segunda-feira, 14 de junho de 2010

Em casa de ferreiro... previne-se como nas outras

Por Maria Moreira*



Não sou especialista em prevenção das dependências, mas trabalho com os dados nacionais e internacionais das drogas e das toxicodependências há mais de 15 anos. Ajudo a conceptualizar e acompanho estudos, recolho dados, analiso-os, comparo-os, escrevo relatórios, falo com os meios de comunicação social, e por isso tenho muita dificuldade de explicar aos meus amigos que, no que toca à prevenção dos consumos em minha casa, tenho provavelmente as mesmas dúvidas e os mesmos medos que todos os outros pais de adolescentes. O meu ‘conhecimento baseado em evidências científicas’, ‘as médias’, ‘as tendências’, ‘as prevalências’ e as ‘boas práticas’ de pouco me serviriam se achasse que apenas preciso de informação para preparar o meu filho adolescente para fazer escolhas saudáveis na vida.


Não há dúvida que a informação pode ser uma boa forma de começar uma conversa, a propósito de uma notícia, de qualquer coisa que aconteceu na escola. Porque apesar dos adolescentes ‘saberem tudo’ e nem sempre quererem a nossa opinião, porque ‘no tempo dos pais as coisas eram diferentes’, eles próprios têm a noção, ou a intuição, que nem sempre o ‘tudo que sabem’ está certo. É importante fazermos um esforço para nos mantermos informados e para estarmos particularmente atentos às afirmações que são, na realidade, perguntas:

Exemplo de afirmação/pergunta: ‘Mas se os jornais estão sempre a dizer que o consumo da droga aumentou é porque é normal consumir.’

Exemplo de resposta/início de conversa: ‘Normal? Se leres com atenção para lá do título vês que a maioria dos jovens da tua idade nunca sequer experimentou drogas.’

Exemplo de afirmação/pergunta: ‘Pois, mas as drogas novas não causam dependência.’

Exemplo de resposta/início de conversa: ‘E o risco de dependência é o único risco de uma droga? Quando se compra um comprimido a alguém, como é que sabes se o comprimido tem o que dizem que tem? E que outras substâncias poderá ter? E as pessoas ficarem expostas ao perigo de reacções adversas, de relações sexuais desprotegidas, de acidentes rodoviários, não são riscos tão importantes como o risco de causar dependência?’.

Exemplo de afirmação/pergunta: ‘Mas se consumir até já nem é ilegal.’

Exemplo de resposta/início de conversa: ‘Não é um crime mas continua a ser ilegal. Se alguém for apanhado com droga é identificado pela polícia e tem de se apresentar a uma Comissão especial que o avalia. Fica com o nome registado numa base de dados e a Comissão pode decidir aplicar multas ou castigos, como, por exemplo, um certo número de horas de trabalho comunitário.’

É claro que às vezes o que apetece mesmo é dizer que as ‘drogas são más porque sim’, mas é importante reconhecer que os discursos desse tipo não pegam com os nossos filhos e, se cairmos na tentação de os utilizar, podemos correr o risco de destruir a nossa própria credibilidade como fontes de informação dos nossos filhos.

Quando abordo este e outros assuntos sensíveis com o meu filho, faço questão de repetir para mim própria algumas evidências que me ajudam a encontrar com mais facilidade o tom da conversa: 1) que ele não é parvo; 2) que tem acesso fácil e imediato à informação e à desinformação (e que nem sempre é fácil distinguir entre as duas); 3) que ele só me conta o que quer (como eu aliás fazia quando tinha a idade dele) e 4) que, faça eu o que fizer, a decisão final pertence-lhe.


O que torna tudo mais difícil é que o verdadeiro trabalho de prevenção não é este. E quanto a isso, deixem-me partilhar a reacção de um colega, já há alguns anos, quando, em conversa acerca dos nossos filhos e das formas como eles tentam negociar a sua autonomia, exclamou.

‘O teu filho tem 14 anos? Então deixa-te de coisas! Ou já fizeste o que tinhas a fazer ou não é agora que vais começar.’

Amarga lembrança de que não é quando chega a adolescência que o nosso trabalho de prevenção começa.
O nosso contributo para a prevenção das dependências (e, sem pretender passar por perita na matéria, suspeito que o da maioria dos problemas relacionados com os comportamentos e os estilos de vida) começa no berço. Educar no princípio do respeito: respeito pelo corpo, por si próprio e pelos outros. Educar para os ajudar a assumir as responsabilidades das suas decisões. Educar na alegria de uma vida vivida de forma saudável, de corpo e mente.

E depois?
Depois é abrir o abraço e deixá-los ir. Porque a vida é deles, e as escolhas também.

* Maria Moreira é mãe, gestora de informação e sonhadora inveterada.

6 comentários:

  1. Há tempos num jantar de amigos: "..esta geração não tem nada a haver connosco; são uns santinhos!", "..nunca farão metade das loucuras que fizemos quando tinhamos a idade deles...". Será?

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  2. Gostei especialmente da última parte. É realmente no berço que tudo deve começar. Obrigada

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  3. Muito bem, Maria! Muito útil!!!

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  4. Maria, gostei muito e acho que é mesmo assim.
    Não somos "donos" dos filhos e são estes os primeiros "testes" à educação que lhes demos desde o berço, o que inclui obviamente e acima de tudo, o exemplo que sempre viram em nós. Se tudo isso foi coerente e consistente, em princípio a coisa vai correr bem!

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  5. Gostei muito!
    De facto, é preciso ser-se franco, é preciso conversar e é preciso que, quando chega a adolescência e a idade de todas as asneiras, já esteja feito o trabalho de os ensinar a perceber que há asneiras que são mais asneiras que outras.
    Obrigado pelo texto!

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  6. Que idade têm os filhos desses amigos, João? ;)

    ou

    Quantas asneirolas a nossa geração fez e os nossos pais nunca souberam? ;)

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