quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Expectativas e bengalas

Por Cristina Brito*

Há dias ouvi de um pediatra que as crianças se habituaram a ter bengalas para a vida e que vão crescendo demasiado apoiadas, sem se esforçarem por conseguir ultrapassar as dificuldades que vão surgindo. As próprias brincadeiras, que forçavam à descoberta, à imaginação e à criatividade, foram sendo gradualmente substituídas por jogos em que as crianças se limitam a carregar passivamente em botões de consolas de jogos ou em teclas de computadores. As crianças crescem como espectadores, esperando que alguém se substitua ao seu esforço e ao natural desenvolvimento e autonomia que deveriam adquirir para se tornarem adultos responsáveis e cidadãos participativos.


Não deixará de ser verdade que nós, pais, somos co-responsáveis por esta situação. As bengalas que vamos dando aos nossos filhos, ao longo do caminho que percorrem durante o crescimento, revelam-se uma forma de pressão para que consigam ir mais longe, explorando todas as capacidades que têm. Apoiamos aguardando, ainda que inconscientemente, que o nosso apoio se transforme em boas notas, quadros de honra, troféus desportivos, aceitação social e outras vitórias que vão conseguindo somar.

O amor que indiscutivelmente pomos nesse apoio, procurando que vinguem em tudo em que se envolvem, não pode ser dissociado das nossas expectativas de adultos, seres humanos demasiadas vezes limitados nos nossos próprios êxitos. As pequenas vitórias dos filhos acabam também por ser nossas, precisamente porque lhes fomos dando bengalas durante o percurso; somos parte do sucesso. E temos dificuldade em aceitar quando, mesmo com bengalas, os troféus não são os que esperámos. Porque aí, somos parte do insucesso…

Fica, em certos momentos de introspecção, a certeza de que as nossas melhores intenções são, ao mesmo tempo, uma forma de concretizar expectativas que temos, fazendo das crianças um prolongamento da nossa vontade. Exigimos o que não conseguimos, justificando a nossa atitude com o facto do mundo ser competitivo e dos filhos precisarem de ser ajudados e preparados para essa guerra que se avizinha.

Talvez seja tempo de reorientarmos as nossas expectativas de pais e os deixarmos livres para, acompanhados à distância, encontrarem o seu equilíbrio, ainda que por caminhos que não conduzam ao sucesso e à excelência.

Mas depois, poderemos nós viver com isso?

*Cristina Brito é socióloga de formação e mãe

2 comentários:

  1. Tal como outros anteriormente publicados, este é um texto escrito na 1ª pessoa, partilhando reflexões/preocupações introspectivas de grande profundidade. Não sou mãe mas a minha vida anda à volta da pedagogia daqueles que um dia foram pequeninos e precisaram de "bengalas". Ainda precisam, penso eu ao ler este post. Os "meus meninos grandes" ainda hoje precisam de bengalas e continuam a sentir que, de quando em vez, alguém tem de fazer esse papel por eles: o de dar o empurrão; o de servir de bengala para subir a escada da vida e da aprendizagem...
    Enquanto pedagoga de meninos grandes que um dia foram pequenos e que não querem crescer, porque continua a ser mais fácil ter bengalas para a vida (nem que seja para servirem de desculpa aos menos sucessos), acredito que o sucesso se vai fazendo ao longo da vida, ultrapassando obstáculos e dificuldades, retirando pequenas (ou grandes) pedras do caminho, fazendo escolhas e tomando decisões (nem sempre as melhores). Faz-se caminho a caminhar, um passo de cada vez. Não poderá o sucesso da perfeição, que tantas angústias cria, ser relativizado a favor da boa e tranquila felicidade?

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  2. Não me lembro se os meus pais tinham, ou quais eram as suas expectativas em relação a mim. Não me lembro de me terem querido mudar. Cresci a acreditar que podemos o que sonhamos(e ainda hoje sou assim). Seriam estas as suas expectativas?
    Lembro-me de me mostrarem o mundo. Lembro-me de me questionarem. Lembro-me de me amarem, incondicionalmente. Seriam estas as suas bengalas?

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