segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Fala o pai; fala a filha: o uso do telemóvel

*Por António Tavares e Joana Barata Tavares

Um estudo em Portugal sobre o uso do telemóvel concluiu que este equipamento é utilizado cada vez mais precocemente. A criança mais nova que recebeu um telemóvel tinha 2 anos!

fala o pai

Quando a minha filha tinha 2 anos não havia telemóveis, mas se lhe desse uma prenda com um lá dentro, ela ficaria feliz a brincar com o papel, desinteressada do aparelho. Se começasse a mexer nele eu até ficaria receoso que o estragasse.

Agora, quando sou eu a mexer no computador dela, ouço “Ó pai, sai daí! Estragas-me isso”. Sempre duvidei se a questão era eu não ter jeito para aquilo ou se era a preocupação de que eu visse o e-mail do namorado, “um rapaz vil e viperino" que existe na minha imaginação desde que ela completou 13 anos!”


Decidi fazer um curso sobre Internet. Mas ela insiste em relembrar-me, do alto dos seus 24 anos, “Não mexas no meu portátil, não percebes nada disso!”

Ela tem um PDA, que serviu para, um Natal, eu gastar 250 € e fazer-lhe uma surpresa. Ela disse-me “Ó pai, podes dar-me este presente! Pagou a mãe.” Era como dizer: “pagaste tu, sem teres autorizado que os 250 € voassem da tua conta.”

O PDA vinha num embrulho com papel colorido e laço vistoso. Ela adorou a “minha ideia em lhe ter comprado aquele presente, como é que eu sabia que era aquilo que ela desejava!”
Eu estava feliz por “lhe” ter comprado o que ela queria! “Sempre fui muito perspicaz a avaliar as suas pretensões!...”


Enquanto ela dissertava sobre a próxima prenda que eu “lhe” iria dar, o iPod, eu acabei a guardar o embrulho, tão giro que até serviria para uma próxima prenda.

Provavelmente foi isto que fez a criança de 2 anos ao receber o telemóvel. Brincou com o embrulho e não ligou ao aparelho.


Fala a filha


O meu pai ainda não percebeu que o iPod foi comprado antes do PDA.

De facto, o que “ele me comprou” primeiro foi um telemóvel, quando fiz 13 anos e comecei a andar com o tal namorado “vil e viperino”, cuja existência ele imagina e só agora, do alto dos meus 24 anos, assumo ter existido.

Acrescento que o tal curso sobre Internet nunca chegou a ser concluído…


Falam ambos

Actualmente não está estabelecida uma relação de causalidade entre os campos electromagnéticos dos telemóveis e algumas doenças. Mas, devido aos possíveis efeitos cumulativos de um elevado tempo de exposição, podemos assumir que ter um telemóvel aos 2 anos é muito cedo.

Há queixas sobre eventuais efeitos dos campos electromagnéticos na saúde. Mas quem nunca poderá reclamar sobre isso é quem ofereceu o telemóvel a uma criança de 2 anos.


António Tavares – Médico Especialista e Doutorado em Saúde Pública. Director do Departamento de Saúde Pública e Delegado de Saúde Regional da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo. Professor Convidado de Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa.


Joana Barata Tavares – Médica Interna do Ano Comum no Centro Hospitalar Lisboa Ocidental.

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