Por Bárbara Wong *
Acreditem que estou convencida que a “hiperactividade” existe, que é uma doença e que deve ser medicada, tratada, acompanhada, etc. Contudo, conheço casos diagnosticados como “hiperactividade” e a mim não me parece mais do que falta de educação.
Senão, vejamos:
G., seis anos, diagnóstico: hiperactividade. Na escola, a professora queixou-se que o menino era muito agressivo, atirava-se para o chão a gritar e a espernear quando a docente o mandava ficar quieto, sentado, a fazer os trabalhos, como aos outros. Pontapés nas pernas da professora, queixou-se a mesma.
Eu lembro-me do crescimento de G. . Desde bebé em frente ao televisor, as refeições foram (e continuam a ser) feitas com um pequeno ecrã de DVD em cima da mesa, para que a criança coma em sossego e não faça barulho, concentrada que está nos desenhos animados.
As brincadeiras envolvem sempre lutas, guerras, bater e “morrer”. Há lá coisa mais feia que ouvir uma criança de três anos, com ar zangado a dizer: “Vou-te matar!” e sermos surpreendidos com um murro no nariz? Aconteceu-me, não achei graça, peguei-lhe nos pulsos, olhei-o nos olhos e disse-lhe em tom muito sério: “Não. Nunca mais voltes a fazê-lo”. Remédio santo, nunca voltou a acontecer, ganhei o afecto de G., mas não o dos pais. “Somos incapazes de falar-lhe assim, estava a brincar”, censuraram-me.
G. corre atrás do gato da avó, agarra-o, aperta-lhe a cauda e o bicho arranha-o. Culpa do animal que é muito arisco, dizem os pais. G. replica a mesma brincadeira com o cachorro da família, que o mordisca. Castigo para o animal, decidem os pais. G. brinca com os primos e amigos que depressa não querem brincar com ele. O problema é dos outros. Hiperactividade e aquele xarope que o acalma. Má educação, digo eu.
J., quatro anos, o terceiro filho, faz uma diferença de oito anos da irmã mais velha e cinco da do meio. “Quero um chupa”, grita desalmadamente, às sete da manhã, dentro do carro. A mãe corre as pastelarias todas, abertas àquela hora, à procura do chupa que não existe. Ele não desiste e grita durante uma hora, até que o supermercado abre e o chupa aparece na sua mão.
O menino pára de chorar, de rosto fechado diz: “Não quero”. “Vou dar à M.”, responde-lhe a mãe. “Não. É para o lixo. Lixo” e os gritos recomeçam. Estava zangado porque as irmãs foram para fora e ele ficou sozinho, justificam os pais. Para a próxima, as meninas não sairão de casa, decidem.
Castigadas as filhas, mas não o menino a quem são feitas todas as vontades. É preciso termos paciência, desculpam os pais. Não quer comer com a família porque “andou a petiscar antes do almoço”; quer sentar-se no lugar do avô ou do tio, “é só desta vez”, pedem; ou grita “calem-se todos, calem-se todos, calem-se todos” enquanto os adultos tentam conversar, “gosta de chamar a atenção”, riem-se os progenitores. Má educação, digo eu, exasperada e logo recebo um olhar de censura.
Há sempre uma desculpa para não assumirmos as nossas funções. No fundo, no fundo, a esperança dos pais (os de J. não estão sozinhos) é que a escola remedeie a situação. Se a escola não conseguir, haverá sempre um medicamento que adormecerá a falta de educação destes miúdos e a venda desses fármacos continuará a aumentar, como dizem as notícias.
* Bárbara Wong é jornalista do Público, especializada em assuntos de Educação, e autora do livro "A Escola Ideal: como escolher a escola do seu filho dos 0 aos 18 anos" (ed. Sebenta, 2008)