quinta-feira, 29 de abril de 2010

Quatro




Há quatro anos, faz hoje quatro anos, eu estava a arrumar roupinhas de bebé e a dar risinhos com a minha irmã. Estávamos contentes e nervosas, expectantes com este bebé que era só nosso e com quem íamos “poder brincar à vontade”.

Eu e a minha irmã tínhamos esta sensação estranha de que o bebé que eu ia ter pertencia na realidade à nossa mãe. Comentávamos isto e riamos: “Achas que a mãe nos vai deixar andar com ela ao colo o dia todo?”. Na altura, sabíamos da estranheza desta impressão, mas não compreendíamos bem o porquê. Achámos que se devia ao facto de os últimos bebés a que tínhamos tido acesso terem sido os nossos dois irmãos mais novos, esses sim, de facto, os bebés da minha mãe.

Hoje, quatro anos depois, compreendo que não era só isso. A verdade é que eu não sabia ser mãe. A minha mãe sabia. A minha mãe é uma mãe de mão cheia. E eu, inconscientemente, achava que por isso, ela seria a melhor pessoa para ser a mãe do meu bebé.

Eu dizia “a minha filha” e olhava em volta, a tentar perceber se mais alguém achava aquela frase tão estranha como eu. Em segredo dizia-te "és o meu brinquedo". E mais baixinho, "desculpa, eu não sei bem o que estou a fazer".

Não foi automático, nem fácil, nem rápido. Foi trabalhoso e desafiante, como costumam ser as grandes aprendizagens da vida. Foi o que tinha que ser. Tu aprendias a viver neste mundo, eu aprendia a ser a tua mãe. Todos os dias coleccionámos uma nova lição. Até não haver dúvidas e estarmos as duas adaptadas. Mãe e filha.

Gosto de ir avaliando a minha prestação. Faço-o de uma maneira científica e rigorosa.
E então às vezes pergunto-te:

“Gostas da mãe ou queres ir buscar outra ao supermercado?”

(Umas vezes dizes logo Gosto desta, outras gozas-me descaradamente. “Gostava mais de ter outra” e acrescentas alguém que sabes que me vai fazer ciúmes, muitas vezes a avó, mãe do pai. Também já disseste que gostavas de ter dois pais. Eu rio-me e tu também. Sabemos que não tens alternativas. Mãe é mãe. Que se há-de fazer?)


Amanhã fazes quatro anos e eu tento lembrar-me como é o mundo quando temos quatro anos. E ocorre-me que crescer não é mais do que o esticar dos ossos aliado a algum cansaço trazido pelos anos. Não é muito mais do que isso, sabes. Para mim não tem sido.

Eu estou na mesma para aí desde os meus 18 anos. Não mudei muito, sou talvez mais paciente, mais tolerante. Sei mais coisas, descobri mais caminhos. Mas na essência, estou igual. E por isso, te digo: não esperes que os anos te tragam respostas. Confia que aquilo que hoje te parece evidente provavelmente é porque é mesmo.

Um dia vou mostrar-te este texto. Mas só quando fores crescida, se calhar mesmo à beira de teres os teus próprios bebés. E nesse dia vais perceber que ninguém sabe realmente o que fazer. Fingimos, isso sim. E ao fazê-lo aprendemos.

Há coisas que eu faço porque tem que ser, porque é o que é suposto uma mãe fazer. Às vezes consigo aparentar convicção, outras nem por isso.

E aqui te conto alguns segredos.

Eu e o pai, quando vamos às reuniões na tua escola, sentimos sempre que os pais dos outros meninos são amigos dos nossos próprios pais e não pessoas da nossa idade.
E eu, quando falo com a tua educadora, acho sempre que ela me vai mandar vestir o bibe e sentar-me ao pé de ti e dos teus amigos no tapete.

Lembras-te quando pintaste as paredes do corredor a caneta? Fiz uma cara zangada, mas deram-me vontade de rir aqueles rabiscos a menos de um metro do chão pela parede fora.

Outra: Quando eu insisto para comeres a sopa, é mais por uma questão de princípio. Não quero que sejas uma miúda “esquisitinha”. Mas sabes, na maioria das vezes, até nem havia problema se não comesses. Há coisas que eu também não gosto, ou que só aprendi a gostar mais tarde.

Ah. E eu não me importo se não tiveres sempre boas notas.

E acho que quando entrares na escola não devias ter trabalhos de casa.

Eu prefiro que tu tenhas vontade de brincar do que sejas a melhor da turma. Aliás, não precisas de ser a melhor em nada.Se um dia fores a melhor (seja no jogo do elástico ou se ganhares o Nobel da Química) que seja porque o percurso para lá chegar te deu gozo e felicidade e não porque meteste na cabeça simplesmente que tinhas que ser a melhor.

Também não precisas de um dia ter um cargo muito importante. Basta teres um trabalho que te faça feliz e te permita obteres as coisas que são verdadeiramente importantes para ti. Preocupa-te com essas, deixa as outras.
O tempo é mais importante que o dinheiro. A liberdade é carregarmos pouca bagagem. Não stresses, ignora o ritmo do mundo e vive segundo o teu próprio ritmo.
Vais estar muitas vezes rodeada de pessoas chatas. Uma dica: Mantém a tua imaginação fértil e a tua criatividade apurada. São o botão turbo para accionar em caso de emergência: O teu corpo fica, mas a tua cabeça já está a passear. Abana a cabeça com ar afirmativo e diz “Pois” ou “ahã” de vez em quando. Ninguém vai reparar que não estás a prestar atenção nenhuma.

Eu gostava que me respeitasses sempre mas que não tivesses medo de mim. Eu sei que quando fores adolescente vai haver alturas em que terei que te ameaçar com mil castigos e tu me vais desafiar constantemente. Às vezes já o fazes. Mas olha, se um dia estiveres mesmo enrascada, vem pedir-me ajuda. Que eu seja o teu primeiro telefonema. Sempre.
Aconteça o que acontecer, eu estou aqui para te ajudar.
E mantém-te fiel aos teus princípios. Em tudo o que fizeres deves ser honesta, trabalhadora e justa. Educada. Ciente da liberdade dos outros. Tolerante. Boa. Generosa. Feliz.
Tudo o resto são pormenores.

E, olha, dou-te estes conselhos, porque sim.
Porque as coisas que a minha mãe me ensinou ficaram para sempre na minha cabeça.

Mas eu sei que a decisão será sempre tua. Não posso viver por ti.

Eu sou tua, mas tu não és minha. Tu és do mundo.

E, aos quatro anos, o mundo é teu.

Parabéns, meu coração.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

O que mata são as doenças, não as vacinas.

*Por Luís Januário

As doenças infecciosas do passado quase desapareceram e com elas a percepção do perigo que representam. Quando o actual Plano Nacional de Vacinação surgiu, gratuito e universal, num país que despertava para a modernidade, morriam anualmente muitas pessoas com difteria (o garrotilho) e com sarampo. Nas ruas era possível cruzar com vítimas da paralisia infantil.

O que permitiu mudar radicalmente esta paisagem foram as vacinas.

De início vacinas simples, como as que Jenner e Pasteur conceberam. Depois vacinas mais complexas como as que actualmente previnem a diarreia por Rotavírus ou a meningite por Meningococo ou Pneumococo.

Estas vacinas não matam, nem provocam sequelas. O que mata e deixa sequelas aos sobreviventes são as doenças que as vacinas evitam.

Os inimigos das vacinas apoiam-se na ignorância e ironicamente, proliferam quando a doença se torna rara pela eficácia da vacina.

Periodicamente, com grande difusão, ressurgem os velhos mitos dos activistas anti-vacinas: o autismo, o síndrome de Guillain Barré, por exemplo.

Não interessa que nenhuma investigação séria confirme estas associações e todas as contradigam. Vêm do nada, de um terreno movediço empapado pela subcultura naturista e a informação do youtube.

As crianças, desde o nascimento, possuem um sistema imunitário capaz de fabricar estratégias de defesa contra vírus, bactérias e outros microrganismos, nomeadamente através das vacinas. Estas devem ser dadas na idade adequada. Para algumas doenças o risco máximo existente é nos primeiros dois anos, pelo que não tem sentido adiar a vacinação.

A existência em Portugal de um Serviço de saúde bem organizado e de um bom Plano Nacional de Vacinas (embora de actualização um pouco lenta) tem permitido taxas de vacinação elevadas e quase a erradicação de algumas doenças. Uma imunidade de grupo assegura que alguma desta protecção seja extensiva aos não vacinados. Os filhos dos pais que recusam a vacinação são assim beneficiários da consciência da maioria. Se o fenómeno que eles representam se estender, no entanto, voltarão as velhas doenças do passado.

*Luís Januário é pediatra e presidente da Sociedade Portuguesa de Pediatria

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Dia da Mãe


 
Depois do sucesso do "post maratona" do Dia do Pai, o Bebé volta a querer fazer uma coisa diferente para o Dia da Mãe, no próximo domingo.

E então a pergunta: "Qual é a melhor recordação que têm com a vossa mãe?"

Respostas nos comentários deste post, ou para o mail sociedadepediatrica@gmail.com
Fotografias? Também pode ser.

Na sexta publicamos a compilação.
Vai ser bonito, de certeza.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Momento nostálgico à beira do fim de semana

Ou.. "no nosso tempo era tudo tão mais inocente".

Ou ainda... "idades parvas haverá em em todas as gerações"

Ou mesmo... "adolescentes, não vale a pena gastarem muitas energias a criticar os vossos pais e outros adultos em geral. Quando derem por isso, passaram 20 anos a correr e estão a dizer no meu tempo, e a suspirar e a abanar a cabeça"

Crescer toca a todos. Ai é, é.  

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Viver com poucas defesas

*Por António Figueiredo

O sistema imunitário depende de barreiras anatómicas e fisiológicas, da imunidade inata e da imunidade adaptativa. A imunidade inata é responsável por iniciar uma resposta inflamatória em minutos, após a exposição a micróbios agressores. A imunidade adaptativa, ao contrário, demora alguns dias para ser suficientemente robusta para responder à infecção mas é mais específica e tem a capacidade de reconhecer virtualmente qualquer micróbio.

Numa visão simplista e integrada podemos considerar estes 3 níveis naquela que é provavelmente a mais complexa e extraordinária organização do nosso organismo: o sistema imunitário ou as nossas “defesas”, termo habitualmente usado coloquialmente com os pais. É fácil entender a sua importância: imaginem um grande queimado, a sua mortalidade é directamente proporcional à percentagem total da superfície corporal afectada. Imaginem ainda alguém submetido a quimioterapia intensiva, a quem foi subtraído um sistema imunitário normal, e a necessidade de a colocar num ambiente protector, isolado em câmaras especiais, para que não seja exposto a nenhuma infecção; ou alguém infectado com o vírus VIH e que adoece facilmente com bactérias, vírus, fungos ou parasitas que não causariam doença se o sistema imunitário estivesse saudável. Dei-vos exemplos de imunodeficiências secundárias a diversas causas, seja a extensa alteração da integridade da pele, medicamentos ou o vírus VIH.

Contudo, existem outras situações, menos frequentes, em que as nossas defesas não desempenham a sua função como previsto: as Imunodeficiências Primárias (IDP), defeitos congénitos, muitas vezes hereditários, do sistema imunitário, que resultam invariavelmente de defeitos num ou mais genes que controlam o seu desenvolvimento e/ou função. São um grupo heterogéneo de mais de 200 doenças que, apesar de relativamente raras, colectivamente representam um consumo significativo de cuidados de saúde pediátricos. Tanto podem ser fatais no primeiro ano de vida, caso não se proceda a um transplante de medula óssea (TMO) (caso dos SCID – Severe Combined Immunodeficiency) como pouco sintomáticas (caso do Défice de IgA). Quando suspeitar então de uma Imunodeficiência Primária?

Os 10 sinais de alarme desenvolvidos pela Jeffrey Modell Foundation (http://www.info4pi.org/), uma das organizações norte-americanas mais empenhadas na investigação e divulgação das IDP, são um excelente ponto de partida: 4 ou mais otites, 2 ou mais sinusites graves, 2 ou mais pneumonias, tudo num período de 1 ano; antibioterapia prolongada (1 a 2 meses) sem bons resultados; má progressão ponderal; abcessos de orgão ou cutâneos recorrentes; infecções fúngicas persistentes, da pele e mucosas; necessidade de antibioterapia endovenosa para tratar infecções; 2 ou mais infecções graves, incluindo sepsis; e história familiar de IDP.

Poder-se-iam acrescentar outras, não necessariamente do foro infeccioso, como por exemplo febre recorrente ou periódica, ou doença auto-imune nos primeiros anos de vida. Os pais podem estar alerta e discutir estes sinais com o Pediatra, que caso considere os receios fundamentados, referenciará a uma das diversas consultas de especialidade, actualmente existentes em muitos hospitais.

Na investigação de uma IDP é muito importante considerar no diagnóstico diferencial situações muito mais frequentes, nomeadamente, a frequência normal de infecções em crianças pequenas no infantário, exposição passiva a fumo, asma, hipertrofia dos adenóides ou refluxo gastro-esofágico. Caso a suspeita se mantenha procede-se então a uma abordagem analítica por passos, que habitualmente inclui o pedido inicial de imunoglobulinas séricas (nível sanguíneo de anticorpos), acessível, barato e extremamente informativo. Se a suspeita diagnóstica se confirmar ou se a suspeita clínica se mantiver forte o próximo passo é estabelecer um plano terapêutico.

Gostava de sublinhar que nem sempre é possível chegar a um diagnóstico molecular definitivo; contudo, este deve ser almejado porque permite a optimização do tratamento, aconselhamento genético e diagnóstico pré-natal. Relativamente ao tratamento, pode tratar-se de uma emergência quando se trata de crianças com defeitos imunológicos graves (por exemplo os SCID, atrás referidos, são doenças raras que se apresentam em crianças pequenas, com um ar doente, também chamadas de bubble-babies, que não aumentam normalmente de peso e têm infecções graves e difíceis de tratar), e que carecem de uma reconstituição imunológica completa ou seja, um transplante de medula óssea. Quando não existe um dador considerado adequado, a terapia génica, ainda em fase de aperfeiçoamento, é já uma opção nalguns países. O mais frequente, contudo, é o defeito residir apenas na produção de anticorpos, no seu número ou função. Nestes casos o tratamento consiste na substituição dos anticorpos através da administração periódica de imunoglobulina, o que pode ser feito de 4 ou 4 semanas por via endovenosa, ou semanalmente por via subcutânea, o que tem a enorme vantagem de poder ser administrada em casa e conferir autonomia ao doente (e família).

É importante ter a noção de que estamos a tratar doenças que se conseguem manter sob controlo a maior parte das vezes, habitualmente com o auxílio de outros meios (antibióticos, antifúngicos, vacinas, cinesioterapia respiratória, imunomoduladores, etc); pretende-se que para a criança e sua família, à semelhança de outra doença crónica, a vida continue da forma mais natural possível e sem grandes restrições.

As crianças afectadas devem ser, contudo, alvo de uma atenção especial quando adoecem: observação no início da doença (habitualmente através do contacto directo para o telemóvel do médico ou enfermeira) e baixo limiar para iniciar antibioterapia, eventualmente endovenosa. O pulmão é o órgão alvo por excelência de muitas imunodeficiências primárias, pretende-se evitar lesões irreversíveis (designadas de “bronquiectasias”), consequência de infecções repetidas, ou então evitar o agravamento, ou mesmo melhorar, as alterações já existentes. Neste sentido, o tratamento com imunoglobulina veio revolucionar a qualidade de vida e prognóstico destes doentes.

Por isso é tão importante um diagnóstico precoce, diga-se em abono da verdade, também extremamente gratificante para o médico. Paradoxalmente neste campo as doenças mais severas curam-se, mediante um procedimento com riscos, o transplante de medula óssea, ou são invariavelmente fatais, e as doenças “menos graves” serão crónicas, controláveis, mas sem cura vislumbrável num futuro imediato. Existem ainda algumas recomendações especiais para grupos especiais, mas são a excepção e não a regra. Cada IDP tem as suas particularidades, impossível de cobrir num texto desta natureza.

Gostava de reforçar a ideia da importância do diagnóstico precoce, comum a qualquer IDP, pelas suas implicações prognósticas. A Medicina nesta área avança a um ritmo vertiginoso, os meios de tratamento actuais permitem a cura ou o controlo da maior parte das IDP, no futuro certamente novas e melhores opções terapêuticas vão aparecer, mas qualquer das opções terá melhores hipóteses de sucesso se o doente se encontrar na “melhor forma” possível.

*António Figueiredo, pediatra.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Há vida para além da TV?

Nos Estados Unidos até há a semana nacional da televisão desligada.

Na Casa Branca, os Obama só deixam as filhas de 11 e 8 anos verem televisão ao fim de semana.

Por cá sabe-se que as crianças e jovens, vêem TV demasiadas horas, muitas vezes sem acompanhamento dos pais e controlo de qualidade dos conteúdos. A atitude frente à televisão é de passividade, o que promove o sedentarismo e ajuda aos níveis de obesidade que se conhecem.

Mais do que a discussão de todas estas vertentes e mais algumas, o excesso de tempo passado frente ao ecrã tem ainda um elemento de que se fala pouco.

Se uma família está toda junta a olhar para um ponto em comum e o faz de forma tão automática, todos os dias, dedicará igual tempo a olhar uns para os outros? 

E se de repente se apagasse a televisão?
O que se faria lá em casa?
De que se falava? Como se ocupava o tempo?
Mesmo que fosse um só dia por semana? Para experimentar?

terça-feira, 20 de abril de 2010

Princesa, não beijes o sapo.

Imagem Corbis/ Sandra Seckinger

Por Filipa Prata*

O contacto com animais tem, sem dúvida, inúmeros benefícios para as crianças. No entanto, os répteis não são de todo os animais de estimação mais indicados, estando estes mesmo contra-indicados em crianças pequenas, com idade inferior a 5 anos e/ou crianças com um sistema imunitário comprometido. Nos Estados Unidos, o CDC (Center for Disease Control) contraindica que as crianças com idades inferiores a 5 anos ou imunocomprometidas tenham répteis em casa e animais de estimação como tartarugas, rãs, sapos, iguanas, lagartos e cobras e aracnídeos.

Os répteis são animais que requerem medidas de conservação complexas, muitas vezes difíceis de serem executadas pelas crianças, com os quais não se pode interagir ou brincar. Basicamente, são sobretudo animais de contemplação, o que faz com que as crianças percam rapidamente o interesse por estes animais.

Por outro lado podem ser fonte de infecção, sobretudo de salmonelas (por exemplo, o FDA americano tem desde 1975 uma lei que impede a distribuição comercial das tartarugas pequeninas nos Estados Unidos, o que fez com que houvesse uma redução considerável da infecção por salmonela na população e particularmente nas crianças) mas também de outros parasitas tais como o criptosporidium.

Para minimizar esses riscos devem ser tomadas algumas medidas tais como: antes de adquirir um réptil como animal doméstico, assegurar que a sua aquisição é legal e que tem um certificado de saúde, ou seja, que fez o tempo de quarentena exigido e que não tem doenças.

As crianças com idade inferior a 5 anos ou com doenças que comprometam as suas defesas não devem ter répteis como animais de estimação ou pelo menos ter um contacto estreito com estes animais.

Deve-se supervisionar as crianças pequenas enquanto estas estão perto dos répteis; ensinar as crianças, sobretudo as mais pequenas, que não devem beijar estes animais (como surge no filme “A Princesa e o Sapo”, por exemplo) ou colocar as mãos na boca após manusearem os répteis ou os objectos com os quais eles contactam e que devem imediatamente depois, lavar as mãos com água e sabão. No caso de crianças mais pequenas deve supervisionar-se a lavagem das mãos.

Os animais não devem circular livremente pela casa, devem permanecer no seu aquário/terrário, que não deve nunca estar colocado na cozinha ou perto do local onde são preparadas ou consumidas refeições ou bebidas. A limpeza dos aquários/terrários deve ser efectuada com luvas descartáveis e a água não deve ser despejada nos lavatórios ou locais onde é preparada a comida ou retirada água para consumo.

*Filipa Prata é pediatra infecciologista.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

O Amigo Imaginário




*Por Ana Rita Monteiro

O amigo imaginário (AI) é “uma personagem invisível, apontada ou referida pela criança em conversa com os outros ou com quem brinca directamente, por um período mínimo de vários meses, tendo para ela um ar autêntico mas sem uma base real aparente” Svendsen (1934).

Surge habitualmente na idade pré-escolar, tem o pico de frequência por volta dos 4 anos mas pode surgir posteriormente, por volta dos 6-7 anos.

Por vezes, o Amigo Imaginário está associado a um brinquedo significativo para a criança, por exemplo um animal de peluche, quando lhe é atribuída uma personalidade estável. O Hobbes do Calvin é um excelente exemplo. Os amigos imaginários desempenham um papel diário na vida fantasiada da criança e rapidamente são incluídos na dinâmica familiar, é-lhes reservado um lugar na mesa na hora das refeições, um espaço na cama, etc. São produtos espontâneos da imaginação tendo maioritariamente uma valência emocional positiva.

Ao contrário do que se pensa, os Amigos Imaginários não são raros, cerca de 65% das crianças em idade pré-escolar têm-nos. Não são indicativos de problemas emocionais nem surgem apenas nas crianças introvertidas. Da investigação realizada até à data conclui-se que estes surgem associados a características positivas como a capacidade de socialização, extroversão e criatividade. São retratados na banda desenhada e nos filmes de forma negativa e como sinal de patologia mental o que promove alguma preocupação nos cuidadores de forma desnecessária e não fundamentada.

A principal característica destes personagens invisíveis é mesmo a variedade. Podem ser crianças, adultos, animais, fantasmas, seres peculiares, etc…

Por que motivo surgem os Amigos Imaginários?

O mais frequente é a diversão e a companhia que proporcionam; aceitam todas as brincadeiras, regras e o mais aliciante é permitirem que a criança ganhe sempre o jogo. A solidão é outro motivo pelo qual os AI são criados, surgindo principalmente nos filhos únicos ou na altura do nascimento do primeiro irmão. A criança sente-se acompanhada e tem um óptimo parceiro de brincadeira, aquele que ouve, aceita e não critica.

O Amigo Imaginário permite ainda sentir-se competente e ensaiar a interacção. Os meninos criam-nos competentes, com aquelas características que culturalmente foram ensinados a valorizar; fortes, poderosos, semelhantes a super-homens. Segundo vários autores, o sexo masculino projecta no AI as particularidades que gostariam de ter: força, resistência e poder. As meninas criam-nos incompetentes para que com eles possam praticar aquilo que socialmente se espera do sexo feminino, a ajuda, compreensão e protecção, desempenhando assim o papel de cuidador na relação. Por estes motivos é mais frequente serem os meninos a encarnar as personagens que fantasiam, considerando-se o Super-homem, o Zorro, etc.

Estes produtos da imaginação são muito úteis no evitamento da culpa, da crítica e na possibilidade de manutenção da auto-estima. Culpar o amigo invisível permite identificar e internalizar as expectativas parentais possibilitando uma maior consciencialização daquilo que é correcto ou não.

A comunicação é, sem dúvida, facilitada pelos AI. Até os adultos frequentemente expõem uma dúvida ou situação que lhes é difícil e dolorosa começando por referir que o problema é de um amigo. Da mesma forma a criança pode verbalizar, através do AI, questões que a afligem utilizando-o como veículo de expressão de medos e receios.

O trauma pode ser um motivo para a sua criação dado que permite um auxílio activo desempenhando uma compensação emocional. Esta não deve ser considerada uma situação alarmante desde que a criança não perca a capacidade de brincar espontaneamente e se isole.

Quando questionada, a criança descreve todas as características físicas do seu amigo invisível de forma pormenorizada. Quando lhe é associado um brinquedo, a descrição é habitualmente diferente das características reais, o que evidencia o grau de fantasia envolvido.


O Hobbes é, para o Calvin, alto, expressivo, extremamente forte e selvagem… para a Susie é simplesmente um peluche fofinho e felpudo.
Os AI têm um papel positivo e construtivo no desenvolvimento da personalidade.

Podem manter-se por cerca de 3 anos; quando desaparecem a criança justifica com uma viagem longa, uma morte repentina ou simplesmente caem no esquecimento.

*Ana Rita Monteiro, psicóloga clínica.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Teremos sempre o beijo



Podemos não ter sol este fim de semana. Nem mergulhos na praia, nem uma toalha de quadrados vermelhos numa mesa comprida sob o sol italiano. Mas beijos, esses teremos com fartura. Sempre que quisermos, que nos apetecer. Sem ter que pagar, ou poupar, ou planear. É democrático e universal. Beijar a mãe, o pai, o marido, os filhos, o bebé. Dá vontade de dançar e cantar. Espalhar o amor.

Un respiro profondo per non impazzire; una semplice storia d'amore
(...)
La tua vera natura, la giustizia del mondo
che punisce chi ha le ali e non vola.
Baciami ancora…Baciami ancora…
Tutto il resto è un rumore lontano una stella che esplode ai confini del cielo.

(É um respirar fundo para não enlouquecer, uma simples história de amor. A tua verdadeira natureza. A justiça do mundo, que castiga quem tem asas e não voa.Beija-me mais, beija-me ainda. Tudo o resto é um ruído longínquo, uma estrela que explode nos confins do céu.)

Bom fim de semana!

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Pensa antes de publicar




A facilidade da transmissão de informação na Internet faz esquecer que, a partir do momento em que publicamos algo online, essa informação deixa de ser nossa e passa a ser do mundo. Pode inclusivamente ser usada contra nós.

E quantos se lembram que, quando enviamos uma foto a alguém ou a colocamos online, nunca mais voltamos a ter controlo sobre a utilização que poderá ser feita daquela nossa imagem?

"Think before you post" foi o tema do última dia internacional para uma Internet mais segura, que se assinalou no passado dia 9 de Fevereiro:



Mais informação aqui:

Insafe: rede europeia de centros para uma Internet mais segura

Stop Cyberbullying

E em português:

Miúdos Seguros na Net


... O que pensam sobre tudo isto?

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Comprar alimentos para as crianças: que cuidados ter?

imagem: Getty Images


Por Solange Burri*


Na visita ao supermercado, a necessidade de saber escolher os produtos alimentares mais adequados, e não apenas avaliar a relação qualidade/preço afixada, adquire fundamentada preocupação junto das pessoas que assumem a responsabilidade da alimentação de crianças. Este facto está não só relacionado com a preocupação de valorizar nutricionalmente os cuidados alimentares deste vulnerável grupo de risco mas também pela excessiva oferta alimentar que actualmente se pratica e corrompe a capacidade económica de múltiplas famílias.

Por isso, o artigo de hoje pretende esclarecer os cuidados que devem orientar o consumidor no momento de adquirir alimentos para crianças rentabilizando assim uma escolha mais acertada que promoverá a certeza de uma compra bem sucedida e, a longo prazo, a educação alimentar no lar. Saiba pois produtos alimentares deve procurar nas prateleiras dos supermercados e quais deve evitar:

- Preparações de cereais (Papas): as instantâneas apresentam formulações muito semelhantes e podem ser preparadas a partir de água (lácteas, já contêm leite em pó) ou do leite do bebé (não lácteas) sendo que, neste último caso, são indicadas para bebés amamentados ou que apresentem um quadro de alergias. Instantâneas ou prontas-a-comer, respeite a faixa etária a que se aplicam, varie as marcas e os sabores entre si, salvaguardando sempre a possibilidade de alergia em cada nova introdução. O glúten só deve oferecido a partir dos 6 meses. Para qualquer faixa etária, vigie no rótulo, a composição nutricional em hidratos de carbonos total, onde o elevado teor de açúcar pode ser dissimulado bem como o nível de sódio (sal) que deve sempre ser o mais baixo possível. A adição de mel ou de chocolate é desfavorável;

- Boiões de Fruta: os boiões, de composição 100% fruta, são a melhor opção desde que não comprometam o frequente consumo infantil de fruta crua. Rejeite formulações cujo rótulo registe mel na sua composição ou outro ingrediente que potencie o paladar doce (sacarose, frutose, dextrose, maltose…ose!) que a fruta já possui. Fique atento a marcas mais baratas que desrespeitam o amadurecimento ideal da fruta e compensam a sua acidez com ácido cítrico (E330) e açúcar;

- Boiões de comida: no geral, as reconhecidas marcas de alimentação infantil apresentam estes alimentos fortemente controlados tendo em conta as especificidades nutricionais das faixas etárias rotuladas. Mas o seu baixo teor proteico, adição precoce de sódio (sal) e necessidade de aditivos que salvaguardem a sua segurança fazem destes produtos uma opção desinteressante. Além disso, grande parte não se adapta à cultura gastronómica portuguesa, desfavorável no importante processo da educação alimentar infantil;

- Bolachas: as opções destinadas para bebés de idade mais precoce são interessantes, pela sua textura e formulação pouco rica em açúcar e sódio e sempre que não ocorra reacção ao glúten. A clássica bolacha maria é sempre uma boa opção: vigie no rótulo o teor de açúcar bem como de sódio e a existência de gorduras hidrogenadas (trans).

- Iogurtes: escolher apenas as variedades refrigeradas que têm efeito probiótico. Antes da introdução do leite de vaca na dieta infantil, adquira apenas iogurtes de transição. A partir daí, privilegie o consumo de iogurte natural, não açucarado, sempre à base de leite semi-desnatado. Rejeite versões mini ou adoçadas com mel, lactose, frutose, etc. ou chocolate e atracções similares. Variando marcas, procure sempre o prazo de validade mais alargado. Rotulagem bifidus/bio deve ser específica para crianças até aos 3 anos. Opções light apenas por recomendação médica.

Esperando que cumpra estes requisitos na rotina das suas compras lembrámos ainda da importância de favorecer sempre a alimentação não processada industrialmente, que deve confeccionar a partir de alimentos frescos e de qualidade assegurada. Salvaguarda assim a saúde infantil, poupa na farmácia e…no pediatra!

*Solange Burri
Segurança Alimentar e Nutrição Infantil
http://www.babysol.com.pt

segunda-feira, 12 de abril de 2010

A importância do pré-escolar

Por Bárbara Wong*

Quem não inveja, nem que seja só um bocadinho, as glamorosas donas-de-casa norte-americanas, que tomam conta dos seus filhos desde que nascem, ponha o dedo no ar. Não vejo um único dedo no ar! Elas existem, não é só nos filmes mas na vida real. São mulheres que estudaram, completaram o ensino superior mas os ordenados dos maridos permitem-lhes ficar em casa, ser mães a tempo inteiro e cozinheiras fabulosas, que fazem bolos com vários andares e cheios de cores (estou a exagerar).

A verdade é que elas ficam com os miúdos em casa até aos seis anos, idade com que entram para a escola. O pré-escolar existe nos EUA mas ou é para as crianças oriundas de famílias que podem pagar centenas de dólares mensalmente para estarem no jardim-de-infância ou para os mais desfavorecidos, aqueles para quem o inglês não é a língua materna, para os filhos de mães trabalhadoras, ou seja, para as crianças para quem o pré-escolar foi pensado como uma maneira de esbater as desigualdades à entrada do 1.º ciclo.

No primeiro dia de aulas, numa turma de 1.º ano, a professora chama o aluno pelo nome e ele não responde, a professora insiste até que o miúdo se apercebe e responde-lhe: “Eu não me chamo John, o meu nome é Mad Man (uma alcunha)”. Há crianças que chegam ao primeiro ciclo sem saber o seu nome próprio, afirma Sambie Shivers-Barclay, do departamento de Educação de Washington, DC, depois de contar a história e continua: “Há crianças que entram na escola e não sabem o nome, não sabem os números nem o alfabeto, não sabem sentar-se a uma secretária porque a única coisa que fizeram até então foi estar sentadas frente à televisão”, reforça.

O pré-escolar não é obrigatório nos EUA e por isso a aposta tem sido muito pouca neste nível de ensino. Por isso, existem milhares de jardins-de-infância com listas de espera, onde as direcções podem escolher os alunos e onde os pais que podem prometem mundos e fundos para que os filhos ingressem; mas também existem os que têm listas de espera para receber os mais pobres, os que têm necessidades educativas especiais, os que não sabem inglês.

A administração Obama tem dado particular importância ao pré-escolar como um meio para combater as desigualdades e de promover o futuro sucesso escolar. No final do ano passado, o governo federal disponibilizou mil milhões de dólares para que os 50 estados desenvolvam programas de pré-escolar. Enquanto por cá ainda nos escandalizamos porque a oferta do pré-escolar não atingiu os 100 por cento; no estado de Oklahoma apenas 55 por cento das crianças de quatro anos frequentam, ao passo que no Nevada apenas um por cento o faz.

Mas, como dizia no princípio, muitas mães estão em casa e os condados oferecem outras alternativas como o “day center”, onde a criança pode passar duas ou três horas diárias ou estar algumas vezes por semana, a fazer actividades semelhantes às desenvolvidas no pré-escolar; ou programas onde mães e filhos podem participar em conjunto.

A aposta tem que ser num pré-escolar com qualidade, como dizia Claire Hamilton, professora da escola superior de educação da Universidade de Massachusetts, “o pré-escolar pode ser qualquer coisa mas é o que vai marcar os alunos para o resto da vida. É o que vai determinar o futuro da criança se esta começar a ouvir falar sobre a universidade quando ainda tem quatro anos”. Ou seja, quando os pais têm poucas ou nenhumas expectativas, o pré-escolar pode e deve – lá como cá – fazer a diferença na vida das crianças, desde a mais tenra idade.

*A jornalista viajou a convite do Departamento de Estado dos EUA e a viagem foi financiada pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento.

sábado, 10 de abril de 2010

Encher os olhos

Na exposição de Joana Vasconcelos.
"Sem Rede" está até 18 de Maio no Museu Colecção Berardo do Centro Cultural de Belém em Lisboa. É o tipo de exposição mediática que não precisava para nada de divulgação no Bebé Filósofo.

E, no entanto, merece-a. "Children friendly" q.b. (pode-se tocar na maioria das peças, mas não convém abusar... e o problema é que dá mesmo vontade de o fazer), vale a pena levá-los a conhecer os destroços desta explosão criativa que é a mente de Joana Vasconcelos.

É enorme, colorido, inesperado, surpreendente... Há lá ingredientes melhores para encher o olho de uma criança?

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Salve o seu filho. Pergunte-me como.


Por João Paulo Batalha*


Há 15 anos atrás eu era jornalista de rádio. Há dez era copy-desk de um site Internet. Há cinco era colaborador freelancer de projectos de comunicação institucional. Hoje sou consultor de comunicação e produtor de conteúdos museológicos para públicos infantis. Quando era garoto queria ser jornalista, mas não me licenciei em Jornalismo. Estudei Direito sem alguma vez querer ser advogado. Formei-me em História, mas nunca quis ser historiador.


Com o evoluir dos anos habituei-me à ideia de que a minha profissão demorava cada vez mais tempo a enunciar (e ainda mais a explicar) e de que o curso que estava a tirar, fosse qual fosse, não tinha qualquer relação directa com o meu trabalho. Hoje olhamos para trás, para os bons velhos tempos de tanoeiros e azeiteiros e marceneiros e torneiros mecânicos, profissões de homem, coisa rija cujo impacto é óbvio e imediato, e sentimos como o mundo mudou.


Hoje em dia, dizem-nos – e dizem-nos com razão – que grande parte de nós tem profissões que não existiam há 50 anos. E que estamos a educar os nossos filhos para profissões que ainda não existem hoje. Que raio lhes havemos de ensinar? As oitavas decassilábicas dos Lusíadas? A tragédia de Alcácer-Quibir ou o milagre de Ourique? 2 e 2 são 4? O que é que isso interessa, daqui a 20 anos, a um designer de modulação omni-gravitacional? (sim, estou a inventar, eu sei, mas fossem dizer ao meu avô, há 30 anos, que o neto ia ser copy-desk de um site da Internet; que diria ele, “em minha casa nunca!”?)


Nada nos consola, frente à incerteza, como um bom chavão. Aqui vai um: vivemos na sociedade da informação. E mais outro: para sermos competitivos, temos de orientar o nosso sistema educativo para a inovação e o conhecimento. Pronto. Quem não quiser saber do problema pode dormir tranquilo na certeza de que mentes capazes estão em cima do assunto. Quem se interessa percebe facilmente que os chavões, além de darem consolo aos indolentes, não avançam grande coisa.


O que é afinal educar para a inovação e o conhecimento? No tempo da outra senhora, sobre o qual as velhinhas suspiram porque havia trabalho e havia respeito, a escola ensinava um ofício (e ensinava também, para não haver cá ideias, que manda quem pode e obedece quem deve). Depois da Revolução descobriram que a escola devia ser um palco para a felicidade, sem lugar para coisas traumatizantes, de exigência e rigor. Hoje parece que o futuro são quadros electrónicos e computadores portáteis pequeninos com jogos de pinguins.


Tanto faz (não é tanto faz, claro. A diferença entre uma escola boa e uma má é um futuro ganho ou perdido). Mas de uma maneira ou de outra a escola vai sempre servir para definir (bem ou mal) um conjunto de saberes essenciais e tentar metê-los (bem ou mal) na cabeça das nossas crianças. E ainda bem. É para isso que ela lá está. Mas isso, voltando ao chavão, não é capacitar para a inovação e o conhecimento. Não é isso que faz um bom designer de modulação omni-gravitacional. Saber ler, escrever, contar, isso é só uma parte.


O resto é connosco. Connosco pais (e irmãos e tios e primos), connosco jornalistas (ou copy-desks de sites de Internet), connosco programadores culturais, médicos, funcionários públicos, tanoeiros, azeiteiros e torneiros mecânicos, todos nós que andamos na vida uns dos outros. Porque o resto, aquilo que fica a faltar depois de termos aprendido tudo o que a escola tem para nos meter na cabeça, é aprender a pensar. Mais do que isso, é aprender a criar.


E isso faz-se – isso só se faz – exercitando a liberdade, esse músculo caprichoso que atrofia com a rotina e morre com a resignação. Não é ensinar as respostas, como faz a escola, como deve fazer a escola. É ensinar as perguntas. É pôr na educação que damos aos miúdos (e já agora, na educação que nos damos a nós próprios) a vertigem da descoberta, o gozo imenso da incerteza. É pôr arte na nossa vida, não como um luxo mas como um meio, uma fonte de perguntas, um desbloqueador de imaginações. Porque nesse futuro que não existe e que nós não imaginamos, não ganha quem souber as respostas. Ganha quem souber as perguntas.


*Formado em História, João Paulo Batalha é jornalista e fundador da Storymakers, uma empresa dedicada à produção de exposições, eventos e produtos culturais para crianças.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Obrigada Medicina. Obrigada Destino.

Ninguém gosta de ver um filho doente. E falo das doenças triviais, banais, nada de especial, que sabemos que fazem parte da infância e que são um mal necessário, mas que não deixam de ser uma chatice. A verdade é essa.
A mim bastam-me as viroses, bronquiolites, febres repentinas e afins para andar durante esses dias de respiração sustida, quase em piloto automático, à espera que passe e se vão cumprindo as etapas previstas rumo à recuperação total. “Ao terceiro dia a febre começa a espaçar, ao quarto dia já deve estar mais bem-disposto, a tosse demora um bocadinho mais, mas se está a comer é bom sinal…”.
Dou por mim a repetir estes timings como se fossem infalíveis, garantia de qualquer coisa, como se fossem um mantra que pela repetição se torna realidade. E torna. A verdade é que, na maior parte das vezes, as coisas se resolvem rapidamente e sem problemas. Passam-se umas noites em claro, limpam-se vomitados a meio da noite, dá-se uso à maquina dos aerossóis e está feito. Pelo menos até à próxima.

Já me conformei com este culto da paciência que implica a época das viroses. Não há muito a fazer senão esperar que passe. A alguma prescrição médica, junta-se uma dose extra de mimo que ajuda sempre. Também sou um bocadinho avessa a encharcar as crianças em medicamentos. Vale-me um pediatra pouco interventivo e confiante nas leis da Natureza. Tranquilizador. As corridas para a urgência são quase inexistentes. Tal como um oráculo sapiente, os seus prognósticos cumprem-se rigorosamente. Eu fico sempre surpreendida, como se assistisse a um milagre da previsão do futuro. Como se tivesse consultado o curandeiro da aldeia e ele acertasse em tudo só por interpretar as nuvens, ou sinais de fumo, ou o que quer que seja que os curandeiros usam para os seus diagnósticos.

Mas quando há percalços, quando no dia em que o bebé devia melhorar e piora, quando a febre, em vez de ceder, dispara, eu, que gosto de pensar em mim como uma mãe semi-new-age regresso ao natural-crianças-descalças-e-a-comer-terra, sinto-me repentinamente grata por ter uma urgência onde recorrer, com aerossóis e raio x e receitas para aviar na farmácia.

E só ter que esperar 24 horas para que o antibiótico comece a fazer efeito e o bebé volte a querer brincar e gatinhar e comer. Que deixe de gemer e tenha os olhos colados com ramelas infectadas e secreções amarelas a entupir-lhe o nariz e a afogar-lhe a garganta, o peito a chiar como uma locomotiva. Que haja uma ajuda farmacológica para que ele não tenha que passar mais um dia disto do que o necessário. Que a sociedade civilizada que eu tantas vezes critico, possibilite estes recursos que noutros lados do planeta são inexistentes.
E penso nas mães e pais que não podem fazer mais nada senão velar os bebés a noite e pôr-lhes panos húmidos na testa para baixar a febre. E esperar. Esperar que as crianças superem, o que sabemos que nem sempre acontece. Nos sítios onde não há médicos ao virar da esquina, nem hospitais, nem farmácias de serviço. Muitas vezes nem água potável.

E sinto-me grata por viver num país onde há tudo isto. Obrigada Medicina, obrigada investigação científica, obrigada sociedade civilizada, com todos os teus defeitos.
E obrigada Destino, por teres feito os meus filhos nascer do lado certo do mundo.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Um sítio para viver




Em Away We Go um casal, Verona e Burt, nos meses que precedem o nascimento do primeiro filho, procura um local onde este possa crescer. Visitam os avós paternos, a tia materna, uma prima, amigos e o tio paterno. Viajam de Phoenix para Tucson no Arizona e depois para Madison, Montreal e Miami.

Encontram vários tipos de família: a família apocalíptica da antiga chefe de Verona, a família de filhos adoptados e pais secretamente amargurados pela esterilidade, a família destroçada pelo abandono da mãe. Em Madison, Wisconsin, a visita a L.N., a mulher que não usa carrinhos de bebé, um estereótipo quase repugnante da família que desde o new age à contemporaneidade usa os modos de vida alternativos com a convicção dos convertidos. O filme desenvolve-se com a ligeireza de um road movie e é aconselhável aos que pretendem constituir família e enfim a todos os que se preocupam em controlar os genes egoístas e dar à vida algum sentido.

Os desempenhos são fantásticos. O amor entre Verona e o homem com quem ela nunca casará nem abandonará é comovedor, com a sábia retracção dela e a ingénua bonomia de Burt.
Alguns momentos são grandiosos, como a noite em que Rona transforma Mr Tambourine Man numa canção de embalar dedicada à sobrinha, no rescaldo de um abandono cuja dimensão esta ainda não conhece e logo a seguir, quando, debaixo do céu de Miami, o casal sela promessas deitado num colchão de saltos.

O filme é ambíguo, em momentos parecendo caricatural e bem pensante, mas atormentado com as cicatrizes da Beleza Americana e de Revolutionary Road , dois dos filmes anteriores de Sam Mendes sobre a família americana.

Numa cena, as duas irmãs olham para Burt, no fundo de campo, e Grace diz a Rona: tiveste sorte , tens um bom homem. Nesse momento Burt cai, enquanto faz voz grossa para tentar vender apólices, por telemóvel, a sexagenários.

A lição de Away We Go, num ecrã perto de si, é : o caminho faz-se a andar. E ainda: se formos juntos qualquer sítio serve, mas o melhor é aquele que os nossos avós escolheram e onde a nossa Mãe cresceu.