Há quatro anos, faz hoje quatro anos, eu estava a arrumar roupinhas de bebé e a dar risinhos com a minha irmã. Estávamos contentes e nervosas, expectantes com este bebé que era só nosso e com quem íamos “poder brincar à vontade”.
Eu e a minha irmã tínhamos esta sensação estranha de que o bebé que eu ia ter pertencia na realidade à nossa mãe. Comentávamos isto e riamos: “Achas que a mãe nos vai deixar andar com ela ao colo o dia todo?”. Na altura, sabíamos da estranheza desta impressão, mas não compreendíamos bem o porquê. Achámos que se devia ao facto de os últimos bebés a que tínhamos tido acesso terem sido os nossos dois irmãos mais novos, esses sim, de facto, os bebés da minha mãe.
Hoje, quatro anos depois, compreendo que não era só isso. A verdade é que eu não sabia ser mãe. A minha mãe sabia. A minha mãe é uma mãe de mão cheia. E eu, inconscientemente, achava que por isso, ela seria a melhor pessoa para ser a mãe do meu bebé.
Eu dizia “a minha filha” e olhava em volta, a tentar perceber se mais alguém achava aquela frase tão estranha como eu. Em segredo dizia-te "és o meu brinquedo". E mais baixinho, "desculpa, eu não sei bem o que estou a fazer".
Não foi automático, nem fácil, nem rápido. Foi trabalhoso e desafiante, como costumam ser as grandes aprendizagens da vida. Foi o que tinha que ser. Tu aprendias a viver neste mundo, eu aprendia a ser a tua mãe. Todos os dias coleccionámos uma nova lição. Até não haver dúvidas e estarmos as duas adaptadas. Mãe e filha.
Gosto de ir avaliando a minha prestação. Faço-o de uma maneira científica e rigorosa.
E então às vezes pergunto-te:
“Gostas da mãe ou queres ir buscar outra ao supermercado?”
(Umas vezes dizes logo Gosto desta, outras gozas-me descaradamente. “Gostava mais de ter outra” e acrescentas alguém que sabes que me vai fazer ciúmes, muitas vezes a avó, mãe do pai. Também já disseste que gostavas de ter dois pais. Eu rio-me e tu também. Sabemos que não tens alternativas. Mãe é mãe. Que se há-de fazer?)
Amanhã fazes quatro anos e eu tento lembrar-me como é o mundo quando temos quatro anos. E ocorre-me que crescer não é mais do que o esticar dos ossos aliado a algum cansaço trazido pelos anos. Não é muito mais do que isso, sabes. Para mim não tem sido.
Eu estou na mesma para aí desde os meus 18 anos. Não mudei muito, sou talvez mais paciente, mais tolerante. Sei mais coisas, descobri mais caminhos. Mas na essência, estou igual. E por isso, te digo: não esperes que os anos te tragam respostas. Confia que aquilo que hoje te parece evidente provavelmente é porque é mesmo.
Um dia vou mostrar-te este texto. Mas só quando fores crescida, se calhar mesmo à beira de teres os teus próprios bebés. E nesse dia vais perceber que ninguém sabe realmente o que fazer. Fingimos, isso sim. E ao fazê-lo aprendemos.
Há coisas que eu faço porque tem que ser, porque é o que é suposto uma mãe fazer. Às vezes consigo aparentar convicção, outras nem por isso.
E aqui te conto alguns segredos.
Eu e o pai, quando vamos às reuniões na tua escola, sentimos sempre que os pais dos outros meninos são amigos dos nossos próprios pais e não pessoas da nossa idade.
E eu, quando falo com a tua educadora, acho sempre que ela me vai mandar vestir o bibe e sentar-me ao pé de ti e dos teus amigos no tapete.
E eu, quando falo com a tua educadora, acho sempre que ela me vai mandar vestir o bibe e sentar-me ao pé de ti e dos teus amigos no tapete.
Lembras-te quando pintaste as paredes do corredor a caneta? Fiz uma cara zangada, mas deram-me vontade de rir aqueles rabiscos a menos de um metro do chão pela parede fora.
Outra: Quando eu insisto para comeres a sopa, é mais por uma questão de princípio. Não quero que sejas uma miúda “esquisitinha”. Mas sabes, na maioria das vezes, até nem havia problema se não comesses. Há coisas que eu também não gosto, ou que só aprendi a gostar mais tarde.
Ah. E eu não me importo se não tiveres sempre boas notas.
E acho que quando entrares na escola não devias ter trabalhos de casa.
Eu prefiro que tu tenhas vontade de brincar do que sejas a melhor da turma. Aliás, não precisas de ser a melhor em nada.Se um dia fores a melhor (seja no jogo do elástico ou se ganhares o Nobel da Química) que seja porque o percurso para lá chegar te deu gozo e felicidade e não porque meteste na cabeça simplesmente que tinhas que ser a melhor.
Também não precisas de um dia ter um cargo muito importante. Basta teres um trabalho que te faça feliz e te permita obteres as coisas que são verdadeiramente importantes para ti. Preocupa-te com essas, deixa as outras.
O tempo é mais importante que o dinheiro. A liberdade é carregarmos pouca bagagem. Não stresses, ignora o ritmo do mundo e vive segundo o teu próprio ritmo.
Vais estar muitas vezes rodeada de pessoas chatas. Uma dica: Mantém a tua imaginação fértil e a tua criatividade apurada. São o botão turbo para accionar em caso de emergência: O teu corpo fica, mas a tua cabeça já está a passear. Abana a cabeça com ar afirmativo e diz “Pois” ou “ahã” de vez em quando. Ninguém vai reparar que não estás a prestar atenção nenhuma.
Eu gostava que me respeitasses sempre mas que não tivesses medo de mim. Eu sei que quando fores adolescente vai haver alturas em que terei que te ameaçar com mil castigos e tu me vais desafiar constantemente. Às vezes já o fazes. Mas olha, se um dia estiveres mesmo enrascada, vem pedir-me ajuda. Que eu seja o teu primeiro telefonema. Sempre.
Aconteça o que acontecer, eu estou aqui para te ajudar.
E mantém-te fiel aos teus princípios. Em tudo o que fizeres deves ser honesta, trabalhadora e justa. Educada. Ciente da liberdade dos outros. Tolerante. Boa. Generosa. Feliz.
Tudo o resto são pormenores.
E, olha, dou-te estes conselhos, porque sim.
Porque as coisas que a minha mãe me ensinou ficaram para sempre na minha cabeça. Mas eu sei que a decisão será sempre tua. Não posso viver por ti.
Eu sou tua, mas tu não és minha. Tu és do mundo.
E, aos quatro anos, o mundo é teu.
Parabéns, meu coração.
Muitos parabéns, pela maternidade e pelo texto. Adorei e revi-me em muita coisa. ;)
ResponderEliminarTânia, mãe à 18 meses
Adorei o teu texto...tão verdadeiro..com tudo o que gostaria também de dizer ao meu filho!!!
ResponderEliminarParabéns!
É isto. É exactamente isto amiga.
ResponderEliminarBeijos
PS - sinto-me igual nas reuniões de pais. É o máximo.
Rita Branco
Lindo! Reconheço-me, a mim e a ela, já com 6 anitos, ... Obrigado. Vou partilhar.
ResponderEliminarMuitos parabéns pelo texto. Adorei! Confesso que vieram-me as lágrimas aos olhos. Penso que me revi neste texto porque o que mais desejo para a minha filha é que ela seja muito feliz. Isabel Guimarães
ResponderEliminarParabéns! adorei o texto e revi-me em muita coisa. parabéns!
ResponderEliminarMãe do Pedro de 3 anos e à espra da Clara
Muito bonito! adorei o texto e tal como algumas mães, também fiquei com a lágrima ao canto do olho.
ResponderEliminarPatricia Calvario (Mãe do KIKO de 2 anos e meio e á espera da Lúcia)
Lindo!!!
ResponderEliminarPrecisamente o que quero para os meus!!!
Parabéns por pôr tão bem no papel algo que todos sentimos tão profundamente.
Mãe de dois reguilas, um com 4 anos e outro com 17 meses.
.............................................................................................................................................Não dizem que às vezes o silêncio vale mais q mil palavras?!?! Perante as tuas, só o meu coração fala...
ResponderEliminarJá faz hoje quatro anos (já passa da meia-noite) que nasceu a minha primeira neta. A filha da minha filha mais velha!
ResponderEliminarAo princípio, ainda durante a gravidez, já me continha para não dar conselhos, sugestões, "sentenças"... mas iam saindo à mesma! (esses bodies não dão jeito nenhum, essas meias apertam nas perninhas do bebé, essa mantinha larga muito pêlo, faz CTG, não faz CTG, toma ácido fólico, mede a tensão arterial, escolhe esta maternidade/aquela maternidade, induz o parto, não induz o parto, essa cor é horrível, esse pijama-camisa de noite-robe-chinelos-necessaire não são giros para levar para a maternidade...)
A verdade é que a minha filha fez sempre o que entendeu, e fê-lo muito bem!
É uma excelente mãe, e quase todos os dias aprendo com ela uma coisa nova sobre ser mãe. Eu acho que sou melhor mãe desde que a vejo ser mãe!
Obrigada Constança!
Que bom poder ler estas palavras...confesso que senti um enorme alivio, porque hoje em dia parece só existirem super mães e pais prontos a exigir dos filhos mundos e fundos (que sejam os melhores em tudo). Hoje, ao ler este texto senti-me uma mãe perfeitamente normal que se delicia com as aquisições e travessuras das suas filhas (7 e 2 anos).
ResponderEliminar:) Fiquei com as lágrimas nos olhos, é tal e qual! Vou linkar, obrigada pelo texto.
ResponderEliminarBeijos e parabéns
Rita
(mãe quase há 5 anos)
Que lindo Constança, que declaração de amor, que lucidez. Parabéns à filha e à mãe pelos 4 anos e por uma vida toda. Por esta promessa de felicidade que é o futuro.
ResponderEliminarFabuloso. Quando nascem os bebés pertencem às avós. Só depois pertencem às mães- e por tão pouco tempo. E os pais? Tão caladitos...
ResponderEliminarObrigada por partilhar comigo este magnífico texto. Quando for grande quero ser uma Mãe capaz de escrever assim...
ResponderEliminarJoana, Mãe da Rita de 4 anos e da Isabel de quase 2.
Lindo, simplesmente maravilhoso...
ResponderEliminar