Por Bárbara Wong*



O novo ano lectivo começou há poucas semanas. Depois das apresentações e das revisões da matéria dada no ano anterior, os primeiros testes já estão marcados e os trabalhos já têm prazo de entrega. Eles ainda têm memórias das férias, volta e meia ainda há um dia ou outro que lembra a praia, o dolce fare niente, as tardes de leitura ou de jogos intermináveis.

Mas não! A rotina está aí, as aulas e as centenas de actividades extra-curriculares. E se estas últimas são às centenas, então, o melhor é desenhar um horário onde se meta tudo o que a criança tem e ver em que horas é que pode estudar e quantas sobram para brincar ou, pura e simplesmente, não fazer nada. As últimas são importantíssimas.

Antes que a escola recomende aos pais para se sentarem ao lado dos filhos, para supervisionarem se os trabalhos de casa estão a ser feitos. O melhor é anteciparmo-nos e fazermos isso mesmo. Não ficar só pela pergunta, gritada da cozinha: “Tens trabalhos? Já fizeste?”, mas ir lá ver se existem, se estão feitos e se têm um ar de resposta completa e não de qualquer coisa que se tirou das soluções, vindas no final do livro.

Eu sei, ao fim do dia, os pais estão cansados e a escola e os trabalhos de casa podem ser motivo para conflito com os filhos, uma guerra que se quer evitar. Mas não pode ser! Há que respirar fundo e manter a calma. Afinal, o ano é para começar com o pé direito e levá-lo pelo melhor caminho possível.

Além disso, os filhos gostam, mesmo que não o admitam, que os pais se interessem pelos seus assuntos, que os acompanhem, que os “chateiem”, que estejam ao seu lado a apoiá-los e apoiar não é fazer o trabalho, é ajudar a descobrir a resposta, a fazer pesquisa, a procurar e não “chega-te para lá que eu faço isto, que é muito mais rápido!”.

É impossível prometer que serão horas bem passadas, mas serão certamente horas que vão ajudá-los a conseguir melhores resultados.

*Bárbara Wong é jornalista do Público, especializada em educação.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Este post nasceu comentário...

... mas o Bebé Filósofo gostou tanto que resolveu dar-lhe as honras devidas e publicá-lo aqui.
Obrigada, João Colaço pela sua história, pela perspectiva que nos trouxe. Continue(m) por aí!

Por João M.S.Colaço*



Belo texto, que me fez acordar para um tempo em que meus pais andavam atarefados, mas deixavam aos filhos a missão de se cuidarem.

Belos tempos em que o meu infantário era numa seira de palha ou cana, que era transportada na carroça da vaca e que depois era depositada na "cabeceira" da leira de terra onde os meus pais se envolviam na tarefa do amanho da terra que nos havia de recompensar com a produção agrícola que nos mitigava a fome.

Se estava sol, por cima da cesta era colocado um enorme guarda chuva que me fazia sombra e quando começava a desaparecer a sombra, logo vinha uma mão amiga, rodar o mesmo.

Se eu chorava, logo sabiam o que criança queria, e se tivesse a fralda molhada logo era substituida por outra e guardada a suja para meter em casa na barrela.

Se a criança chorava mais forte, logo vinha a mãe que, pelo caminho apanhava uma folha de couve bem verdinha para lhe limpar o rabo...

Os dias foram passando, esta criança foi crescendo neste belo infantário, até que começou a ter contacto com a terra onde começou a pousar os joelhos. Ela apanhava um punhado dessa terra, cheirava-a e levava-a à boca para a saborear e nesse momento logo vinha um dos pais aflitos limpar a boca ao menino.

Foi, fazendo castelos com a areia da leira, areia essa que lhe daria o alimento que ela tanto viria a necessitar, e ouvindo a música celeste produzida pelas centenas de pássaros que com ele vinham brincar e tagarelar também. Se fosse Inverno, a casa de uma vizinha já idosa, era o local onde a criança ficava,onde sentada no borralho, ia aprendendo outros segredos da vida e ouvindo histórias fantásticas.

Foi neste infantário fabuloso,onde havia animais de toda a espécie, com os quais o menino partilhava o espaço, que esse menino foi crescendo,até ir para a escola primária.

Uma escola linda, onde ele teve medo de entrar no primeiro dia de aulas.

A mãe e o pai foram com ele, para lhe ensinarem o caminho, mas no fim do dia de aulas, já o não foram procurar, pois ele já sabia o caminho para casa.

Um dia e outro e, mais outro, e chegou o dia em que o menino teve que ir fazer exame da 4º classe à escola da vila.

Parecia um príncipe, com camisa branca, um fato novo de casaco e calções,sandálias e meias compradas só para esse dia.O pai acompanhou-o, esperou pelas provas e aqui já era necessário ele começar a conhecer outros espaços, que seriam a sua segunda casa nos próximos anos, durante grande parte do dia.

Ali ao lado da escola, havia o colégio, um monstro onde este menino deveria começar a esgrimir a sua pesada espada, para se fazer homem.

Como as aulas começavam logo em tempo de chuva, lá ia ele com um saco de adubo vazio, dobrado ao meio e enfiado na cabeça, como uma capucha serrana, pois não havia dinheiro para lhe comprar uma gabardina, levando na mão uma pasta de cabedal onde carregava só os livros e cadernos para as disciplinas que teria em cada dia.

Assim este menino foi crescendo, brincando sempre em contacto com a natureza e se foi fazendo homem até ao momento em que foi servir a nação como militar.

Foi militar, andou na guerra do Ultramar, e fixou-se nessa cidade, onde todos são surdos e mudos e ninguém se conhece. Mas, apesar de tudo,ali constituíu família e ali procriou, sem ter tido a possibilidade de dar ao seu filho o prazer de andar pelas poças da água descalço e a chapinhar, de meter as mãos na terra e cheirá-la e saboreá-la, de viver na companhia da passarada, pois na cidade até estes fogem do ser humano. Ali fez a sua vida, ali criou seu filho e quando chegou a hora de ter que abandonar o seviço, pois já havia cumprido uma missão a que se entregou de alma e coração, regressou à sua terra natal, onde reiniciou muitos dos rituais por que havia passado enquanto criança.

Como seria bom que aquele belo infantário ainda fosse hoje aproveitado e para os que já estão em provecta idade, este espaço se transformasse agora num centro de apoio à terceira idade.

Depois da realidade, aquele menino continua agora a sonhar!


* João tem 63 anos de idade e é aposentado, colocou este texto originalmente como comentário ao post "O Bairro do Amor".

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Trabalham as crianças tanto como os adultos?

Por Maria José Araújo*

Em Portugal, as crianças que frequentam o 1.º Ciclo do Ensino Básico trabalham 5 horas na sala de aula (25 horas por semana). Depois têm actividades extra-curriculares ou de enriquecimento curricular e, ainda, os trabalhos de casa.

Tudo somado as crianças trabalham cerca de 7/8 horas diárias em função da socialização escolar. Um adulto trabalha cerca de 7 horas e meia por dia (37,5 a 40 horas semanais). Olhando para o tempo médio de um adulto e de uma criança, percebemos que as crianças trabalham no seu ofício de alunas tanto quanto um trabalhador adulto.

Para uma criança, o trabalho escolar, com tudo o que ele comporta de actividade, representa o exacto equivalente ao trabalho profissional de vida de um adulto. Mas enquanto a duração do trabalho profissional exige um grande descanso para a maioria dos adultos, o trabalho escolar é cada vez mais desenvolvido dentro e fora da sala de aula. Há mais de 20 anos que se fala de excesso e de malefícios físicos, psicológicos e morais para as crianças. A cultura escolar sobrepõe-se à cultura lúdica e é “imposta” na maior parte das actividades que são propostas às crianças e aos jovens no seu tempo livre, um tempo que não tem sido considerado como um tempo de descanso ou como um tempo em que eles possam escolher o que fazer. As actividades de lazer no tempo livre têm sido banidas, salvo se houver um feriado ou férias. A psicologia da infância e da adolescência, assim como as ciências da educação e a sociologia da infância, têm denunciado e reagido a este regime de trabalho escolar, que continua não só a ser praticado como até a ser desenvolvido, vulgarizado e disseminado.

As crianças vão reagindo inventando formas múltiplas de resistência a um trabalho cujo sentido não é explícito e muitas vezes é excessivo e cansativo. Não é tanto só a quantidade que é problemática (pois as crianças gostam de ter que fazer), mas por ser uma tarefa repetitiva, uma actividade constante que não vai ao encontro das realidades culturais e cognitiva e às motivações das próprias crianças, entre outras razões.

Na verdade, a escola é muitíssimo importante, mas depois das aulas as crianças têm de fazer outras coisas.

Têm de brincar e descansar.



Maria José Araújo é investigadora da Universidade do Porto

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A Pediatria


Por Luís Januário, presidente da Sociedade Portuguesa de Pediatria*

Vivemos os tempos conturbados de uma crise mundial que alguns querem reduzir aos aspectos quase caricaturais da política nacional mas que é uma crise civilizacional, cujas causas, dimensão, profundidade escapam ao indivíduo comum mas que é seguramente demorada, com reflexos na comunidade que somos e sem saídas visíveis.

O Estado emergente da segunda guerra mundial e do triunfo das democracias esboroa-se, sem que se vislumbrem propostas que assegurem que as suas funções mínimas - nomeadamente na saúde, educação, justiça - serão substituídas por modelos capazes de assegurar o bem estar geral, o respeito pelas minorias, a igualdade de oportunidades.

O ser humano, asseguram os neurobiólogos, é incapaz da visão de médio e longo prazo.

A civilização da ilha da Páscoa derrubou até à última árvore para levantar as estátuas das divindades, os maias desmataram as florestas, os habitantes do Chaco Canyon não resistiram à alteração ambiental que ajudaram a produzir.

Por outro lado o nosso cérebro produz permanentemente imagens, uma construção autobiográfica, uma falsa causalidade entre eventos díspares, dominado por uma compulsão para dar explicações, encontrar uma razão profunda na vida - mesmo quando nenhuma razão, nenhuma coerência, são prováveis.

Nenhum privilegiado renunciará ao que considera o direito adquirido, mesmo que este o tenha sido pelo roubo, o engano dos crédulos.

Destruiremos as florestas como os habitantes da ilha da Páscoa, e nenhuma memória do passado nos salvará enquanto alguns beneficiarem alguma coisa e a turba não sentir a fome, a miséria e a doença (que é um pouco diferente de “o povo sentir as dores do governo”).

É neste cenário de fim de festa que crescem a crianças da Europa, de maneira desigual consoante a cena decorra na Calheta ou em Cascais mas todas unidas na contracção demográfica, na superioridade relativamente aos mais fracos, no desconhecimento e no medo do Outro (seja ele o cigano, o árabe ou o subsahariano).

No caso português é importante juntar a estes factos outro, mais antigo e mais importante: muitas das nossas crianças são pobres. Somos o país europeu com mais pobreza infantil e onde os factores de stress económico são mais importantes tais como os de privação material (condições materiais de vida, habitação, posse de bens duráveis, capacidade de obter as necessidades básicas).

Só conseguiremos responder às questões das crianças e das famílias se juntarmos à nossa visão especializada uma outra, de carácter global, sobre a infância.

Nos dias de hoje essa visão não pode ignorar as alterações sociais que criaram uma sociedade de filhos únicos, na cidade de betão sem passeios nem quintais, com creches e ATL,s impondo ritmos que, como veremos neste congresso, são muitas vezes mais exigentes do que os impostos aos adultos empregados.

Dez por cento das crianças entre os 9 e os 17 anos têm problemas de comportamento. Os problemas de comportamento atravessam todas as idades e são o motivo explícito ou o não-dito de muitas consultas.

Os avanços tecnológicos informatizaram os serviços muitas vezes na perspectiva da facturação.

A facilidade de contacto com colegas de outros centros e de outros países e o acesso on line à informação tem uma contrapartida: muitos pais também procuram informação na rede, tornando a questão da administração da informação e da comunicação uma exigência.

A profissão de pediatra é hoje exercida no feminino.E as mulheres trazem ao exercício profissional um repto: como conciliar a família com a carreira?

O Serviço de Saúde modificou-se. Na crise económica um sector que parece rentável é o da saúde. Os capitais privados investem na saúde criando uma competição que seria saudável se não enfraquecesse o SNS, capturasse mão de obra especializada após mais de 20 anos de elevado investimento e num ambiente em que as regras de respeito pela carreira médica- e a própria noção de carreira médica- foram congeladas.

O que procurámos fazer foi assegurar a centralidade destas questões, promover a investigação e a formação, a ligação à investigação antropológica, linguística, biológica, sociológica, filosófica.

Crentes de que, se houver resposta, ela terá de ser encontrada nas nossas baixas origens, como dizia Darwin, na nossa animalidade, que está paradoxalmente próxima da natureza e da divindade.

Acabo como comecei: quando deixo o meu cérebro à solta ele dá-me, apesar dos tempos cinzentos, uma mensagem de optimismo. Não interessa que este optimismo seja, ele também, sem ligação com a realidade, apenas uma manifestação mais da pressão selectiva da evolução. Os meus antepassados optimistas foram bafejados na lotaria genética da procriação e é a eles que agora agradeço esta característica, que sei partilhar com muitos de vós e em última análise nos reúne aqui hoje.

* discurso de abertura do 11º Congresso Nacional de Pediatria que decorre até 8 de Outubro no Funchal e reúne mais de 700 pediatras.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Bebés devem viajar semi-sentados desde o primeiro dia...

... e virados para trás até aos 3 ou 4 anos.


Recomendação da Direção Geral da Saúde

Segundo uma actualização publicada no sítio oficial da DGS referente às regras de transporte de crianças em automóvel desde a alta da maternidade, “o recém-nascido deve viajar semi-sentado desde o primeiro dia”, num sistema de retenção apropriado, salvo raras excepções. Assim, as alcofas só devem ser usadas em casos especiais, como o de recém-nascidos prematuros, segundo recomendações da Sociedade Portuguesa de Pediatria.

Do mesmo modo, as crianças até aos três ou quatro anos devem viajar voltadas de costas para o sentido de trânsito. “Caso seja mesmo necessário, só a partir dos 18 meses será admissível que a criança viaje virada para a frente”, sublinha a recomendação.

O mesmo documento, citado pela agência Lusa, refere ainda que só com estas posturas se consegue, em caso de acidente, a devida protecção da cabeça, pescoço e região dorsal. A autoridade de saúde lembra que os sistemas de retenção, designados por cadeirinhas, reduzem entre 90 a 95% os casos de morte ou ferimentos graves em crianças.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

20 anos

No dia em que se assinala os 20 anos em que Portugal ratificou a Convenção dos Direitos das Crianças, a notícia da agência Lusa:

"As crianças portuguesas são cada vez menos livres e menos autónomas, mas capazes de comandar a família, defende a Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP) , lamentando a falta de tempo e espaço para os mais novos de hoje brincarem.


O presidente da SPP assume a dificuldade em falar do estado da infância em Portugal pela disparidade de realidades, mas considera que a sociedade atual é feita de "adultos egoístas e infantilizados e de crianças sabidas".

"O pequeno ditador saiu dos livros para a realidade, hiperativo e desatento, decidindo os consumos da família, inundado em calorias, com televisão no quarto e 'playstation move' na sala, uma das únicas oportunidades de atividade física", comenta Luís Januário à agência Lusa.

Duas décadas depois de Portugal ter ratificado a Convenção sobre os Direitos da Criança, data que se assinala amanhã, o pediatra retrata as cidades portuguesas como um obstáculo às brincadeiras na infância.


Cidades perigosas


"As cidades foram bombardeadas pela união nacional dos autarcas e dos empreiteiros que liquidaram os quintais, as matas, os olivais, os pinhais, as praças e os terreiros. As ruas e as passadeiras são perigosas e os passeios estão destruídos ou transformados em parque automóvel", descreve.


Também o conceito de tempo livre tem sofrido transformações, com a redução dos períodos para brincar e sem que as crianças sejam ouvidas.


Também a psicóloga clínica Lara Constante vê a "demasiada estruturação dos tempos livres das crianças" como uma diferença marcante em relação há 20 anos. "A maior parte das crianças que acompanho tem um horário muito sobrecarregado de atividades, algumas sem um único dia verdadeiramente livre, em que possam brincar como entendam, criar, desenvolver-se", conta.


Falta de criatividade


Mesmo os tempos fora da escola são demasiado estruturados. Fica assim a faltar criatividade nas brincadeiras e capacidade para inventar o que se faz no tempo livre.

"As crianças tornaram-se também mais dependentes, mesmo nas brincadeiras. Têm mais dificuldade em relacionar-se socialmente e em verbalizar os afetos", acrescenta a psicóloga infantil.

Há 20 anos, a vida familiar era diferente e havia uma comunidade próxima mais disponível para ajudar a ir educando as crianças.


Culpabilização pela falta de tempo

Atualmente, a sobrecarga profissional dos pais e de muitos avós fá-los ceder mais facilmente à imposição dos filhos, enquanto a culpabilização pela falta de tempo é trocada por presentes: "Nota-se uma grande dificuldade em estabelecer uma sintonia entre mimo versus regras".

Contudo, em duas décadas a criança beneficiou também da evolução da sociedade.

"O ensino pré-escolar é frequentado por um número cada vez maior de crianças. Entrar numa escola aos três anos traz muitos benefícios, até porque é a altura em que se começa a desenvolver o relacionamento social", refere Lara Constante.

Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 1990/91 a educação pré-escolar não obrigatória abrangia cerca de metade das crianças entre os três e os cinco anos, enquanto em 2007/2008 já cobria 80%.

Diferentes realidades

Luís Januário alerta porém que há pouco de comum entre uma criança de um colégio privado no Porto ou Lisboa e outra cuja escola encerrou numa aldeia em Lamego.

"Há pouco em comum entre uma das 10 mil crianças institucionalizadas e uma outra vivendo com uma família que a estima. Entre uma criança com os pais desempregados e outra com pais economicamente estáveis. Entre um filho de emigrantes de uma minoria linguística e outro cujos pais escrevem em português segundo o novo acordo ortográfico.

Entre uma criança negligenciada ou maltratada e outra que é acarinhada", exemplifica. "

terça-feira, 14 de setembro de 2010

O Bairro do Amor


“Para criar uma criança é preciso uma aldeia inteira”

provérbio africano


Há coisas que só percebemos quando, de repente, sem estarmos à espera, olhamos em volta e tudo faz sentido. Eu não gosto de fazer planos, antes imaginar que ando ao sabor do vento e do destino. Esta filosofia, se assim se pode chamar, tem, obviamente, muitas falhas. Porque a verdade é que, mesmo inconscientemente, acabamos por procurar aquilo que queremos. Podemos é fazê-lo de forma tão despistada que nem damos por isso. E ser surpreendida com os resultados.

Foi o meu caso. Um dia, por uma sucessão de acontecimentos que simplesmente encaixaram uns nos outros, dei por mim a mudar de casa. Uma casa sobre a qual tínhamos feito uma reportagem uns anos antes e que não me saia da cabeça. Ao telefone eu comentava com uma amiga que um dia gostava de viver ali. Ela disse: “olha, ouvi dizer que está disponível”. Menos de um mês depois eu e o meu marido estávamos a mudar as tralhas.
Dois dias antes de começarmos a carregar caixotes, descobri que estava grávida. A minha barriga e o meu bebé já iam crescer ali.

É uma terra pequenina. Todos os dias quando saio de casa e cheira a mar, tenho a sensação que estou de férias, sem estar. Ao início estranhei a senhora da farmácia a perguntar se eu andava a tomar as vitaminas pré-natais ou os “bom dia” e “boa tarde” repetidos a cada 5 metros quando passeava na rua. Cresci e vivi no centro de Lisboa até me casar e o anonimato da cidade sempre foi das coisas de que mais gostava. Nunca me imaginei a viver de outra forma.

Até virem os bebés. Ela primeiro. E eu que não queria mandá-la para a escola antes dos três anos, constatei, ainda não tinha passado um ano, que não ia ter alternativa. Corri uma série de infantários. Uns tinham chão aquecido nas salas, outros, hortas biológicas ou piscinas de bolas. Todos cobravam mensalidades de (muito) mais de metade do meu ordenado. Em todos, durante os vinte minutos da visita, ouvi bebés a chorar, sempre os mesmos bebés, à espera de colo de alguma educadora ou auxiliar atarefada.
Mais uma sucessão de acontecimentos felizes e acabei por entregar a minha bebé ao único infantário onde não havia vagas, nem chão aquecido, nem luxos tecnológicos. Havia boa vontade, colos disponíveis e, mais importante, havia amor.
Tive muita sorte.

Como devia acontecer em todas as escolas, aqui as mensalidades são calculadas em função do rendimento dos pais. Como devia acontecer em todas as escolas, aqui todas as funcionárias desde a limpeza, às cozinheiras, passando pela directora, sabem o nome de todas as crianças. Como devia acontecer em todas as escolas, aqui há comida saudável e boa, feita, não por uma empresa, mas por cozinheiras a sério que mandam vir do talho carninha boa para os meninos e misturam maçã cozida na papa dos bebés. Como devia acontecer em todas as escolas, há regras e rotinas diárias, mas há também excepções, e meninos, que em vez de estarem na sala, andam a passear ao colo da directora pela escola fora, porque nesse dia estão mais tristes e há que lhes dar atenção especial.

E há música desde o berçário e, à medida que crescem, ginástica e ballet e natação. Tudo dentro do horário escolar, que a partir das cinco da tarde o trabalho das crianças é brincar. Não há muitos luxos, não é preciso. Há tudo o que as crianças realmente querem nestas idades: atenção, carinho, segurança. E há uma família na escola, de braços abertos para a família de casa.

Sei hoje que tive muita sorte. Ainda não tinha a ecografia do primeiro trimestre e o bebé número dois já estava matriculado. Lá anda ele, de colo em colo. A mais crescida chegou a chorar nas férias com saudades da escola. Até eu já tinha saudades do cheiro a sopa às 9 da manhã e o carrinho com maçãs cortadas para a merenda a passear pelas salas.

Levo os dois de manhã, um ao colo, a outra pela mão, o cão pela trela. É só subir a rua e estamos lá. À tarde, descemos a rua. Às vezes vamos até ao jardim, outras eles ficam a andar de triciclo e bicicleta na rua, com outras crianças do prédio e da escola. Ou apanham a senhora do quiosque que lhes dá beijinhos e bolos. No café ao fundo da rua, há outra senhora, com o mesmo nome da mãe, que põe a menina atrás da caixa registadora ou a leva para a cozinha para ajudar a fazer bolos.

Dizemos “bom dia” e “boa tarde” a cada cinco metros enquanto andamos na rua. E eu penso que, mesmo sem planear nada disto, não podia ter resultado de forma mais perfeita.
E tremo ao pensar que um dia eles vão sair e descobrir que o resto do mundo não é todo assim.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Gravidez não é doença (a não ser na Suécia)


Por Patrícia Lamúrias*

Gravidez não é doença. Não há grávida que não oiça a frase. Ao mínimo sinal de desconforto, ao simples desabafo sobre a vontade de nada fazer, à mais pequena hesitação sobre se deveria ou não executar alguma tarefa mais complicada, lá vem a frase batida: gravidez não é doença. Pois não. Gravidez não é doença, quer dizer, até é, mas ao contrário.

Eu explico: estar grávida é uma sensação estranha, ficamos expectantes sobre o que está a acontecer no nosso corpo, só conseguimos pensar naquilo, parece que mais nada no mundo tem importância. Não é assim que muita gente se sente quando está doente? Só que quando estamos grávidas tudo isto é por uma boa causa. Daí que seja doença, mas ao contrário. Em bom.

Porque estar grávida muda tudo. A cabeça depressa se perde em pensamentos sobre bebés minúsculos e indefesos que vão depender de nós e quase só de nós, roupinhas fofinhas, quartos cores de sugus, fraldas e cremes nunca antes vistos, mamas a deitar leite, noites que nunca mais vão ser iguais, o corpo a abrir-se e gritos de dor, a vida toda de pernas para o ar. E será que vai correr tudo bem? Será que eu vou estar à altura? Será que sou capaz? Será que é tão bom como dizem? Será que é tão mau como pintam? São milhões de perguntas (quase todas sem resposta) que vão e vêm todos os dias, a toda a hora, ao mesmo tempo que o corpo muda e dá sinais que nem sempre reconhecemos.

E isto é mau? Não. É óptimo. Maravilhoso. O maior desafio de uma vida. Mas seria melhor se nos pudéssemos concentrar ainda mais neste estado diferente de todos os outros. Não digo deixar tudo para trás e não fazer mais nada durante nove meses (se bem que até era bastante agradável), mas ter oportunidade de reduzir o horário de trabalho ou de ir para casa um mês ou dois antes da data prevista para o parto. É que ter um filho dá mesmo muito trabalho e, afinal, é um bem que estamos a fazer ao mundo. O mundo precisa de crianças!

Ter lugares nos transportes (depois de ter que pedir), deixarem-nos passar à frente na fila (ainda que com má cara) ou ter lugar para estacionar no shopping (quando não estão abusivamente ocupados) é muito útil mas não chega. Trabalhar com um bebé na barriga é complicado. Nem a cabeça nem o corpo ajudam. E ter um bebé nos braços sem ter pensado e amadurecido bem a ideia, sem ter descansado o suficiente, sem ter preparado toda a logística necessária também é complicado. Nada ajuda.

Há mulheres que conseguem fazer tudo. Não me admiro. Somos todas diferentes. E há quem goste e faça questão de dizer a toda a gente que quer trabalhar até ao dia do parto. Eu estive de baixa nos dois últimos meses de gravidez e foi o melhor que me podia ter acontecido. Tirando o susto inicial de que a minha bebé poderia nascer antes do tempo, foi óptimo. Praticamente não me podia mexer e mal saí de casa, mas era exactamente isso que eu estava a precisar. Concentrei-me em mim, nas mudanças. Ouvi o meu corpo. Senti a gravidez. E quando chegou a hora senti que estava mesmo pronta.

Eu sei que isto (para já) parece impossível. Que a discussão ainda está em ter uma licença de maternidade decente, em não se ser despedida por estar grávida. Mas, andei a pesquisar e, felizmente, não estou sozinha na luta. A União Europeia já lançou a discussão em 2009, com os seguintes argumentos: «proteger a mulher de qualquer pressão do empregador» para «evitar o risco de partos prematuros» (que, como se sabe, estão a aumentar), e «proteger a mulher da fadiga do trabalho e dos transportes».

A conversa não terá dado ainda grandes frutos, mas é um começo. Para alguns, que outros já vão bem adiantados, como a Suécia, que prevê uma licença pré-natal de oito semanas e possui um sistema de licença parental flexível que pode ser transferido para o pai da criança e ir até às 75 semanas. Lá chegaremos. Acredito.


*Patrícia Lamúrias é mãe e jornalista na revista Pais e Filhos.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Regresso às aulas



Por Bárbara Wong*

As férias terminaram e Setembro já começou. Se antes de ir de férias não o fez, então agora é a altura certa: uma limpeza ao local de trabalho dos mais novos, de preferência com eles, para que aprendam a fazê-lo sozinhos, para que não estejam constantemente a perguntar aos pais onde é que está isto ou aquilo – eles sabem, eles arrumaram, lembram-se?

A limpeza serve para guardar os cadernos do ano lectivo passado, os livros (deixar apenas os das disciplinas cuja matéria é sequencial, as gramáticas, dicionários e outros livros auxiliares), e deitar fora o restante material obsoleto (as canetas que já não escrevem, os lápis partidos, os pedaços de borracha, etc).

Feita a limpeza é possível escrever uma lista do que é preciso comprar e que será muito pouco, porque os maiores pedidos de material vêm das disciplinas de EVT e Educação Física e, se a criança não tiver perdido ou estragado, esse material pode passar de ano para ano, até ao secundário!

Logo aqui é uma grande poupança porque não precisa de comprar todos os anos os pincéis, godés, lápis de cera, réguas e esquadros, etc; provavelmente terá que comprar canetas de filtro, guaches, cola e as sapatilhas para a ginástica porque a criança cresceu.

O menino quer um estojo do herói em voga, mas o do ano passado está bom. É uma questão de explicar isso mesmo e se tem que comprar novo material evite a Dora, a exploradora, as princesas da Disney, o Pooh, o Ben10, de maneira a que nada passe de moda e possa continuar a ser utilizado. Ou escolha heróis eternos como o Homem-Aranha e o Snoopy!

Quanto aos livros escolares - por esta altura já estão todos encomendados – veja se os irmãos mais novos podem herdar algum dos mais velhos. Para cada disciplina, é normal haver livro e caderno de exercícios, provavelmente só precisará de comprar os cadernos de exercícios, caso frequentem a mesma escola e não tenha havido novas adopções de manuais. Mais uns euros poupados!

Uma secretária arrumadinha, bonita, com todos os livros e cadernos (ou dossiês) alinhados, é meio caminho andado para entusiasmar uma criança para o novo ano lectivo que se aproxima! A expectativa de rever os amigos, os professores, a escola é muita! Há meninos que nem dormem por estes dias, sobretudo os que vão mudar de turma ou de escola.

Visitar a nova escola antes de as aulas começarem é bom para a criança porque lhe permite desmistificar a ideia que tem do estabelecimento de ensino. Se puder conhecer o professor ou director de turma, por estes dias, melhor ainda. Muitas escolas preparam actividades de integração dos novos alunos, o que é positivo. Transmite-lhes outra segurança saber onde são as salas de aula, as casas de banho, o refeitório; do que andar à deriva pelo recreio, com medo de perguntar.

Aos pais cabe-nos transmitir-lhes estabilidade, segurança e confiança, mesmo que tenhamos as mesmas borboletas no estômago... Bom regresso à escola! Ah! E lembrar-lhes que não é só ir à escola passear o material escolar, que o novo ano se conquista desde o primeiro dia de aulas: concentrados, com atenção e respeito pelos professores e colegas.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Uma ideia gira para as últimas idas à praia

fotografia: Ana Catarina Pereira



Mais uma ideia enviada por uma mãe e partilhada pelo Bebé. Vejam lá se não é tão giro:

Apesar das férias já estarem quase no fim deixo uma sugestão para quem faz férias na praia.



Os miudos adoram apanhar pedrinhas, conchas e afins. É uma excelente maneira de os manter ocupados e a fazerem exercício caminhando pela praia.


Este anos resolvemos usar algumas dessas pedras e fazer o nosso jogo do galo.


Depois de escolhidas as pedras, pintámos 3 com uma X e outras 3 com um 0. Como as pedras eram mais que muitas fizemos ainda um 2º conjunto com as iniciais do nome deles. Não tinhamos tintas para pintar....usámos o verniz das unhas da mãe ;-) ....ficou perfeito! Arranjamos uma bolsinha para colocar as pedrinhas.


Agora jogamos todos as jogo do galo. Uma forma divertida de entreter a criançada.

E é mesmo. Obrigado, Ana Catarina!

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Regresso


As férias já terminaram ou estão a acabar e é altura de organizar ideias.

O Bebé Filósofo quer saber o que é que as mães e pais gostavam mais de ler por aqui. Quais são os temas, as idades, as preocupações que mais lhes interessam. Para nós pormos os nossos "filósofos" convidados a tratar disso.

Ideias, sugestões e tudo o resto são muito bem-vindas.

Nos comentários ou para o mail sociedadepediatrica@gmail.com.

Bom regresso!

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Quem tem (amor de) mãe, tem tudo









Estudo publicado no “Journal of Epidemiology and Community Health”:


"Saúde emocional na idade adulta depende do afecto materno

O carinho e o afecto materno dado à criança na infância têm um grande impacto no desenvolvimento da saúde mental e emocional na idade adulta, revela um artigo publicado no “Journal of Epidemiology and Community Health”.

Para este estudo, os investigadores da Duke University, nos EUA, acompanharam 482 crianças desde os oito meses de idade até estas terem atingido os 34 anos. Aos oito meses de idade, as crianças foram submetidas a testes para avaliação do seu desenvolvimento. Os resultados dos testes foram apresentados às mães, tendo também sido registadas as suas reacções aos mesmos.

Simultaneamente, a quantidade de afecto e atenção maternas foram igualmente avaliadas e classificadas em níveis que variavam entre o “negativo” e o “extravagante”. Posteriormente, a saúde mental dos participantes foi avaliada na idade adulta, quando estes tinham atingido, em média, os 34 anos de idade.

O estudo revelou que 10% das mães davam pouco afecto aos seus filhos, 85% davam afecto considerado “normal” e 6% davam demasiado afecto.

Os investigadores constataram que as crianças que tinham recebido mais afecto das mães aos oito meses de idade apresentavam, na idade adulta, menores níveis de stress, ansiedade e hostilidade. Pelo contrário, quanto menos afecto tinham recebido na infância maior eram os níveis de stress, ansiedade e hostilidade, os quais podem contribuir para uma instabilidade emocional e insegurança.

Os investigadores concluem que o afecto materno pode permitir e promover um desenvolvimento saudável das relações com os outros e das ligações emocionais, ajudando a criança a desenvolver capacidades sociais que são importantes para combater o stress e a ansiedade."

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Hiperactividade ou falta de educação?

Por Bárbara Wong *


Acreditem que estou convencida que a “hiperactividade” existe, que é uma doença e que deve ser medicada, tratada, acompanhada, etc. Contudo, conheço casos diagnosticados como “hiperactividade” e a mim não me parece mais do que falta de educação.

Senão, vejamos:

G., seis anos, diagnóstico: hiperactividade. Na escola, a professora queixou-se que o menino era muito agressivo, atirava-se para o chão a gritar e a espernear quando a docente o mandava ficar quieto, sentado, a fazer os trabalhos, como aos outros. Pontapés nas pernas da professora, queixou-se a mesma.

Eu lembro-me do crescimento de G. . Desde bebé em frente ao televisor, as refeições foram (e continuam a ser) feitas com um pequeno ecrã de DVD em cima da mesa, para que a criança coma em sossego e não faça barulho, concentrada que está nos desenhos animados.

As brincadeiras envolvem sempre lutas, guerras, bater e “morrer”. Há lá coisa mais feia que ouvir uma criança de três anos, com ar zangado a dizer: “Vou-te matar!” e sermos surpreendidos com um murro no nariz? Aconteceu-me, não achei graça, peguei-lhe nos pulsos, olhei-o nos olhos e disse-lhe em tom muito sério: “Não. Nunca mais voltes a fazê-lo”. Remédio santo, nunca voltou a acontecer, ganhei o afecto de G., mas não o dos pais. “Somos incapazes de falar-lhe assim, estava a brincar”, censuraram-me.

G. corre atrás do gato da avó, agarra-o, aperta-lhe a cauda e o bicho arranha-o. Culpa do animal que é muito arisco, dizem os pais. G. replica a mesma brincadeira com o cachorro da família, que o mordisca. Castigo para o animal, decidem os pais. G. brinca com os primos e amigos que depressa não querem brincar com ele. O problema é dos outros. Hiperactividade e aquele xarope que o acalma. Má educação, digo eu.

J., quatro anos, o terceiro filho, faz uma diferença de oito anos da irmã mais velha e cinco da do meio. “Quero um chupa”, grita desalmadamente, às sete da manhã, dentro do carro. A mãe corre as pastelarias todas, abertas àquela hora, à procura do chupa que não existe. Ele não desiste e grita durante uma hora, até que o supermercado abre e o chupa aparece na sua mão.

O menino pára de chorar, de rosto fechado diz: “Não quero”. “Vou dar à M.”, responde-lhe a mãe. “Não. É para o lixo. Lixo” e os gritos recomeçam. Estava zangado porque as irmãs foram para fora e ele ficou sozinho, justificam os pais. Para a próxima, as meninas não sairão de casa, decidem.

Castigadas as filhas, mas não o menino a quem são feitas todas as vontades. É preciso termos paciência, desculpam os pais. Não quer comer com a família porque “andou a petiscar antes do almoço”; quer sentar-se no lugar do avô ou do tio, “é só desta vez”, pedem; ou grita “calem-se todos, calem-se todos, calem-se todos” enquanto os adultos tentam conversar, “gosta de chamar a atenção”, riem-se os progenitores. Má educação, digo eu, exasperada e logo recebo um olhar de censura.

Há sempre uma desculpa para não assumirmos as nossas funções. No fundo, no fundo, a esperança dos pais (os de J. não estão sozinhos) é que a escola remedeie a situação. Se a escola não conseguir, haverá sempre um medicamento que adormecerá a falta de educação destes miúdos e a venda desses fármacos continuará a aumentar, como dizem as notícias.


* Bárbara Wong é jornalista do Público, especializada em assuntos de Educação, e autora do livro "A Escola Ideal: como escolher a escola do seu filho dos 0 aos 18 anos" (ed. Sebenta, 2008)

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Bons hábitos desde a infância precisam-se

Estudo de prevenção cardiovascular do Instituto Ricardo Jorge
Metade dos alunos do secundário já tem factores de risco cardíaco

O estudo, denominado "Coração Jovem", envolveu 854 alunos de 8 escolas secundárias da região de Lisboa (5 públicas e 3 privadas).
Cerca de 35% dos jovens dos 15 aos 18 anos que participaram no estudo tinham dois factores de risco cardiovascular e outros 12% apresentavam três factores. Entre os factores de risco mais comuns estão a obesidade, hipertensão e o tabagismo.

"A grande surpresa foi a prevalência da hipertensão: 11% dos alunos tinham já tensão alta e 28% uma pressão arterial normal-alta, ou seja, pode ser considerada pré-hipertensão. É uma barbaridade", disse, citada pelo jornal “Diário de Notícias”, Mafalda Bourbon, investigadora do Departamento de Promoção da Saúde e Doenças Crónicas do INSA.

O excesso de peso e a obesidade foram outros problemas detectados, afectando 16% dos jovens que participaram no estudo. Além disso, 13% dos alunos fumavam, e destes 8% fumavam todos os dias. Apesar de apenas 0,5% terem diabetes, 1 em cada 10 jovens tinha anomalias do metabolismo. A investigadora salienta ainda a existência de 22% de adolescentes com níveis de colesterol a rondar os limites.


quinta-feira, 29 de julho de 2010

Silly season

Em época de festivais, o direito dos bebés aos clássicos.

Com as devidas adaptações, claro.










quinta-feira, 22 de julho de 2010

O Programa Anos Incríveis


Os grupos de pais Anos Incríveis funcionam em Coimbra desde 2007 (e muito brevemente também em Lisboa e no Porto), sob coordenação de uma equipa de investigação ligada à Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação. São dirigidos a pais de crianças entre os 3 e os 6 anos de idade e permitem aos pais partilharem as suas experiências com outros pais, em grupo, ao longo de 14 semanas, em horário pós-laboral (18.00h-20.00h). Para que os pais possam frequentar os grupos é disponibilizado um serviço de baby-sitting para as crianças.

Este Programa foi desenvolvido nos EUA por C. Webster-Stratton (www.incredibleyears.com). Tem sido estudado e aplicado em diversos países e demonstrado resultados positivos a curto, médio e longo prazo, quer como programa de prevenção, quer de intervenção.

Ao longo do programa são trabalhadas aptidões como: brincar, elogiar e recompensar a criança, dar ordens de forma eficaz, estabelecer limites claros, ignorar, aplicar consequências, promover estratégias de resolução de problemas. Pretende-se fortalecer as relações pais-criança e encorajar a cooperação da criança; estreitar a relação escola-família; incentivar estilos parentais positivos; encorajar a imposição de limites efectivos e a definição de regras claras; e promover o uso de estratégias disciplinares não violentas.

Sabemos que nestas idades as birras, o “não”, o ser irrequieto fazem parte do normal desenvolvimento da criança. Mas quando estes comportamentos persistem e interferem na vida da família, na aprendizagem e nas relações sociais, temos todos de estar atentos (pais, educadoras, médicos de família, pediatras, ...). Alguns pais (e profissionais) continuam a acreditar que as crianças são pequeninas e que quando entrarem na escola “logo se vê”. Muitas vezes têm medo que os seus pequenos tesouros sejam rotulados, ou de se sentirem invadidos pela culpa (em que tantos psicólogos se esforçaram por fazer os pais acreditar). Ou estão tão isolados e sem suporte social, que não conseguem dar o primeiro passo... Não são precisas culpas, nem rótulos, apenas agir atempadamente, dando aos pais a oportunidade de se poderem sentir mais confiantes e competentes no seu papel.

Se interviermos precocemente a história poderá ter outro final e abrem-se um sem número de trajectórias de vida possíveis para aquela criança e família.

Ainda se lembra da Ana e do Tiago? Não sabemos com terminará a sua história. Mas sabemos que os pais do Tiago se conseguiram organizar para vir ao grupo, que estão disponíveis para aumentar o número de estratégias que já traziam consigo (algumas delas desde os tempos da sua própria infância) para conseguirem lidar de uma forma mais eficaz com o seu filho, e que querem fazer algo de diferente.

A maior parte dos pais também. Às vezes só não sabem é como.

Contactos:

http://projectopaismaesincriveis.blogspot.com/

anosincriveis.coimbra@gmail.com

Andreia Azevedo e Tatiana Carvalho Homem– Psicólogas, Doutorandas e Investigadoras
Maria João Seabra Santos e Maria Filomena Gaspar– Professoras da FPCEUC e Coordenadoras Científicas do Projecto

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Fintar multidões a caminho das férias (post útil #5)

E a dica desta semana é da Filipa. Tomem nota, tomem nota!

Tenho 31 anos, uma filha - a Margarida - de 2 anos e meio, já fui advogada e troquei a barra do Tribunal por muitas horas "extra" com a minha mais-que-tudo. Agora trabalho num Banco. Adoro uma boa gargalhada, um passeio na praia, tenho a síndrome do Peter Pan, uma filha fantástica, um marido fenomenal e muitas, muitas, muitas dúvidas que me levam a ler o Bebé Filósofo com regularidade.


Não sou nenhuma expert neste assunto, tenho apenas duas dicas que nas preparações para irmos de férias com a pequenina têm dado, até à data, bons resultados.

Começamos sempre por, uns dias antes, anunciar-lhe o destino, falamos com ela sobre o local, a casa, quem lá vai estar (amigos, família, etc.) o que vamos poder fazer (sobretudo de diferente), as saudades que já tínhamos porque é sempre tão bom, o quão divertido vai ser, como vamos passar X dias juntos, sem horários e com toda a disponibilidade uns para os outros.

Depois, cumprimos apenas duas coisas que se revelam para nós essenciais e que parecem ser suficientes para tudo correr bem.

A primeira: pedimos-lhe para escolher os brinquedos que quer levar. Explicamos que não pode levar todos e que alguns poderão não poder ir por não serem apropriados (ao local das férias ou pelo seu tamanho ou objectivo). Fazemos questão de não deixar cá os bonecos, brinquedos e livros de que mais gosta. A segunda: nunca vamos quando "toda a gente" vai, nem nunca regressamos quando tudo está de regresso. Normalmente quando vamos de férias mais de uma semana é para o Algarve e fazêmo-lo em Agosto ou em altura de feriados como tantas outras pessoas. Por isso, vamos sempre depois de jantar (imediatamente depois) e sempre a um Sábado ou a um Domingo. No regresso, voltamos sempre depois de jantar e sempre a uma Sexta-Feira ou a um Sábado. Com isto evitamos trânsito, calor, e a Margarida dorme o caminho todo, pelo que, evitamos também paragens. A última vez que fomos de férias foi este mês e, até hoje, tem corrido sempre muito bem.


Espero que ajude alguém... :-)


Obrigada pelo vosso blogue, os vossos conselhos, as vossas palavras e esclarecimentos! Têm sido um grande apoio e uma ajuda preciosa!

Obrigado nós, Filipa!

Próxima sexta-feira mais uma dica preciosa enviada por outra mãe ou pai "filósofos".
Para quem quiser enviar mais ideias, está tudo explicado aqui!

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Só de fraldinha para ficarem mais fresquinhos

Quando tu nasceste, choraste e o mundo alegrou-se.
Vive a tua vida de forma a que, quando morreres, o mundo chore e tu te alegres.
(ditado nativo-americano)

Na semana passada comemorou-se o aniversário de dois dos meus avós. Da minha avó materna, que já morreu há muitos anos e de quem me lembro todos os dias como se a tivesse visto ontem, e do meu avô paterno, que está de excelente saúde e nos convidou para irmos lá a casa ver o futebol e jantar todos juntos.



Eu não tenho grande queda para o que normalmente se chama “os velhinhos”. Confesso que nunca senti muita apetência (nem paciência) para ouvir a mesma história vinte vezes, contada com voz trémula, e pontuada mil vezes com a expressão “no meu tempo” ou “isto agora”…


Na minha família nunca tive muito contacto com esta realidade. Os meus avós são, ou foram, pessoas activas, lúcidas, actualizadas e em contacto com a realidade do mundo. Os avós dos meus filhos trabalham tanto ou mais do que eu, ou, no caso dos meus sogros que já estão reformados, alinham em correrias no parque infantil e sabem de cor o último modelo do carro da Barbie ou a consola mais tecnológica lançada no mercado.


Mas recentemente, suponho que não alheio ao facto de ter passado a barreira dos 30, dou por mim a pensar na vida. Na velhice. Na passagem dos anos. Pela primeira vez, surpreendo-me a constatar que gostava de chegar aos 100 anos. Rodeada de netos e bisnetos. Do meu marido também, já agora. Gostava de ter alguém a quem contar o que aprendi na vida, como uma velha anciã, de roda de quem os jovens se juntam para ouvir frases cheias de sabedoria e conselhos avisados.

Descubro que talvez valha mesmo a pena fazer um pé de meia, começar já, e cuidar da minha saúde para um dia chegar aos 80 e ouvir coisas como “Ai, eu não lhe dava mais de 70!”.



Isto é o que eu gostava. Depois há a realidade. Há anúncios como o que eu vi há uns dias: “Vá de férias descansado e deixe o seu idoso connosco!”. Sim, é real, e a publicidade a um ATL para idosos.

E há a história que me contaram de uma reunião num serviço de saúde, em que se discutia a onda de calor e de como os idosos internados estavam a sofrer com ela, e onde alguém dá a genuinamente bem-intencionada sugestão: “Deixem-nos andar só de fraldinha para ficarem mais fresquinhos”.

E há as residências VIP para a terceira idade, na Marginal de Cascais, com uma vista espectacular para o mar e onde eu nunca vi ninguém na varanda. Ninguém. Não é tão triste?


(imagino-me a viver ali e digo sempre que por lá passamos, “quando a mãe e o pai forem velhinhos tu pões-nos aqui a viver e depois vens-nos visitar ao fim de semana, está bem?”. Ela abana a cabeça e tenta sempre fazer-me prometer-lhe que nunca vamos ficar velhinhos).


Oiço histórias como a da “fraldinha” ou o ATL para idosos e o meu primeiro instinto é rir. De tamanho disparate. Mas depois fica este nó na garganta.

Saberemos nós alguma vez arranjar forma de conviver com a velhice de uma maneira normal?

Penso nisto e lembro-me do que temos falado neste blog a propósito das crianças. De ter paciência, respeitar os ritmos, ouvir, aprender. De como o ritmo desenfreado nos impede de gozar as coisas simples, com eles.


Da importância de todas as idades da vida.

A imagem que ilustra o início deste texto é de Gustav Klimt e chama-se “As três idades da Mulher”. É muito conhecida. No entanto, talvez sejam mais os que conhecem o pormenor da obra em que a mãe, jovem, abraça o seu bebé. Mãe e filha. Belas. Perfeitas. A imagem da mulher idosa, à esquerda, raramente é utilizada para posters ou cartões de felicitações. E, no entanto, está lá.

Ela está lá, essa é a verdade. E está lá porque é real. A imagem que nos habituámos a ver não é a mãe e o seu bebé. É a mesma mulher. Só ocultámos a sua imagem já velha.

Estaremos a ensinar as crianças para conviver com a velhice? Com a nossa velhice? Com a sua própria velhice? Saberão elas que não há fases da vida mais ou menos importantes? Saberemos nós?

Como é que se faz isto...? Esta aproximação... sem ser levar as criancinhas a lares de idosos onde se batem palminhas e se dança descoordenado ao som de músicas ridículas?

Esta sociedade que sabe tudo comete os mesmos erros com as crianças e com os idosos. Cria ATLs para os entreter e libertar os adultos activos da sua guarda. Entretém-nos com digitintas e DVDs.

Qual é a maneira certa de recuperar o respeito pelo ancião?

Dúvidas, dúvidas… tantas dúvidas.

E só uma certeza. Eu não quero ser um fardo para os meus filhos quando for velha. Mas agradecia que houvesse alternativas a ficar, só de fraldinha, num hospital.
Horrorizada por ser eu, igualinha talvez ao que sou hoje, presa num corpo para o qual ninguém consegue olhar.