segunda-feira, 28 de junho de 2010

A criança e a mentira

Por Ana Rita Monteiro*

Quando as crianças ocultam a verdade ou mentem, os pais, preocupados, recorrem com frequência à consulta de psicologia.

A compreensão da verdade está relacionada com o desenvolvimento infantil. Antes dos 3 anos de idade as crianças consideram que os adultos, nomeadamente os cuidadores, conseguem ler os seus pensamentos por incompreensão da sua privacidade. É portanto, por volta dos 3-4 anos, período coincidente com uma forte imaginação, que as mentiras surgem. Nesta altura, a criança percebe que o adulto não tem acesso ao que pensa e testa a aquisição de novos conhecimentos através da narração de histórias ou simplesmente procura justificações para as suas acções em motivos fantasiados, repletos de imaginação. Por exemplo, justificando a desarrumação do quarto culpando o lobo mau que desarrumou os brinquedos. A separação entre realidade e fantasia pode ser ténue e portanto as mentiras podem surgir num contexto de actividade imaginativa que não deve ser punida; os amigos imaginários são um óptimo exemplo.

Dos 4 aos 6 anos mentem com maior frequência, aos 4 ao ritmo de 2 horas e aos 6 de 90 minutos. Nesta altura, com um vocabulário mais rico e melhor compreensão do comportamento dos outros a mentira torna-se mais complexa e sofisticada. Nos primeiros anos escolares a criança deseja agradar os pais mais do que fazer o que é correcto surgindo frequentemente mentiras que permitem ir ao encontro das expectativas parentais.

Aos 8-9 anos a mentira surge por outros motivos uma vez que a diferenciação entre realidade e fantasia já se encontra suficientemente estruturada. Nestas faixas etárias, as histórias elaboradas parecem credíveis, são relatadas de forma entusiástica mas porque os torna alvo de atenção à medida que a mentira é contada. Este pode ser um motivo de preocupação para os pais dado que são indicadores do uso de meios inadequados para a obtenção de atenção e valorização.

As mentiras podem ainda surgir como resultado de uma baixa auto-estima; por um desejo acentuado de que esses fossem factos reais ou de forma a evitar futuras punições (por exemplo, mentir acerca de uma classificação de um teste de forma a manter as actividades programadas para o fim de semana).

Os adolescentes podem mentir para encobrir um problema sério tal como o abuso de álcool ou drogas escondendo repetidamente a verdade acerca de onde estiveram, com quem e o que fizeram. No entanto podem apenas fazê-lo como forma de protecção da crescente necessidade de privacidade, permitindo-lhes que se sintam psicologicamente independentes dos seus pais.

Perante esta problemática os pais devem:

- Conversar calmamente não acusando nem rotulando a criança de mentirosa.

No entanto, é indispensável que perceba a importância de dizer a verdade, reforçando-se que é a única forma de manter a confiança e segurança nos outros;

- Mostrar à criança que compreendem que algumas mentiras são desejos. Por exemplo, perante um divórcio e a ausência frequente do pai se a criança verbaliza que todos os dias vão passear juntos, a mãe poderá dizer: “Parece que estás com saudades do papá e gostavas de passar mais tempo com ele…”

- Ajudar a estruturar a diferença entre realidade e fantasia em crianças mais novas dizendo, por exemplo: “Essa foi uma óptima historia, fazes histórias muito engraçadas…”;

- Falar abertamente da forma como lidariam com comportamentos incorrectos, caso considerem que a mentira surge como um receio de punição;

- Valorizar e mostrar satisfação perante a verdade;

- Respeitar a privacidade do adolescente.

Ainda de maior importância é o exemplo dado pelos cuidadores. A relação com os filhos deve ser sempre pautada pela verdade; as promessas não devem ser quebradas caso contrário irão parecer mentiras aos olhos das crianças.

Caso a mentira assuma um padrão repetitivo e se transforme no meio privilegiado para lidar com as exigências dos pais, professores ou do grupo de pares, é aconselhável a procura de ajuda especializada.



*Ana Rita Monteiro é Psicóloga Clínica

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