Por Inês Torrado*
Vou focar apenas alguns apontamentos sobre a importância de brincar, como jogo livre, espontâneo, que se vai inventando, só ou acompanhado, ao longo do tempo.
O saber brincar é uma das actividades mais sérias desempenhadas pelas crianças. Na Carta dos Direitos da Criança, o direito a brincar é o VII Príncipio, tão essencial como o direito à saúde, à educação e à segurança.
E brincar ensina-se... brincando.
Os prazeres partilhados com os pais na brincadeira, são momentos únicos, por si e pelo valor que os pais dão ao jogo dos filhos. Não é um passatempo e muito menos uma perda de tempo.Ao partilhar um jogo com a criança, possibilitamos-lhe poder reproduzir essa brincadeira e depois reinventá-la a partir daí, sózinha ou com outros companheiros.
O jogo é o motor de todo o desenvolvimento psico-motor da criança.
A sua primeira parceira de jogo será a mãe (ou o pai...), depois as suas mãos, os seus pés... A criança descobre o mundo progressivamente, interagindo com ele.
Com o jogo do "cu-cu" (esconder a cara e voltar a aparecer), o bebé cria a noção de permanência do objecto. Diverte-se e ultrapassa a angústia da separação. Pouco a pouco, através do prazer que lhe proporciona o brincar, vai progredindo nas suas aquisições, ganhando cada vez mais segurança e autonomia.
Adora explorar os objectos da casa, que "pertencem aos pais". Mais tarde imita os pais e depois já só precisa de fazer de conta que é grande.
Este período riquíssimo do jogo simbólico irá permitir à criança resolver a nível inconsciente os seus problemas, adquirindo um sentimento de controlo dele próprio, que está longe de possuir na realidade. Nessa altura, já é capaz brincar com os outros, interiorizando as regras sociais, o ganhar e o perder, o esperar e o partilhar... Também nesta fase, o jogo ajuda a desenvolver a perseverança e o esforço perante a dificuldade, que tanta falta faz na escola e pela vida fora.
O brinquedo deve estimular a fantasia. Não pode ser demasiado perfeito para deixar lugar à criatividade. Também o excesso de prendas dispersa a atenção, leva à desvalorização e ao desinteresse. É necessário ter tempo para desejar, para explorar e inventar.
Hoje o tempo acelerou, entra-se para a escola mais cedo e por demasiado tempo em cada dia. Algumas crianças têm agendas preenchidas de actividades, onde se tentam desenvolver tarefas e talentos. Será que sobra tempo para se aborrecer e para se perder?
O espaço para se mexer é cada vez mais diminuto e controlado, sobretudo nas cidades. As ruas são perigosas, as escolas sem recreio, os apartamentos pequenos, a natureza longe, e é mais difícil expandir energias, explorar o potencial físico e psíquico das crianças.O isolamento também é maior.
Os ecrãs (televisão, computador, consolas...) mantêm as crianças sossegadas, mas tempo demais... distraem-nos deles próprios, tornando-os passivos, dependentes de fantasias pré-fabricadas, ficando cada vez mais dependentes dos adultos ou das máquinas para organizar os seus tempos.
O prazer que se tira da brincadeira prolonga-se no prazer de viver ao longo da vida. Fortalece a nossa capacidade de adaptação às dificuldades e dá entusiasmo.
Um autor alemão lembra- nos que "o homem não é verdadeiramente homem, senão quando brinca".
*Inês Torrado é pediatra.
Obrigado por mais este texto. Todos os dias procuro um pequeno tempo para brincar com a Adriana, à bola, saltar à corda, as lutas, as cócegas, as bonecas... é o nosso momento!
ResponderEliminarGostei muito desta reflexão!
ResponderEliminarE eu também...
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