segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O rato vai nu

*Por Filipe Froes e António Diniz


Os últimos dias têm sido férteis em notícias sobre a pretensa farsa da pandemia de gripe A, agora reduzida a uma bem urdida campanha de manipulação e influência da indústria farmacêutica junto da Organização Mundial de Saúde (OMS) que, por sua vez, condicionou os governos das nações a comprarem medicamentos antivíricos e vacinas de utilidade e segurança duvidosas para uma doença banal, que se poderia tratar com um simples antipirético.

Passados mais de 7 meses da declaração de pandemia, a 11 de Junho de 2009, convém esclarecer que estas críticas são falsas, não fundamentadas e irresponsáveis.

Criticar, à luz dos conhecimentos actuais, as decisões tomadas há muitos meses atrás é o mais fácil, mas o menos útil e efectuar “prognósticos no fim do jogo” não é equivalente a competência científica. O que não significa que, construtivamente, se não deva avaliar o que foi feito em toda a sua extensão. Quando a OMS declarou a pandemia, ouviu os representantes da maioria dos países e a decisão foi unânime. Não se ouviram, nessa altura, as vozes agora discordantes. Estávamos perante uma nova estirpe de vírus influenza, desconhecida para o sistema imunológico dos humanos. Esta estirpe estava disseminada por todos os continentes e era capaz de provocar doença, havendo registo de dezenas de casos mortais por pneumonia grave no México e nos EUA, atingindo crianças e adultos jovens. Só por ignorância, imprudência ou neglicência se não declararia a pandemia. Esteve bem a OMS!

De imediato, foram activadas várias medidas, tais como a disponibilização dos fármacos das reservas estratégicas e a aceleração dos mecanismos que conduziriam à manufactura de uma vacina. Os países melhor preparados, entre os quais Portugal, com reservas previamente constituídas de fármacos estratégicos, incluindo os antivíricos, beneficiaram deste esforço de previdência e responsabilidade. Questionou-se, então, a eficácia e a segurança das vacinas por o seu desenvolvimento ter demorado poucos meses.

Mais uma vez, os conhecimentos actuais vieram corroborar a eficácia e a segurança da vacina. Esteve bem a OMS!

Porém, a polémica instalada acabou por contribuir para uma baixa taxa de vacinação, em especial num grupo de elevado risco como as grávidas.

E, finalmente, passou-se a criticar os resultados. Agora, a pandemia é uma farsa porque morreram menos pessoas do que o previsto. A montanha, que a OMS ajudou a “construir”, pariu um rato. Mas muitos, incluindo alguns profissionais de saúde, continuam a não querer ver e a confundir opinião pessoal com evidência científica. Porque o rato que a montanha pariu é muito real e reflecte o sofrimento de milhões de pessoas e o desespero de dezenas de milhares de famílias enlutadas. O trabalho de parto ainda não terminou e se a montanha não pariu um tigre devemo-lo aos recursos agora existentes e, em grande parte, ao esforço de informação e preparação. Pela organização e coordenação deste esforço a nível mundial, devemos um agradecimento à OMS.

(Artigo de opinião publicado na edição de 1 de Fevereiro de 2010 do Jornal PÚBLICO e enviado também para O Bebé Filósofo)

*Filipe Froes e António Diniz são Pneumologistas e Consultores da Direcção-Geral da Saúde

1 comentário:

  1. Em 1918, a gripe matou 30 milhões de pessoas. Em 1957, 2 milhões de pessoas. Em 1968, 700000 pessoas. Em 2009 a gripe SÓ MATOU 16000 pessoas..
    Depois de tantos anos seria de esperar que a mortalidade continuasse a mesma? Os cuidados médicos de saude, os antivirais, a informação e a mudança de hábitos, as vacinas, a coordenação international.. Deveriam ter morrido molhões ou milhares? Só os tolos podem apostar nesta crença. Só os ignorantes que desconhecem a história dos virus da gripe ao longo dos anos... Dentro de decadas virá outra pandemia com um novo virus da gripe. E as autoridades de saude poderão provar que trabalham bem e que podemos vir a ter ainda menos mortes.

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