segunda-feira, 17 de maio de 2010

O pediatra tem que atender sempre o telefone?

Por António Brito Avô*


Nesta sociedade da impaciência (como lhe chamou outro dia o Gonçalo) vive-se a ânsia do “já” “aqui” e “agora”… como se as coisas e as pessoas não tivessem um tempo e um espaço necessários para acontecer, para ser e para estar.

Não se aceita a imprevisibilidade, nem a diferença, nem o desconforto da ignorância.

Não se acredita no instinto, nem na intuição, nem nos saberes herdados de geração em geração.

Tudo tem que ser antecipado, programado e resolvido no exacto momento em que é detectado ou sentido – apenas porque nesta “sociedade do conhecimento” o medo e a ansiedade do desconhecido se tornou completamente insuportável.

As dúvidas e os receios assumem carácter de urgência – para resolver tudo “já, aqui e agora” corre-se para a net, para as redes sociais, para sites e revistas de duvidosa credibilidade, e disparam-se chamadas telefónicas, SMS’s, e-mails em todas as direcções em busca de um apaziguamento interior.

Vem este arrazoado a propósito do difícil convívio com o meu telemóvel, instrumento execrável, que destruiu a minha intimidade, que invadiu o meu tempo e o meu espaço, e que tem um toque necessariamente incomodativo.

Não nego as inúmeras vantagens comunicacionais deste sinistro invasor.

Em inúmeras situações de emergência, ele tem permitido que um aconselhamento atempado contribua para a solução de problemas de muitas crianças ou para facilitar o seu encaminhamento adequado. Por essa razão tenho permitido que os pais dos meus pacientes utilizem a facilidade desta via, quando a situação lhes causa extrema preocupação.

Tem sido um auxiliar insubstituível e precioso.

A ansiedade dos pais é compreensível e a troca de algumas palavras com o pediatra pode ajudar a aliviar as tensões e beneficiar as crianças – para isso estarei sempre disponível.

Mas (há sempre um …mas) confesso-me parcialmente arrependido de não ser um pouco mais selectivo e mais pedagógico…

Nalguns casos (felizmente poucos) o uso do telemóvel é levado ao extremo, no limite do conveniente.

Incomoda-se o pediatra a horas impensáveis por motivos despudoradamente irrelevantes - “de que côr acha que devo mandar pintar o quarto do Pedro?”; “ posso comprar uma tartaruga à Francisca?” ; “pode passar-me uma declaração para a natação?”.

Há gente que, por banalidades e questões sem qualquer relevância, têm o irritante hábito de ligar 6-7 vezes seguidas, quando não me é possível atender (seja porque estou ocupado com doentes, seja porque tenho o azar de ser humano e fisiologicamente imprevisível).

Era suposto que estas manifestações de suposta emergência, que não se confirmam quando devolvo a chamada, deixassem os seus autores embaraçados. Mas surpreendentemente isso não acontece!

Será o sinal dos tempos da impaciência e da intolerância?

É bom para todos que haja bom senso na utilização desta ferramenta preciosa, sem a qual já não conseguimos sobreviver.

Caso contrário, tal como na fábula, “pagará o justo pelo pecador” e uma situação verdadeiramente urgente poderá ficar por atender!


*António Brito Avô – Médico Pediatra

9 comentários:

  1. Nem de propósito: ainda um dia destes uma colega me dizia que queria mudar de Pediatra pois o dele nunca se encontrava disponível!!???
    Sim não lhe atendia as chamadas nem lhe enviava sms's e perguntou-me se o meu o fazia.
    Disse-lhe que em (quase) 4 anos de vida do meu filho lhe devo ter enviado 2 sms's e claro que me respondeu mas não foi na "hora" pois além de dar consultas também deve ter mais "para fazer" sem ser consultar o seu telemóvel :-)
    E eu ficaria ofendida se em caso de me encontrar no seu consultório ele se pusesse a atender chamadas e/ou responder a sms's pois isso iria desconcentrá-lo em relação ao meu filho.
    Quando vejo qu enão consigo debelar o "problema" costumo ir directamente ter com ele ao consultório pois nada como ver a criança pois isto de enviar sms's sinceramente não me agrada independentemente de ser útil, de ser moderno e blá blá blá.
    Talvez por ter sido Mãe tardia (tinha quase 38 anos) não fico histérica quando cai, quando tem uma borbulha, quando se arranha, etc: sou filha única, fui sempre miúda de rua e nunca senti essa "super protecção" por parte dos meus Pais e sou uma pessoa saudável.
    Com o meu filho todos os meses ia ao Pediatra pois estava no "livrinho azul" e cumpri tudo à risca mas sempre que lá ia dizia sempre que já tinha feito isto e aquilo ...pois isto de lá ir e perguntar: na praia ele pode molhar a cabeça? Com que idade é que o ponho no bacio?
    Será que as Mães de hoje não aprenderam nada com as suas Mães? A minha rica Mãe foi (é) a minha inspiração e depois muito sinceramente ser Mãe também é inato: ou se tem ou não se tem "simple as that" :-)

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  2. Gostei muito do que li! Aliás, gosto de praticamente tudo o que leio aqui! Parabéns, antes de mais...
    A pediatra dos meus filhos, em quem confio a 100% (se assim não fosse, que sentido faria???)deu-me o seu número de telemóvel, sem que lho tivesse pedido, já lá vão quase 7 anos, e, com ele, toda a liberdade para telefonar a qualquer hora...
    Gosto de saber que a tenho à distância de um telefonema, mas não esqueço que, e usando as suas palavras "tem o azar de ser humana e fisiologicamente imprevisível", tem 2 filhas pequenas, uma família, consultas, noites a fazer banco, férias, fins-de-semana, direito de ficar doente e tudo, imaginem!
    Por tudo isto, porque me coloco no seu lugar, apenas quando tem mesmo de ser é que lhe envio um sms a explicar a situação e pedir uma opinião. Sei que me contactará assim que possa... e não, não é para dizer se as meninas podem usar azul ou se os bebés mamam de 3 em 3 ou 4 em 4 horas!!! ;) Clorinda

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  3. Eis uma questão sobre o qual já me debrucei várias vezes... O pediatra das minhas filhas nunca me deu o seu n.º tmv e eu também nunca tive coragem de lho pedir porque sempre achei que essa abertura devia partir dele, logo sempre presumi que se não partiu seria porque não o desejava ("Para bom entendedor...")e uma vez que o respeito muito, ficámos assim... De qualquer forma, durante a semana consegue-se falar com ele praticamente o dia todo aqui ou ali (hospital/consultório), portanto... (E olhem que mesmo assim, eu sou daquelas que detesta ligar para a clínica porque sei que o mais provável é estar a interromper uma consulta e não gosto nada de o fazer. Justiça seja feita, de facto, no seu consultório o dr. é incansável e gere muito bem o seu tempo, na minha opinião). Compreendo em pleno a reflexão aqui deixada e aprecio muito a disponibilidade deste médico (sobretudo face às situações no mínimo caricatas que enunciou a título exemplificativo!) e a sua compreensão face aos dilemas dos pais e, consequentemente, o seu cuidado com o que será melhor para as crianças porque uma mãe/pai confiante/seguro às vezes é tudo... Mas, infelizmente, há pessoas que "não têm noção", que não têm limites... Se eu tivesse o n.º de tmv do pediatra das minhas filhas, olhando para os últimos 4 anos, penso que só lhe teria telefonado "fora de horas" uma única vez porque apanhei um grande susto - convulsão febril na minha mais pequenina de 15 meses há muito pouco tempo... Nesse dia, o pediatra até já nos tinha recebido sem marcação tendo-lhe diagnosticado uma amigdalite. Ora, quis o destino que, também nesse dia, a sua mãe fizesse 80 anos (nunca mais me esqueço do dia de aniversário da sra, que naturalmente não conheço!) e o dr. tivesse um jantar especial que, como é óbvio, eu talvez tivesse interrompido se tivesse o seu n.º de tmv porque foi a 1ª vez que senti que precisava de aconselhamento verdadeiramente urgente... Ainda assim, em pânico mas usando do bom senso que Deus me deu e com a ajuda do meu marido e da Linha de Saúde 24h (se fosse mais grave, teria ligado para o INEM mas o meu 6º sentido achou que talvez não fosse preciso - não me perguntem como...)tudo acabou depressa e bem, por isso... (Claro que no dia seguinte, assim que a clínica abriu, liguei-lhe e contei-lhe o que se passou porque só as suas palavras me sossegam plenamente, dada a confiança que tenho na sua experiência, no seu profissionalismo...) Considero, pois, que os médicos devem, sim, estar disponíveis o mais que a sua vida lhes permita porque às vezes precisamos deles "desesperadamente" como só uma mãe/pai sente que precisa mas eles têm, sim, o direito à sua intimidade e à sua "vida própria" e deixar os próprios filhos/netos/mulher/amigo, ou seja quem for... ou interromper um jantar/descanso/viagem/reunião/consulta (ou até uma "fugida" ao wc)... ou seja o que for para responder a dúvidas existenciais que nada têm de carácter médico, muito menos urgente (ou que até têm mas não são verdadeiramente urgentes) santa paciência...!!!
    Deixo uma sugestão para situações que podem esperar: o e-mail. Está pouco em uso mas já me teria resolvido um problema pelo menos uma vez. É que tem a grande vantagem de poder incluir fotos (no caso de patologias com sintomas exteriores), já para não falar nas grandes vantagens de não fazer barulho/não incomodar e de se ver/responder quando realmente se está disponível, só depois de se fazer uma triagem do que for realmente mais urgente... Fica a dica (pode ser que o pediatra das minhas filhas também por aqui ande...!) :)

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  4. É com os pediatras, é com as questões absurdas que colocam nos colégios, é...enfim. As pessoas pensam que por pagarem qualquer coisa têm direito a 100% de atenção para si próprias 24 horas por dia. Há realmente muita falta de bom senso por aí.

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  5. Do pediatra dos meus filhos apenas tenho o contacto do consultório e o email. Tenho de reconhecer que está sempre disponivel, assim que lhe é permitido, a responder às nossas duvidas.
    Na verdade custa esperar e ver o nosso bebe com febre sem saber o que ele tem e o primeiro pensamento vai para o pediatra como se ele fosse adivinha e como que por magia nos dissesse o que ele tem. Custa esperar 3 dias para ver se a febre passa, apenas com ben-u-rons e nurofens sem que o pediatra o examine e certifique que tudo está bem. Custa esperar, custa... qualquer mãe que o diga. Por vezes penso como seria bom estar casada com um pediatra :)))
    Por email tenho sossegado este meu coração ansioso e claro quando o meu 6º sentido manda, nem escrevo email nenhum recorro logo a um seviço de urgencia!
    Bem hajam todos os pediatras!

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  6. O uso e abuso de todos os cuidados de saude sejam SMS, mailes, telefonemas, consultas, ida(s) à(s) urgência(s, etc.. dá que pensar.
    Não me recordo da minha mãe me levar ao hospital, de telefonar insistentemente ou a horas improprias ao Pediatra. Naquele tempo tambem não havia telemovel nem maile.. e eu sobrevivi. Eu e as minhas irmãs.
    Quando estavamos doentes a nossa médica era a nossa mãe. Será que as mães de antigamente eram mais sabedoras? Menos ansiosas? Ou será que contactar o pediatra constantemente é uma nova forma de estar da actual sociedade?
    E se não telefonassemos logo ao primeiro impulso? Será que o acabariamos por fazer mais tarde?

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  7. resposta à MJ: não é bom estar casada com o pediatra, pois embora para os filhos dos outros seja realista e optimista, para os próprios há sempre a tendência de ou achar que não é nada, ou achar que é o síndroma mais mirabolante do mundo. O que fazia com que eu desdramatizasse logo à partida todo e qualquer sintoma, tentasse arranjar explicações razoáveis e soluções simples, reduzindo as doenças à sua verdadeira dimensão antes de o contactar como pediatra. Ou seja, aquilo que todas as mães e pais devem fazer quando os seus filhos estão doentes, em minha opinião

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  8. Para os papás de primeira viagem que nunca se depararam com bebés com febre, com diarreias, etc é sempre difícil, o que os leva muitas vezes a recorrer aos mail e sms, se o pediatra assistente dos seus filhos deram o numero de telemóvel é porque tem "gosto" em ajudar no que for preciso. Na primeira consulta de pediatria da minha primeira filha, o pediatra delas deu-nos o seu numero de tlm, e pediu para que lhe ligasse-mos só em caso de úrgencia... e só lhe ligo realmente quando me sinto desesperada e sem saber o que fazer, e até hoje ele tem nós respondido sempre...
    ( confio plenamente no pediatra das minhas filhas) por isso aproveito este comentário para agradecer ao Dr.Pedro Nunes toda a sua dedicação e paciência que tem tido connosco.
    Muito Obrigada.
    Cláudia.

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  9. confesso que neste momento me encontro na lista das "mães chatas" que chateiam os pediatras, pois a minha filha anda degolarizadae como so consegui consulta para o pediatra daqui a mais de um, tenho que lhe ligar regularmente e confesso que por vezes ate me sinto mal. mas mesmo assim atende-me sempre uma voz simpática e muito prestavel do outro lado! claro que quando nao atende será porque nao pode! e responde logo assim que lhe é possivel! um muito obrigado de coração ao Drº Pedro Nunes!!!!

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