quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

A esperança não vem em latas



Não há luzes na rua, respondi-lhe, 
Mas temos luzinhas lá em casa. E teremos sempre luzinhas no nosso coração. E isso é o mais importante.

(Que treta, Constança. Que treta, grito silenciosamente a mim própria. 
Isto que estás a dizer à tua filha de cinco anos são tretas e tu sabes.)

Ela antecipou-se, e quase em eco com a minha voz interior, disse: 
Isso não faz sentido nenhum, mãe.

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Bom. A verdade é esta.

Em Dezembro de 2011 não houve luzes de Natal na nossa rua. Até podiam ser fiadas simples, aproveitadas das festas da terra, uns meses antes. Mas não houve. Nem uma. Como também não houve nas varandas das casas das pessoas que todos os anos ajudam a enfeitar a rua.
Nada.

Em Dezembro de 2011 por falta de dinheiro, ou de espírito, ou de ânimo ou, se calhar, por nada disto, mas apenas por vergonha de estar associado a qualquer coisa vagamente semelhante a uma comemoração ou festa, não houve uma única luzinha de Natal na minha rua.

Não entendam mal. Este texto não é um manifesto a favor das iluminações ou o que quer que seja. É só uma reflexão. Pensar ainda é gratuito, então eu acho que em alturas como esta, pensar é uma coisa que toda a gente devia fazer mais.

(como dar abraços e beijinhos e escrever bilhetinhos e dizer coisas parvas e rir à gargalhada. Isso também é tudo gratuito, mas compreendo que ninguém tenha grande vontade de o fazer. Só se fossemos tontinhos, dir-me-iam, se calhar, se eu o sugerisse neste texto.Não sabes a situação em que estamos?)

Como estamos em crise, as reacções que temos têm que ser mais pensadas, mais de acordo com “o manual de normas do comportamento aceitável em momentos de crise”.

Por exemplo. Não temos luzes de Natal nas ruas, mas depois, no dia de Natal, aparece um vídeo da Coca Cola a dizer que vai tudo correr bem. De repente temos vontade de abraçar toda a gente e distribuir beijos a eito. Vai correr tudo bem, mundo! 
Mas espera. 
Agora há um novo vídeo e este diz que temos é razões para odiar a Coca-Cola e os governos e que afinal há muito mais pessoas corruptas no mundo do que ursinhos de peluche e pronto, está tudo estragado outra vez. Que desânimo, para quê levantar da cama, estamos condenados, afinal. É aquela questão que sempre detestei: o copo está meio cheio ou meio vazio? E quem decide a perspectiva: somos nós ou quem segura o copo?

São assim os sentimentos enlatados. Trazem interesses escondidos, são de rápido consumo e pior, sejam bons ou maus, positivos ou negativos, não são nossos. Nós só somos ecos, arrastados na maré. 

Colaborantes, quase sempre. Algumas vezes mais inflamados. A encolher os ombros, na maior parte dos casos. Foi assim no final deste ano. Adivinha-se assim o próximo. A indiferença é mais gerível, afinal. Não cansa tanto.

No ano passado escrevi aqui uma história em que as crianças salvavam o mundo da indiferença.

Este ano não chamo os pássaros, e poupo nas metáforas. Vou dizê-lo claramente: são as crianças que vão salvar o mundo.

Porque não é preciso ensinar-lhes a esperança. Porque riem se estão felizes e choram se estão tristes. E o mundo pode mudar a cada dia, mas elas continuam a acreditar no Pai Natal e em fadas, e na magia em geral. E mais do que nunca, hoje, acreditar no Pai Natal e em fadas é absolutamente essencial.

Porque fazem perguntas, porque questionam, porque não desistem até terem resposta. E se a resposta não é satisfatória, elas perguntam outra e outra vez. Porque fazem birras, e porque o fazem em muitos casos, porque acham mesmo que têm toda a razão e que não é justo. E se não é justo, qual é o sentido de se calarem?

As crianças podiam salvar o mundo porque são corajosas. Porque enfrentam os adultos, quando estes têm duas vezes o seu tamanho. 

Mas acima de tudo, porque é na adversidade que pedem mais beijos, mais colo, mais amor. Porque quando estão tristes ou sozinhas, ou com medo do escuro no meio da noite, chamam por alguém.

E isto é o que todos devíamos fazer.


A tua pulseirinha está quase a romper-se, digo-lhe, para desviar o assunto das luzes,
Ainda te lembras do que desejaste?

Claro que sim, mãe.
Desejei um lindo arco-íris e duas borboletas.

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