segunda-feira, 24 de maio de 2010

Noites em Claro

Por Gabriela Pereira*


imagem: Corbis/Tomek Olbinski




Passas em claro as noites a chorar;

Dia a dia, teu rosto empalidece...

Faze tu, pobre Mãe, por serenar,

Santa Resignação sobre ela desce!



Rochedo que a penumbra desvanece,

Tu, por acaso, não lhe podes dar

Um pouco d'esse frio que entorpece

O coração e o deixa descançar?...

Jamais! Não ha remedio! Nem as horas

Que passam! Toda a fria noite choras;

Tua sombra, no chão, é mais escura.

Soffres! E sinto bem que a tua dôr,

Como se fôra um beijo, acêso amôr,
Vae-lhe aquecer, ao longe, a sepultura.

Teixeira de Pascoaes, in 'Elegias'


O assunto da morte em Medicina é sempre difícil de abordar. Nenhum profissional de saúde foi preparado para se deparar com a impotência, a incapacidade de salvar uma vida.

Esta vivência é, se possível, ainda mais dramática em Pediatria – quem está no início do ciclo de vida não deve morrer.

Penso que quase todos os pediatras já passaram noites em claro a recordar todas as crianças que morreram nas suas mãos, vendo com uma nitidez que julgamos precisa, a sua imagem e o desespero espelhado nos familiares. Como muitos dizem, todos temos os nossos cemitérios...

Há que preparar os mais jovens para esta realidade com que se irão deparar mais tarde ou mais cedo. É importante que saibam o que fazer e, talvez ainda mais, o que não dizer ou fazer nessas circunstâncias. E também como “sobreviver” com a consciência de que não somos infalíveis.



*Gabriela Pereira é pediatra, especialista em Cuidados Intensivos.

2 comentários:

  1. Parabéns por abordar um tema tão difícil. É mesmo muito importante que os jovens profissionais, médicos e enfermeiros, saibam principalmente o que não dizer e não fazer, para que com a sua atitude não agravem o sofrimento dos que perdem os seus filhos.

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  2. Tive o meu filho com 20 dias internado com uma otite grave com resistência ao antibiótico, a pediatra das urgências teve a amabilidade de comentar que era necessário interná-lo pois podia fazer uma septicémia e morrer porque era muito pequenino. Durante os 23 dias que estive com o meu bebé no internamento não houve noite que não conseguisse adormecer naquela cadeira horrorosa sem pensar nas palavras da médica. Tenho a noção que o disse por esmero em melhor informar, acho que não fazia ideia que me pudesse pôr em pânico. Bom senso não se ensina, mas tenta-se com cursos de assertividade, os profissionais de saúde em geral deviam ser formados nesse sentido. E já agora, para os que andam ao desengano, fazer-se de frio e indiferente perante o sofrimento não resulta a longo prazo, estabelecer uma relação com quem devemos cuidar sempre alivia a consciência, além de que faz sentir bem ambas as partes.

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