quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

A caixa.. ou a importância do Porque Não?

Corbis/Sandra Seckinger


Falava há alguns dias a Bárbara, prezada contribuidora deste blog, sobre a importância do não. Dizia que nem sempre o não tem que vir acompanhado de uma explicação, que às vezes é não e pronto, acabou.

Eu cresci a perceber que havia "nãos" que até eram negociáveis, enquanto outros eram "nãos" a sério, incontornáveis e finais. "Nãos" que quando eu perguntava "porquê" tinham como complemento "porque eu sou a mãe/pai e digo que não". E eu aceitava. Parecia-me lógico. Parece-me lógico ainda e, embora não tenham sido muitas as vezes, já usei este argumento do "eu sou a mãe e digo que não" numa ou outra situação.

Há uma tendência actual para se falar disto. Reflexo de inversão, suponho eu, face ao surgimento dos tais "pequenos tiranos" com honras mediáticas. Os tais que, dizem, estão a crescer com ausência total de regras. Fala-se muito da importância da autoridade, das regras firmes, das balizas que as crianças devem ter, de forma a não crescerem desaustinados e verdadeiras pestes endemoínhadas que nunca serão felizes na vida, simplesmente porque assumem que tudo lhes é devido.


Certo.


Mas eu deparo-me com uma curiosa dicotomia. Na minha profissão, que atravessa o marketing, comunicação e afins, usa-se muito, cada vez mais de há uns anos para cá, o conceito de "thinking outside the box". Esta expressão, que nem sequer é recente, nem inicialmente aplicada a estas áreas, sintetiza algo que é cada vez mais valorizado: o pensamento criativo na procura de soluções alternativas. Imaginemos uma reunião de briefing criativo, um brainstorming para uma campanha, numa agência de comunicação. Ao fim de duas horas de banalidades, alguém sugere algo inesperado como soltar 70 lémures selvagens no metro em plena hora de ponta, vestidos com t-shirts estampadas com o logotipo do cliente. E pronto. É considerado um génio.

A verdade é que nós, adultos, estamos a valorizar cada vez mais esse bem raro que se tornou a criatividade. Estamos a perceber a sua importância, a sua necessidade imprescindível face a uma vida, que por mais que não aceitemos ou antecipemos, é em si mesma…imprevisível. Já percebemos, por fim, que quando A não leva a B, teremos que inventar um C para lá chegar.

Mas… ao mesmo tempo, esquecemos que os verdadeiros “thinkers outside the box” estão mesmo aqui ao lado. Sim, estão ao nosso lado. Mas temos que olhar para baixo para os ver...As crianças são reservatórios natos de criatividade. De uma imaginação que não conhece limites. A não ser aqueles que nos encarregamos afincadamente de lhes impor.


Mãe, posso ir de pónei para a escola?

Mãe, podemos jantar no chão da sala?

Mãe, porque é que não faltas ao trabalho e ficamos em casa a brincar?

Mãe, o jantar hoje pode ser cocó?


Todas as perguntas são verídicas, a todas elas a resposta foi “não”. Mas dou por mim a pensar: “Porque não?”. (excepto a última, e por motivos óbvios…).Porque é que nos sai tão mais rapidamente o "não"…? Não, quase sempre "não", a tudo o que sai do normal, da rotina, do convencionado. Dizemos muitas vezes “Não” para bem deles, claro, da sua saúde, da sua estabilidade. Para bem até da articulação entre afazeres e responsabilidades, para bem da nossa própria subsistência. É verdade: temos que trabalhar, viver, conviver com a sociedade, as suas regras. As regras são importantes.

Mas também nos sufocam, coarctam… A rotina inexorável mata a criatividade. E o “porque não?” pode ser um grito de liberdade em dias cinzentos.


Assumo como compromisso férreo responder mais vezes “Porque não?” a todas as propostas inocentes e deliciosamente disparatadas que ela me fizer. E aceitar onde quer que isso nos leve. Um dia, gosto de acreditar, o “porque não” pode levá-la longe, mundo fora à descoberta, sem medo de deixar raízes ou de arriscar. Pode fazê-la largar tudo por amor ou viver aventuras imprevistas.


Ou pode, simplesmente, levá-la a soltar lémures selvagens em hora de ponta no metro.


Qualquer uma das opções será com certeza… bastante divertida.

2 comentários:

  1. O "não" de que eu falava prende-se sobretudo com o mau comportamento, é usado com conta, peso e medida; o objectivo não é cortar-lhes a criatividade ou a imaginação mas sim, ensiná-los a melhor usar essas e outras capacidades que têm. De que me serve trabalhar ao lado de uma pessoa inteligente mas muitissimo malcriada, teimosa, que não sabe trabalhar em equipa e com quem é impossível comunicar? O "não" é para aplicar quando são egoistas, quando se portam mal, quando mentem, enfim, para incutir as regras (um trabalho que deve começar assim que nascem) necessárias para viver bem em sociedade e o resto (à excepção do cocó) devemos dizer "sim" ou negociar, em vez de ir de pónei, pode ir de bicicleta, por exemplo! Em suma: o objectivo não é ter miúdos amorfos, mas felizes e responsáveis! BW

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  2. sem dúvida bárbara! concordo inteiramente que para falarmos da importância do "porque não" é porque temos já uma saudável e aceitável base de importância do não. Se calhar, é porque o "não" às coisas básicas que descreve ser praticado lá em casa é que sequer pensei nisto. E concordo também que o problema ainda é muito ainda ao nível da raiz básica da boa educação. Muito aquém ainda do que estas extrapolações (este post, não é mais que isso... uma extrapolação..)encerram ou podem sugerir. Há casos em que pura e simplesmente estamos a falar de regras de educação. E aí, eu também não divago, nem ouso contestar. A nossa liberdade termina onde começa a do outro e isto é (tem que ser) ponto assente.Mas ao ler a importância do não, lembrei-me de fazer a apologia do porque não. Acredito que as duas não são adversárias, mas antes complementares. O que aliás fica mais que provado na excelente sugestão: "não vai de pónei, mas pode ir de bicicleta". É que eu acabei de escrever este post e fiquei a mesmo a matutar.. "Certo. Muito bonito. Mas como é que eu haveria de resolver esta do pónei...??". :)

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