quinta-feira, 8 de abril de 2010

Salve o seu filho. Pergunte-me como.


Por João Paulo Batalha*


Há 15 anos atrás eu era jornalista de rádio. Há dez era copy-desk de um site Internet. Há cinco era colaborador freelancer de projectos de comunicação institucional. Hoje sou consultor de comunicação e produtor de conteúdos museológicos para públicos infantis. Quando era garoto queria ser jornalista, mas não me licenciei em Jornalismo. Estudei Direito sem alguma vez querer ser advogado. Formei-me em História, mas nunca quis ser historiador.


Com o evoluir dos anos habituei-me à ideia de que a minha profissão demorava cada vez mais tempo a enunciar (e ainda mais a explicar) e de que o curso que estava a tirar, fosse qual fosse, não tinha qualquer relação directa com o meu trabalho. Hoje olhamos para trás, para os bons velhos tempos de tanoeiros e azeiteiros e marceneiros e torneiros mecânicos, profissões de homem, coisa rija cujo impacto é óbvio e imediato, e sentimos como o mundo mudou.


Hoje em dia, dizem-nos – e dizem-nos com razão – que grande parte de nós tem profissões que não existiam há 50 anos. E que estamos a educar os nossos filhos para profissões que ainda não existem hoje. Que raio lhes havemos de ensinar? As oitavas decassilábicas dos Lusíadas? A tragédia de Alcácer-Quibir ou o milagre de Ourique? 2 e 2 são 4? O que é que isso interessa, daqui a 20 anos, a um designer de modulação omni-gravitacional? (sim, estou a inventar, eu sei, mas fossem dizer ao meu avô, há 30 anos, que o neto ia ser copy-desk de um site da Internet; que diria ele, “em minha casa nunca!”?)


Nada nos consola, frente à incerteza, como um bom chavão. Aqui vai um: vivemos na sociedade da informação. E mais outro: para sermos competitivos, temos de orientar o nosso sistema educativo para a inovação e o conhecimento. Pronto. Quem não quiser saber do problema pode dormir tranquilo na certeza de que mentes capazes estão em cima do assunto. Quem se interessa percebe facilmente que os chavões, além de darem consolo aos indolentes, não avançam grande coisa.


O que é afinal educar para a inovação e o conhecimento? No tempo da outra senhora, sobre o qual as velhinhas suspiram porque havia trabalho e havia respeito, a escola ensinava um ofício (e ensinava também, para não haver cá ideias, que manda quem pode e obedece quem deve). Depois da Revolução descobriram que a escola devia ser um palco para a felicidade, sem lugar para coisas traumatizantes, de exigência e rigor. Hoje parece que o futuro são quadros electrónicos e computadores portáteis pequeninos com jogos de pinguins.


Tanto faz (não é tanto faz, claro. A diferença entre uma escola boa e uma má é um futuro ganho ou perdido). Mas de uma maneira ou de outra a escola vai sempre servir para definir (bem ou mal) um conjunto de saberes essenciais e tentar metê-los (bem ou mal) na cabeça das nossas crianças. E ainda bem. É para isso que ela lá está. Mas isso, voltando ao chavão, não é capacitar para a inovação e o conhecimento. Não é isso que faz um bom designer de modulação omni-gravitacional. Saber ler, escrever, contar, isso é só uma parte.


O resto é connosco. Connosco pais (e irmãos e tios e primos), connosco jornalistas (ou copy-desks de sites de Internet), connosco programadores culturais, médicos, funcionários públicos, tanoeiros, azeiteiros e torneiros mecânicos, todos nós que andamos na vida uns dos outros. Porque o resto, aquilo que fica a faltar depois de termos aprendido tudo o que a escola tem para nos meter na cabeça, é aprender a pensar. Mais do que isso, é aprender a criar.


E isso faz-se – isso só se faz – exercitando a liberdade, esse músculo caprichoso que atrofia com a rotina e morre com a resignação. Não é ensinar as respostas, como faz a escola, como deve fazer a escola. É ensinar as perguntas. É pôr na educação que damos aos miúdos (e já agora, na educação que nos damos a nós próprios) a vertigem da descoberta, o gozo imenso da incerteza. É pôr arte na nossa vida, não como um luxo mas como um meio, uma fonte de perguntas, um desbloqueador de imaginações. Porque nesse futuro que não existe e que nós não imaginamos, não ganha quem souber as respostas. Ganha quem souber as perguntas.


*Formado em História, João Paulo Batalha é jornalista e fundador da Storymakers, uma empresa dedicada à produção de exposições, eventos e produtos culturais para crianças.

4 comentários:

  1. Adorei o texto. Nunca consegui explicar esta ideia de liberdade da forma elegante como o fez. No entanto é isso mesmo: é dar a liberdade de querer, de gostar, de desejar. É alimentar o desejo de descoberta e deixar que lhes cresçam as asas. Gostei muito.

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  2. 3Picuinhas: Aí está esta ideia de liberdade explicada de forma superiormente elegante: "É alimentar o desejo de descoberta e deixar que lhes cresçam as asas". É essa mesmo a ideia, e ainda ma poupa uns 4000 caracteres. Bons voos!

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  3. É tudo fantástico. O texto, o comentário e a resposta!
    A ideia que lhe está subjacente é superior: "Só a Educação nos torna verdadeiramente livres"

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  4. Saíste-me melhor do que a encomenda

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