terça-feira, 10 de agosto de 2010

Hiperactividade ou falta de educação?

Por Bárbara Wong *


Acreditem que estou convencida que a “hiperactividade” existe, que é uma doença e que deve ser medicada, tratada, acompanhada, etc. Contudo, conheço casos diagnosticados como “hiperactividade” e a mim não me parece mais do que falta de educação.

Senão, vejamos:

G., seis anos, diagnóstico: hiperactividade. Na escola, a professora queixou-se que o menino era muito agressivo, atirava-se para o chão a gritar e a espernear quando a docente o mandava ficar quieto, sentado, a fazer os trabalhos, como aos outros. Pontapés nas pernas da professora, queixou-se a mesma.

Eu lembro-me do crescimento de G. . Desde bebé em frente ao televisor, as refeições foram (e continuam a ser) feitas com um pequeno ecrã de DVD em cima da mesa, para que a criança coma em sossego e não faça barulho, concentrada que está nos desenhos animados.

As brincadeiras envolvem sempre lutas, guerras, bater e “morrer”. Há lá coisa mais feia que ouvir uma criança de três anos, com ar zangado a dizer: “Vou-te matar!” e sermos surpreendidos com um murro no nariz? Aconteceu-me, não achei graça, peguei-lhe nos pulsos, olhei-o nos olhos e disse-lhe em tom muito sério: “Não. Nunca mais voltes a fazê-lo”. Remédio santo, nunca voltou a acontecer, ganhei o afecto de G., mas não o dos pais. “Somos incapazes de falar-lhe assim, estava a brincar”, censuraram-me.

G. corre atrás do gato da avó, agarra-o, aperta-lhe a cauda e o bicho arranha-o. Culpa do animal que é muito arisco, dizem os pais. G. replica a mesma brincadeira com o cachorro da família, que o mordisca. Castigo para o animal, decidem os pais. G. brinca com os primos e amigos que depressa não querem brincar com ele. O problema é dos outros. Hiperactividade e aquele xarope que o acalma. Má educação, digo eu.

J., quatro anos, o terceiro filho, faz uma diferença de oito anos da irmã mais velha e cinco da do meio. “Quero um chupa”, grita desalmadamente, às sete da manhã, dentro do carro. A mãe corre as pastelarias todas, abertas àquela hora, à procura do chupa que não existe. Ele não desiste e grita durante uma hora, até que o supermercado abre e o chupa aparece na sua mão.

O menino pára de chorar, de rosto fechado diz: “Não quero”. “Vou dar à M.”, responde-lhe a mãe. “Não. É para o lixo. Lixo” e os gritos recomeçam. Estava zangado porque as irmãs foram para fora e ele ficou sozinho, justificam os pais. Para a próxima, as meninas não sairão de casa, decidem.

Castigadas as filhas, mas não o menino a quem são feitas todas as vontades. É preciso termos paciência, desculpam os pais. Não quer comer com a família porque “andou a petiscar antes do almoço”; quer sentar-se no lugar do avô ou do tio, “é só desta vez”, pedem; ou grita “calem-se todos, calem-se todos, calem-se todos” enquanto os adultos tentam conversar, “gosta de chamar a atenção”, riem-se os progenitores. Má educação, digo eu, exasperada e logo recebo um olhar de censura.

Há sempre uma desculpa para não assumirmos as nossas funções. No fundo, no fundo, a esperança dos pais (os de J. não estão sozinhos) é que a escola remedeie a situação. Se a escola não conseguir, haverá sempre um medicamento que adormecerá a falta de educação destes miúdos e a venda desses fármacos continuará a aumentar, como dizem as notícias.


* Bárbara Wong é jornalista do Público, especializada em assuntos de Educação, e autora do livro "A Escola Ideal: como escolher a escola do seu filho dos 0 aos 18 anos" (ed. Sebenta, 2008)

10 comentários:

  1. Concordo com tudo o que aqui li... e sinceramente espero, um dia quando for mãe, continuar a concordar.

    Bem ou mal acho que os pais acabam por fazer "estas coisas" para compensar o tempo que não passam com os filhos...

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  2. Obrigada Bárbara, gostei muito. Como mãe do primeiro filho e sem contacto anterior com crianças, tenho algum receio de falhar na educação da minha filha. Não quero que ela seja mal educada e não quero ser uma mãe autoritária. Como saber se estamos a agir bem? Respondo sempre com "faz o que te parece certo, segue o teu instinto". Espero que o meu certo seja o certo...e não acabe por criar uma criança mimada.

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  3. Dá gosto ler este artigo. É de uma sensatez fantástica, algo que falta a muitos pais. "A responsabilidade é sempre do outro (seja pessoa, entidade ou maleita)" é uma máxima que predomina na maioria das famílias portugueses e que convém combater. Rápida e eficazmente. Artigos como este são uma grande ajuda para tal.

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  4. Não sou uma mãe perfeita e tenho queixas (poucas) da escola, de alguma teimosia e arrogância própria da pré-adolescência, desculpo. Mas uma coisa dizemos sempre aos nossos filhos: "Não permitimos más educações". O problema dos pais é termos dificuldade em dizer "não" e em enfrentar as consequências desse "não", porque dá trabalho. Assim é melhor fecharmos os olhos, encolhermos os ombros e esperar que a má disposição passe... BW

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  5. Ainda ontem, a minha filha de 14 meses, porque não a deixei mais estar na rua, gritou, bateu-me na cara, puxou-me os cabelos...o que mais me falta é isto (e se calhar a outros pais): saber o que é aceitável a criança em determinada idade. Pode-se falar em falta de educação aos 14 meses? Eu dizia-lhe qu não devia fazer aquilo, fiz má cara e fui colocá-la na cama retirando alguns "mimos" do costume. Terei feito bem?

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  6. Não deve, de facto, ser fácil educar uma criança. Ainda estou na fase pré-mamã – o bebé nasce em Janeiro –, mas (quase) todos os dias exercito a minha mente para a vontade de conseguir incutir ao meu filho a necessidade de saber ouvir os "não". Dos pais, de professores, da vida. Só espero ser bem-sucedida...

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  7. olá kleis, respondo à questão, provavelmente não devendo responder. não sou psicologa, não sou médica, não sou professora. a minha unica experiencia de birras é a de pessoa que tb já fez birras e a de mãe de duas crianças, uma também com 14 meses. neste último caso eu acho sinceramente que se trata mais de uma questão de exploração de limites do que propriamente de falta de educação. ela não quer ir para casa, então esperneia, bate, barafusta... a solução? para mim foi sempre uma de duas: ou a deixava espernear no chão até lhe passar a fúria enquanto eu assistia serena ou então enquanto são bebés normalmente bastava agarrar nos pulsos de forma firme e olhar nos olhos do bebé a dizer "não se bate". Sempre fui contra as palmadas na mão quando nos batem ("olha eu para te ensinar que não se bate vou-te bater, esta bem?") e sinceramente acho que em idades tão pequeninas castigos mais prolongados não só não valem a pena como são inuteis pois eles já se esqueceram da propria razão da birra... concordo com a bárbara de que não se devem permitir faltas de educação e acho que é possivel traçar o limite junto deles sem termos que andar sempre de cara feia...Se dermos o exemplo, eles acabam por segui-lo. por aqui tem resultado... :)

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  8. Boa tarde!

    Sou professor e penso que o nome 'educador' não me cabe e nem deveria caber a quem ensina, uma vez que quem deve educar são os pais. Não posso ensinar uma língua estrangeira, como o inglês, se tiver que tratar da educação dos meus alunos. A atividade precisa ser dinâmica e não pode se 'educar' neste momento. Penso que não deveria ser feito outro modo de educação por parte dos pais que não fosse apenas o de mostrar aos filhos que o espaço deles termina onde inicia o do outro e, se ele ultrapassar este espaço, vai sofrer as conseqüências. No entanto, para isso funcionar, os pais devem já se colocar no lugar do 'outro', não deixando o bebê lhes dar palmadas, mesmo que seja de brincadeira.

    Saudações, do Brasil!

    Daubi Piccoli
    www.Daubi.jor.br

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  9. Obrigada pela partilha! É muito bom ouvir a opinião de quem tem mais experiência. Sentimo-me mais segura :)

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  10. Dei aulas ao primeiro ciclo e revejo-me quando diz que os pais estão à espera que a escola eduque os filhos. Com uma agravante: nem sempre aceitam os castigos que lhes damos. O problemas dos pais é nem sequer conhecerem bem os filhos e, como tal, há alguns que não acreditam. Hiperactividade é putra coisa bem diferente de faltya de educação e respeito. Também tive um aluno hiperactivo e dava dó de assistir. Com a medicação estava mais sossegado, mas ficava com a boca tão seca e estriada que até metia impressão. Pobre mãe, a dele...

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