sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Parabéns, Mariana.


Eu lembro-me do dia em que ela nasceu, há 31 anos atrás. Lembro-me de estar em casa da minha avó e de me terem dito que a minha mana ia nascer. 

Não me lembro bem da sucessão de acontecimentos. 

Mas lembro-me que nesse dia estavam duas brasileiras em casa da minha avó, de visita. De dizerem que me tinham trazido uma camisola linda do Brasil. E de a camisola ser afinal uma camisa de dormir e de eu ficar a achar que me tinham enganado ou talvez que se tinham enganado elas porque aquilo não era camisola nenhuma. Lembro-me de não dizer nada na altura mas de tomar uma nota mental para debater isso mais tarde com a minha mãe. 

(se eu já a conhecesse nesse dia, a nota mental teria sido para comentar com ela).

Eu tinha 22 meses na noite que a minha irmã nasceu. Dizem que é impossível eu lembrar-me disto tudo, mas é verdade: eu lembro-me.

Como me lembro da avó a dizer que tu tinhas nascido, Mariana, e as brasileiras, tudo aos beijos, tão contentes.

Isto eu já não me lembro, mas a mãe faz questão de contar em todos os jantares de família, sempre que quer demonstrar o quão malévola eu sou. Não me lembro, juro, mas deve ser verdade que te dei um pontapé com as botas ortopédicas quando tu ainda nem andavas e que quando a mãe me foi castigar, tu te penduraste nas pernas para a impedir, enquanto gritavas que a mãe era má por me estar a bater. Ainda tinhas a cara inchada do pontapé, diz a mãe, quando vieste defender-me. 

Mais tarde, lembro-me só muito vagamente que estávamos a brincar às vizinhas, e eu te fechei a porta da casa de banho na cara e o teu dedo ficou metade dentro, metade fora e tu aos gritos e a Isabel aos gritos e sangue.

(E o teu dedo, para sempre cortado, o dedo da “batata”, como naquela foto na praia que estás tão bonita e depois vamos ver e na contraluz, um dos teus dedos mais pequeno que os outros. Desculpa, desculpa e estou a ser sincera, embora saibas que estou também a rir, mana, como é possível rir-me eu sei, mas estou arrependida, embora vistas bem as coisas até tenha piada. Agora. Na altura, não.)

Lembro-me vagamente, muito vagamente, de todas as asneiras e maldades que te fiz ao longo dos anos, mana. Mas há recordações mais claras para mim. Como quando dormíamos fora de casa e não havia a luz no corredor ou os barulhos na sala que nos embalavam habitualmente e tu tinhas medo do escuro. Então perguntavas-me “esperas por mim?” e eu dizia que sim e tentava manter-me acordada enquanto adormecias. Adormecíamos de mãos dadas, as duas.

Também me lembro dos nossos livros preferidos. Nunca deixámos de ler os nossos livros preferidos. Agora lemo-los às crianças que chegaram entretanto, mas nós… Mariana. Nunca deixámos de ser crianças as duas. 

Porque nos temos uma à outra. 

Tenho a certeza que é por isso. E é por isso também que ainda nos mandam calar às duas nos jantares de família em que nós estamos aos risinhos quando alguém discursa. E é por isso que os nossos irmãos, mais novos que nós, reviram os olhos e nos chamam infantis e parvas. E é por isso que gritamos tanto, choramos tanto, rimos tanto e nos abraçamos tanto. Somos infantis juntas, mas somos também corajosas. Damos coragem uma à outra, acho que é isso. 

Ainda há pouco tempo disseste-me: Tu nunca, mas nunca vais estar sozinha. 
E isso, garantido por ti, foi provavelmente a frase em que mais acreditei na vida inteira.
Desde que nasceste nunca mais fui sozinha.

É também porque me garantiste que, se me acontecesse alguma coisa tu nunca deixavas os meus filhos, que eu continuo a entrar em aviões, apesar de achar sempre que me vou estatelar a milhões de metros de altitude. Se os meus filhos não me tivessem a mim queriam ter-te a ti e isso tranquiliza-me. Haver para os meus filhos outra pessoa no mundo como eu. 

Com o mesmo património, as recordações, os cheiros da infância, as mãos dadas no medo do escuro.
A minha irmã. 
Adoro-te. Com todo o meu coração.
Parabéns, mana.


(Perdoa-me as botas ortopédicas que eu perdoo-te quando me puseste comprimidos para dormir na sopa para ires sair à noite. E eu tinha frequência no dia a seguir.
Pronto, não se fala mais nisso.)

3 comentários:

  1. Grande homenagem!
    Parabéns às irmãs, uma pelo aniversário, outra pela partilha, a ambas pela lição de amor fraternal.

    Tudo de bom a ambas,
    Sónia

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  2. Que bonito! Sempre quis ter uma irmã... e se mes escrevesse um texto assim, dava-lhe no mínimo um grande abraço.

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  3. Só quem tem irmãs mais novas compreende este post tão bonito....
    http://aistadesus.blogspot.com

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