segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Este post nasceu comentário...

... mas o Bebé Filósofo gostou tanto que resolveu dar-lhe as honras devidas e publicá-lo aqui.
Obrigada, João Colaço pela sua história, pela perspectiva que nos trouxe. Continue(m) por aí!

Por João M.S.Colaço*



Belo texto, que me fez acordar para um tempo em que meus pais andavam atarefados, mas deixavam aos filhos a missão de se cuidarem.

Belos tempos em que o meu infantário era numa seira de palha ou cana, que era transportada na carroça da vaca e que depois era depositada na "cabeceira" da leira de terra onde os meus pais se envolviam na tarefa do amanho da terra que nos havia de recompensar com a produção agrícola que nos mitigava a fome.

Se estava sol, por cima da cesta era colocado um enorme guarda chuva que me fazia sombra e quando começava a desaparecer a sombra, logo vinha uma mão amiga, rodar o mesmo.

Se eu chorava, logo sabiam o que criança queria, e se tivesse a fralda molhada logo era substituida por outra e guardada a suja para meter em casa na barrela.

Se a criança chorava mais forte, logo vinha a mãe que, pelo caminho apanhava uma folha de couve bem verdinha para lhe limpar o rabo...

Os dias foram passando, esta criança foi crescendo neste belo infantário, até que começou a ter contacto com a terra onde começou a pousar os joelhos. Ela apanhava um punhado dessa terra, cheirava-a e levava-a à boca para a saborear e nesse momento logo vinha um dos pais aflitos limpar a boca ao menino.

Foi, fazendo castelos com a areia da leira, areia essa que lhe daria o alimento que ela tanto viria a necessitar, e ouvindo a música celeste produzida pelas centenas de pássaros que com ele vinham brincar e tagarelar também. Se fosse Inverno, a casa de uma vizinha já idosa, era o local onde a criança ficava,onde sentada no borralho, ia aprendendo outros segredos da vida e ouvindo histórias fantásticas.

Foi neste infantário fabuloso,onde havia animais de toda a espécie, com os quais o menino partilhava o espaço, que esse menino foi crescendo,até ir para a escola primária.

Uma escola linda, onde ele teve medo de entrar no primeiro dia de aulas.

A mãe e o pai foram com ele, para lhe ensinarem o caminho, mas no fim do dia de aulas, já o não foram procurar, pois ele já sabia o caminho para casa.

Um dia e outro e, mais outro, e chegou o dia em que o menino teve que ir fazer exame da 4º classe à escola da vila.

Parecia um príncipe, com camisa branca, um fato novo de casaco e calções,sandálias e meias compradas só para esse dia.O pai acompanhou-o, esperou pelas provas e aqui já era necessário ele começar a conhecer outros espaços, que seriam a sua segunda casa nos próximos anos, durante grande parte do dia.

Ali ao lado da escola, havia o colégio, um monstro onde este menino deveria começar a esgrimir a sua pesada espada, para se fazer homem.

Como as aulas começavam logo em tempo de chuva, lá ia ele com um saco de adubo vazio, dobrado ao meio e enfiado na cabeça, como uma capucha serrana, pois não havia dinheiro para lhe comprar uma gabardina, levando na mão uma pasta de cabedal onde carregava só os livros e cadernos para as disciplinas que teria em cada dia.

Assim este menino foi crescendo, brincando sempre em contacto com a natureza e se foi fazendo homem até ao momento em que foi servir a nação como militar.

Foi militar, andou na guerra do Ultramar, e fixou-se nessa cidade, onde todos são surdos e mudos e ninguém se conhece. Mas, apesar de tudo,ali constituíu família e ali procriou, sem ter tido a possibilidade de dar ao seu filho o prazer de andar pelas poças da água descalço e a chapinhar, de meter as mãos na terra e cheirá-la e saboreá-la, de viver na companhia da passarada, pois na cidade até estes fogem do ser humano. Ali fez a sua vida, ali criou seu filho e quando chegou a hora de ter que abandonar o seviço, pois já havia cumprido uma missão a que se entregou de alma e coração, regressou à sua terra natal, onde reiniciou muitos dos rituais por que havia passado enquanto criança.

Como seria bom que aquele belo infantário ainda fosse hoje aproveitado e para os que já estão em provecta idade, este espaço se transformasse agora num centro de apoio à terceira idade.

Depois da realidade, aquele menino continua agora a sonhar!


* João tem 63 anos de idade e é aposentado, colocou este texto originalmente como comentário ao post "O Bairro do Amor".

3 comentários:

  1. lindo lindo lindo é a pena que eu tenho é de não poder fazer isso aos meus filhos pois muitas vezes fui com os meus pais para o campo sempre vivi no campo e como eu era feliz nessa altura...

    ResponderEliminar
  2. Lindo!!!
    Muitos parabéns ao João pela fantástica vivência que nos transmitiu.
    Fez-me lembrar as idas à aldeia onde moravam os meus avós no Verão e, apesar de nessa altura não lhes dar tanto valor, hoje vejo o quanto aprendi com elas e a ligação à Natureza que me trouxeram.
    Mais vivessem em contacto com a vida e os outros, menos problemas hoje teríamos...

    ResponderEliminar
  3. Desculpe mas não percebi onde entra o Salazar...

    ResponderEliminar