terça-feira, 21 de setembro de 2010

20 anos

No dia em que se assinala os 20 anos em que Portugal ratificou a Convenção dos Direitos das Crianças, a notícia da agência Lusa:

"As crianças portuguesas são cada vez menos livres e menos autónomas, mas capazes de comandar a família, defende a Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP) , lamentando a falta de tempo e espaço para os mais novos de hoje brincarem.


O presidente da SPP assume a dificuldade em falar do estado da infância em Portugal pela disparidade de realidades, mas considera que a sociedade atual é feita de "adultos egoístas e infantilizados e de crianças sabidas".

"O pequeno ditador saiu dos livros para a realidade, hiperativo e desatento, decidindo os consumos da família, inundado em calorias, com televisão no quarto e 'playstation move' na sala, uma das únicas oportunidades de atividade física", comenta Luís Januário à agência Lusa.

Duas décadas depois de Portugal ter ratificado a Convenção sobre os Direitos da Criança, data que se assinala amanhã, o pediatra retrata as cidades portuguesas como um obstáculo às brincadeiras na infância.


Cidades perigosas


"As cidades foram bombardeadas pela união nacional dos autarcas e dos empreiteiros que liquidaram os quintais, as matas, os olivais, os pinhais, as praças e os terreiros. As ruas e as passadeiras são perigosas e os passeios estão destruídos ou transformados em parque automóvel", descreve.


Também o conceito de tempo livre tem sofrido transformações, com a redução dos períodos para brincar e sem que as crianças sejam ouvidas.


Também a psicóloga clínica Lara Constante vê a "demasiada estruturação dos tempos livres das crianças" como uma diferença marcante em relação há 20 anos. "A maior parte das crianças que acompanho tem um horário muito sobrecarregado de atividades, algumas sem um único dia verdadeiramente livre, em que possam brincar como entendam, criar, desenvolver-se", conta.


Falta de criatividade


Mesmo os tempos fora da escola são demasiado estruturados. Fica assim a faltar criatividade nas brincadeiras e capacidade para inventar o que se faz no tempo livre.

"As crianças tornaram-se também mais dependentes, mesmo nas brincadeiras. Têm mais dificuldade em relacionar-se socialmente e em verbalizar os afetos", acrescenta a psicóloga infantil.

Há 20 anos, a vida familiar era diferente e havia uma comunidade próxima mais disponível para ajudar a ir educando as crianças.


Culpabilização pela falta de tempo

Atualmente, a sobrecarga profissional dos pais e de muitos avós fá-los ceder mais facilmente à imposição dos filhos, enquanto a culpabilização pela falta de tempo é trocada por presentes: "Nota-se uma grande dificuldade em estabelecer uma sintonia entre mimo versus regras".

Contudo, em duas décadas a criança beneficiou também da evolução da sociedade.

"O ensino pré-escolar é frequentado por um número cada vez maior de crianças. Entrar numa escola aos três anos traz muitos benefícios, até porque é a altura em que se começa a desenvolver o relacionamento social", refere Lara Constante.

Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 1990/91 a educação pré-escolar não obrigatória abrangia cerca de metade das crianças entre os três e os cinco anos, enquanto em 2007/2008 já cobria 80%.

Diferentes realidades

Luís Januário alerta porém que há pouco de comum entre uma criança de um colégio privado no Porto ou Lisboa e outra cuja escola encerrou numa aldeia em Lamego.

"Há pouco em comum entre uma das 10 mil crianças institucionalizadas e uma outra vivendo com uma família que a estima. Entre uma criança com os pais desempregados e outra com pais economicamente estáveis. Entre um filho de emigrantes de uma minoria linguística e outro cujos pais escrevem em português segundo o novo acordo ortográfico.

Entre uma criança negligenciada ou maltratada e outra que é acarinhada", exemplifica. "

3 comentários:

  1. A descrição das cidades perigosas é taxativo o que experencio todos os dias quando tento andar na rua com os miúdos, em especial o facto de, num raio de 10 minutos a pé a descer e 20 minutos a pé a subir não haver um único parque infantil, especialmente se considerarmos a proliferação astronómica de empreendimento habitacionais aqui na zona e, acima de tudo, que esse mesmo parque faz parte de um bairro de habitação cooperativa com largos anos de existência.
    "É preciso uma aldeia para educar uma criança", mas é mais preciso ainda que a cidade tenha uma mentalidade de aldeia e não de dormitório para isso!!!
    E concordo plenamente com a escravidão abusiva do relógio, a competitividade de pais que querem incluir os filhos no máximo de actividades extra-curriculares para mostrar que podem (em vez de ouvir as preferências dos filhos), que os querem pôr cada vez mais cedo na escola para mostrar a sua inteligência e lhes roubam um ano de brincadeira...
    As famílias de hoje em dia fazem lembrar as crias de animais em cativeiro que, por sua vez, têm filhotes: perderam a noção da realidade, da vida, e transmitem apenas o que conhecem do mundo na jaula, da competição pelo alimento fornecido pelo tratador, do mostrar pantominas aos espectadores do outro lado das grades em vez de viverem a sua vida independentemente do que se tem, do que "é bem", do mostrar o que se conseguiu.
    Creio que o falta mesmo é auto-estima e reconhecimento das capacidades do indivíduo para que os pais sintam que devem ser e fazer os seus filhos felizes e não cumprir as "convenções", para terem a força suficiente para não tornar a família apenas um conjunto de indivíduos que moram juntos mas nem juntos comem, cada um com a sua TV no quarto e que, por vezes, só falam (nem conversar se pode chamar) aquando do "car-pooling" matinal para cada um dos seus empregos...

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  2. Afinal quem é que se porta mal, a criança ou os adultos?! Se constantemente nos aprisionamos em "convenções", nos preocupamos com a competitividade, se deixamos que a criança tenha uma TV no quarto ou nos obrigue a comprar um pacote de bolachas de chocolate?! No meu tempo, lá em casa só havia uma TV; hoje em dia cá em casa só há uma TV. No meu tempo a minha mãe avisava antes de ir ao supermercado, que não me ia dar nada, não se bebiam refrigerantes, nem se compravam os ultimos brinquedos da moda... não me lembro de ter sido infeliz por isso, lembro-me de ter saudades deles quando mudaram de casa e de terra e me deixaram a terminar o ano escolar com a minha avó... Mas antes era mais fácil, os pais acreditavam mais, mesmo sem tanta informação e mesmo sem terem a certeza, experimentavam. Agora, primeiro consultamos os blogues habituais, depois falamos com as amigas (para ver o que andam a fazer), depois com o psicólogo...Mais informação é bom, alguma competitividade também, mas tudo o que é excesso, não parece razoável. Não julgo que o mundo seja tão ameaçador, pelo menos para a maior parte das pessoas. No entanto, temos sempre todos os dias a oportunidade para fazer mais alguma coisa de diferente (por exemplo, levar - e não perguntar - o meu filho para ir andar de triciclo no choupal este domingo)!
    Ana

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  3. "adultos egoístas e infantilizados e de crianças sabidas".
    Até concordo, agora há mais adultos egoístas e infantilizados e crianças sabidas. É preciso coragem para o dizer.
    Mas a sociedade actual é feita de?
    Queria mesmo dizer que todos os adultos são egoístas e infantilizados e todas as crianças são sabidas? Descontextualizaram-no?

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