quarta-feira, 5 de maio de 2010

Quero-te mostrar uma coisa!

Por João Paulo Batalha*

- Anda cá!


- Para quê?


- Vá lá!


- Mas para quê?


- Quero-te mostrar uma coisa!


Este diálogo é muito frequente na minha vida, nos dias que correm. Não tenho filhos mas estou naquela posição muito confortável de ter acesso permanente aos filhos dos outros – entre sobrinhos, filhos de amigos, irmãozinhos pequenos e primos (muito) mais novos. É uma posição muito confortável, digo eu e outros na mesma situação, porque podemos brincar com eles à nossa boa vontade, ensinar-lhes coisas que não se fazem – e passá-los para os braços da mãe na hora de mudar a fralda.

Por isso mesmo este diálogo é muito frequente na minha vida. Passá-lo a escrito tem um efeito estranho (já repararam que as crianças falam em exclamações e os adultos em interrogações?). Em primeiro lugar, “quero-te mostrar” não se diz. “Quero mostrar-te”, se faz favor – embora, em boa verdade, acho que nunca corrigi uma criança que me tenha dito isto. E não planeio corrigir. Há coisas mais importante em jogo.

As crianças nunca querem conversar connosco, mesmo quando acabam conversando. Querem sempre mostrar-nos alguma coisa. Ou contar-nos um segredo (o que, reconheça-se, não é propriamente conversar). Cada vez que um diálogo como este me interrompe a leitura do jornal ou a conversa com os crescidos lembro-me de outra coisa boa em ser criança: palavras leva-as o vento e não há como pôr a mão na massa.

Para mim, que trabalho a planear experiências para crianças, é uma lição valiosa. A mentalidade das mentes crescidinhas é demasiado verbal. Assenta demasiado nas palavras que lemos nos livros e nos artigos de jornal, ou nas palavras que ouvimos nas conversas que temos ou nos comentadores da rádio e da televisão. Ao ponto de nos fartar, quase irritar, tanta palavra atirada à rua. “A falar é que a gente se entende”. Sim, claro. Mas é a viver que a gente... vive! (bendito La Palisse!)

Tudo isto para dizer isto: porquê explicar se podemos experimentar? Porquê falar de uma coisa se podemos vivê-la? Palavras leva-os o vento. O desafio por isso, para mim que trabalho em contar às crianças histórias de gente crescida, é sempre o mesmo: sair da segurança escrita dos livros e saber criar, a partir desses indispensáveis livros, histórias que se possam tocar, onde se possa entrar – entrar fisicamente – mexer e descobrir. Contar histórias, sim, mas histórias que nos deixem puxar pelo braço dos miúdos e dizer-lhes: “Quero-te mostrar uma coisa!”.

*Formado em História, João Paulo Batalha é jornalista e fundador da Storymakers, uma empresa dedicada à produção de exposições, eventos e produtos culturais para crianças.

1 comentário:

  1. E quantas coisas perderemos nós sempre que os miudos nos dizem "anda cá quero-te mostrar uma coisa!" e nós dizemos "agora não posso"....?

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